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Justiça do Trabalho reconhece natureza profissional de contrato de jogadora de futebol - Acidente de trabalho e salário in natura também são temas da decisão

O MM. Juiz do Trabalho Marcos Ulhoa Dani, em atuação na 13ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, apreciou pedidos de ação trabalhista formulados por jogadora de futebol profissional.

Em sua sentença, o Juiz afastou o registro do contrato na carteira de trabalho da jogadora - onde constou que ela seria atleta não profissional -, explicando que ela recebia salário e tinha rotina de treinos e jogos. Explicou também que pela Lei 9.615/98, artigo 94, não existe a figura do atleta autônomo para modalidades coletivas como o futebol.

A sentença reconheceu o acidente de trabalho da jogadora profissional, em razão de lesão no joelho contraída durante um treinamento. Consequentemente, lhe assegurou o direito à garantia provisória de emprego e indenização correspondente.

A decisão ainda trata da natureza do alojamento fornecido à atleta, haja vista o pedido de reconhecimento do salário in natura. Quanto a esse pedido, o indeferiu, por reconhecer que a moradia foi ajustada como essencial para o deslocamento da trabalhadora para Brasília. Mesmo entendimento foi adotado em relação à alimentação.

A sentença trata ainda de outros temas.

O MM. Juiz Marcos Ulhoa Dani é especialista no tema do direito desportivo, tendo obras publicadas nessa área.

A íntegra da sentença segue abaixo. Vale a leitura!  

 

 

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO

13ª Vara do Trabalho de Brasília - DF

ATOrd 0000328-86.2020.5.10.0013

RECLAMANTE: BRUNA ANGELICA DA SILVA SANTOS

RECLAMADO: CLUBE REC ESP DOS SUBTENENTES E SARGENTOS DA PMDF

Relatório

SENTENÇA

Ao dia 18/11/20, na 13ª Vara do Trabalho de Brasília, de ordem do Exmo. Sr. Juiz do Trabalho, MARCOS ULHOA DANI, que ao final assina, tem-se sentença relativa aos autos nº 0000328-

86.2020.5.10.0013, entre as partes:

RELATÓRIO

BRUNA ANGELICA DA SILVA SANTOS ajuíza ação em face de CRESSPOM: Clube Recreativo e Esportivo de Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar do Distrito Federal pelas razões que aduz em inicial. Alega que manteve contrato especial de trabalho desportivo com a parte reclamada, que não teria sido reconhecido formalmente pelo clube reclamado. Argumenta que não recebeu uma série de direitos trabalhistas e fundiários. Aduz que sofreu acidente de trabalho típico a serviço da parte reclamada, fazendo jus a indenização. Diz que ficou sem nenhum auxílio da empregadora, quando de sua contusão. Argumenta pelo reconhecimento de salários “in natura”. Denuncia atrasos, bem como requer multas e indenizações, além de outras causas de pedir que lista na inicial. Junta documentos e dá à causa o valor de R$60.000,00. Apresentou emenda, após intimação do juízo. Em virtude da Pandemia, houve a adoção do rito do art. 335 do CPC. Apresentada defesa e documentos. Apresentada réplica.

Em virtude da Pandemia da COVID-19, foi aberto prazo para que as partes

dizerem se ainda tinham interesse na prova oral; ambas as partes manifestaram interesse e capacidade de fazer a audiência de forma telepresencial, o que foi feito. Na referida audiência, partes e advogados presentes, foram ouvidos os litigantes e uma testemunha.

Sem mais provas, fiz os autos conclusos para decisão.

Conciliação frustrada.

É o relatório.

Fundamentação

PRELIMINARES

IMPUGNAÇÕES

As impugnações são genéricas ou dizem respeito ao mérito da demanda, que será analisado no momento adequado. O valor da causa é condizente com o potencial econômico da demanda, sendo que a procedência ou não dos pedidos é matéria afeta ao mérito, devendo ser lá analisada. Os documentos juntados terão o valor que lhe atribuir o juízo, a seu sentir. Rejeito.

VALOR DA CAUSA

A parte reclamante requereu que fosse dado à causa o valor de R$60.000,00. Todavia, verifico, na fl. 39, que somente com os pedidos de alíneas “f”, “g” e “l” do rol de pedidos já superam, em muito, o valor sugerido.

Modifico, desta forma, de ofício, o valor da causa, eis que o valor da ação não corresponde ao potencial econômico da demanda, que já pode ser aferido pela quantificação dos pedidos pretendidos.

Com efeito, diz o art. 292 e parágrafos do CPC:

Art. 292.  O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será:

(...)

V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido;

(...)

  • 3oO juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes.“

Desta forma, modifico, de ofício, o valor da causa para R$120.000,00 (valor de cento e vinte mil reais).

PERDA PARCIAL DE OBJETO

A parte reclamante requereu, nas alíneas “n” e “p” do rol de pedidos, a condenação da parte reclamada em custas de deslocamento, passagens e hospedagem da autora a Brasília, para participar das audiências do processo. Ocorre que, conforme se vê dos autos, em razão da Pandemia da COVID-19, foi adotado o rito do art. 335 do CPC, não tendo havido audiências presenciais no foro trabalhista de Brasília. Só houve uma audiência no feito, de instrução, realizada de modo telepresencial, não havendo, por consequência, gastos de deslocamento, hospedagem ou passagem da autora. Assim, de ofício (art. 485, §3o, do CPC), extingo, sem julgamento do mérito, os pedidos de alíneas “n” e “p” do rol de pedidos (fl. 39), por falta de interesse processual, nos termos do art. 485, VI, do CPC.

PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA

Incontroverso o fato da reclamante não mais prestar serviços para a parte reclamada, não se sabendo quais são seus atuais rendimentos. Em atividade, é incontroverso que ganhava menos de 40% do teto previdenciário. Assim, defiro a justiça gratuita à autora, nos termos do art. 790, §3o, da CLT.

DO MÉRITO

CONTRATO. SALÁRIO. VERBAS RESCISÓRIAS E FUNDIÁRIAS. ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA. INDENIZAÇÕES. CTPS.

A parte reclamante alega que teve contrato de trabalho de atleta profissional de futebol com a parte reclamada, a partir de 01/03/18 para a temporada daquele ano. Alega que sofreu acidente de trabalho em 24/11/18.

De início, verifico que é incontroverso que a parte reclamante entabulou um contrato com a parte reclamada. Na fl. 43 dos autos, percebe-se que as partes assinaram um contrato de “atleta não profissional”. Não há falar em contrato de atleta “não profissional”. É incontroverso que a reclamante se submetia a uma rotina de treinos e jogos na parte reclamada, recebendo uma remuneração de R$1.500,00 mensais, valor este que representa montante superior a ajudas de custo ou bolsa aprendizagem. Como visto nos autos, na época dos fatos, além dos valores recebidos ultrapassarem os gastos para a prática do desporto, o futebol era a principal fonte de renda da reclamante, o que demonstra, também por este aspecto, o seu viés profissional. Tanto assim o é que é incontroverso nos autos que a reclamante residia em São Paulo, tendo se mudado para a Capital Federal em decorrência da oportunidade profissional que se apresentou no desporto. Ocorre que o contrato de atleta, sob o viés profissional é obrigatório para o futebol de campo. Com efeito, diz o art. 94 da Lei 9.615/98 (Lei Pelé):

Art. 94.  O disposto nºs arts. 27, 27-A, 28, 29, 29-A, 30, 39, 43, 45 e nº § 1º do art. 41 desta Lei será obrigatório exclusivamente para atletas e entidades de prática profissional da modalidade de futebol.”

O art. 28-A, em seu parágrafo terceiro, do mesmo Diploma Legal, também é claro ao dizer que não existe a figura do atleta autônomo nas modalidades coletivas como o é o futebol. O vínculo empregatício é claro, na modalidade profissional, sendo que a reclamante cumpria todos os requisitos do art. 2o e 3o da CLT, eis que é incontroverso que a reclamante se submetia à rotina de jogos e treinos, recebia salário mensal para além dos gastos com a prática do desporto, atuava com pessoalidade e com não eventualidade. Com efeito, já nos manifestamos neste sentido, em nossa obra, Transferências e Registros de Atletas Profissionais de Futebol – Responsabilidades e Direitos, 2a Edição, Ltr:

Não podemos conceber, diante da realidade dos fatos, que, por exemplo, jogadores de futebol, vôlei e basquete, que se submetem a uma rotina de treinos, jogos e viagens, recebendo valores para tanto, e que cumpram os requisitos dos arts. 2o e 3o da CLT, e também os requisitos de idade da Lei Pelé e da CRFB-1988, não sejam considerados profissionais só por não terem formalizado, eventualmente, um contrato de trabalho desportivo escrito. Tais atletas são, a rigor, federados, inscritos e registrados perante ligas ou entidades de organização do desporto, e disputam competições oficiais. A própria Lei Pelé, em seu art. 43, veda a participação em competições desportivas profissionais de atletas não profissionais com idade superior a 20 anos. Há, na prática, um contrato de trabalho desportivo, mesmo na forma tácita ou verbal. (...) A questão do profissionalismo, no que tange especialmente aos atletas profissionais do futebol, ficou muito ligada à existência de um contrato de trabalho desportivo escrito e registrado, pois com tal registro seria possível verificar, com maior clareza, a existência dos valores para estabelecimento, por exemplo, dos montantes para as cláusulas indenizatórias e compensatórias desportivas. Todavia, a ausência de tal formalidade, na esteira do princípio do contrato realidade, não impedirá o eventual reconhecimento judicial de um contrato de atleta profissional, mesmo na ausência de contrato desportivo escrito, desde que se verifiquem os cumprimentos dos requisitos legais de idade, dos arts. 2o e 3o da CLT, além de se constatar, faticamente, que o atleta tem na atividade desportiva a sua principal renda, sendo que os rendimentos auferidos ultrapassam, em muito, a mera ajuda de custo ou os valores de uma bolsa aprendizagem (arts. 3o, I e II, do RNRTAF).” (pgs. 57 e 59/60)

Ou seja, resta claro que houve um vínculo de emprego desportivo trabalhista entre as partes litigantes, ficando o mesmo assim declarado. É cristalino que, até pelo ajuste de fl. 43 e pelos termos da inicial e da defesa, que o contrato de trabalho perdurou de 01/03/18 até 31/12/18, quando houve a chegada ao termo final do contrato.

Todavia, restou provado que, em 24/11/18, a reclamante teve um acidente de trabalho típico, ao lesionar seu joelho em um treinamento na parte reclamada. A parte ré negou, em sua defesa, que o acidente tivesse ocorrido durante o vínculo entabulado entre as partes. Entretanto, tal tese foi afastada pela confissão do preposto e pela testemunha ouvida.

Disse o preposto:

que a reclamante teve uma contusão enquanto atuava pelo reclamado, sendo que o depoente, se não se engana, acha que a contusão foi no joelho; que depois da contusão da reclamante, a mesma não atuou mais pelo clube até o fim do seu contrato, em decorrência da contusão;”

Disse, ainda, a testemunha THAMIRES:

"que começou a atuar no reclamado em março de 2015; que conheceu a reclamante; que a reclamante se contundiu em um treino no reclamado; que a reclamante não voltou a atuar no clube após a contusão;”

Ficou robustamente comprovado que a reclamante se acidentou a serviço no reclamado. Tratase de acidente de trabalho típico, nos termos do art. 19 da lei 8.213/91:

Art. 19.  Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. 

Como visto na confissão do preposto e no depoimento da testemunha THAMIRES, a reclamante, em decorrência da contusão que teve no serviço, não atuou mais para o reclamado. Ou seja, tratou-se de um sinistro ocorrido no labor, pelo exercício do trabalho, que provocou lesão corporal. Tal lesão implicou na redução temporária de atuação da reclamante. Com efeito, disse a própria obreira, em depoimento:

que no dia 24/11/2018, a depoente se lesionou durante o treinamento na reclamada, rompendo o ligamento; que fez a cirurgia para resolver a lesão em março de 2019; que foi liberada para os treinamentos e jogos pelo médico, após a cirurgia;”

O documento médico de fl. 52, datado de 13/09/19, comprova que a reclamante já estava apta para os treinos, eis que lhe foi receitado o complemento “EXTIMA”, que se traduz em colágeno hidrolisado (https://www.apsen.com.br/extima/?

gclid=EAIaIQobChMI7uL0xdOM7QIVUgmRCh3QMQ7OEAAYASAAEgIOV_D_BwE – acesso em 18/11/20), na dosagem de um sachê “após o treino” para auxiliar no fortalecimento muscular. Ora, se já lhe era receitado um sachê do produto “após o treino”, fica claro que, em 13/09/19, a reclamante já estava recuperada e apta para as suas atividades profissionais desportivas, o que se confirmou pela própria confissão obreira.

Concluo, portanto, que a reclamante, após o desligamento da parte reclamada, ainda ficou afastada de sua atividade profissional desportiva por cerca de mais nove meses, tendo se submetido, inclusive, a procedimento cirúrgico em março de 2019, conforme comprovam os documentos médicos juntados aos autos, a exemplo dos de fls. 49 a 51 dos autos. Tal afastamento se deu, exatamente, por sua lesão no joelho, ocorrida durante os trabalhos em prol da reclamada. Nesta situação, caracterizou-se o acidente de trabalho típico. A reclamante, portanto, não poderia ter sido desligada do contrato de emprego, pois, mesmo em um contrato de prazo determinado, a jurisprudência consolidada do TST determina a suspensão do contrato de trabalho e a garantia provisória no emprego desportivo, mesmo porque o vínculo de emprego desportivo pode ter uma duração de até cinco anos, de acordo com o art. 30 da Lei Pelé. Neste sentido, a Súmula 378, II e III, do TST:

Súmula nº 378 do TST

ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº 8.213

/1991. (inserido item III) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

  • - É constitucional o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidadeprovisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado. (ex-OJ nº 105 da SBDI-1 - inserida em 01.10.1997)
  • - São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e aconseqüente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego. (primeira parte - ex-OJ nº 230 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)
  • – O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantiaprovisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no n no art. 118 da Lei nº

8.213/91.

Como não houve qualquer indicativo da parte reclamada em reintegrar a parte reclamante, e já tendo sido exaurido o prazo estabilitário de 12 meses após a restauração de capacidade da trabalhadora (recuperação em 13/09/19), não há outra solução jurídica que não seja a indenização substitutiva à reclamante. No caso em concreto, destaco que o fato da reclamante não ter recebido auxílio-doença acidentário não é impeditivo para a incidência do art. 118 da Lei 8.213/91, que garante a estabilidade, pois a culpa pela ausência de recebimento, pela reclamante, dos benefícios previdenciários se deram por culpa exclusiva da parte reclamada, que não registrou o vínculo de emprego com a parte reclamante em CTPS, como era de sua obrigação. Não tendo feito tal registro, mesmo presentes os elementos caracterizadores do vínculo de emprego, a reclamante deixou de ser cadastrada no INSS como segurada, por culpa da reclamada, que incidiu em ato ilícito, nos termos do art. 186 do CC. Assim, deve a parte reclamada ser responsabilizada por sua negligência, nos termos do art. 927 do CC e até pela incidência da Súmula 378, item II, do TST, transcrita acima. Neste sentido, o TST:

"AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO RÉU. LEI 13.467/2017 . ESTABILIDADE PROVISÓRIA. DOENÇA OCUPACIONAL. ATLETA PROFISSIONAL. REGISTRO FÁTICO DE INCAPACIDADE TEMPORÁRIA, COM AFASTAMENTO DAS ATIVIDADES POR 70 DIAS. NEXO CAUSAL COMPROVADO. DESNECESSIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, PARA RECONHECIMENTO DO DIREITO. SÚMULA Nº 378, II, DO TST. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CONSTATADA. A tese recursal, no sentido de ser imprescindível a concessão do auxílio-doença acidentário para fins de reconhecimento da correspondente estabilidade provisória no emprego, está superada pela jurisprudência cristalizada nesta Corte, expressa na Súmula nº 378, II. O fato de se tratar de atleta profissional e de ter havido pagamento dos salários durante o afastamento não elide a aplicação do verbete. Inviável, portanto, o processamento do recurso de revista. Agravo de interno conhecido e não provido" (Ag-AIRR-10173-68.2016.5.18.0011, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 23/10/2020). - grifei

A culpa da reclamada no infortúnio e no sinistro da reclamante é densificada pela confissão do preposto nos seguintes termos:

que o clube não tinha departamento médico, sendo que o depoente não sabe responder se houve fornecimento de plano de saúde para a reclamante; que pelo que sabe o reclamado não contratou seguro de vida e acidentes pessoais para a reclamante”

O desconhecimento do preposto implica em confissão, nos termos dos arts. 843, §1o, da CLT e 385, §1o, do CPC. Assim, verifica-se que a parte reclamada não contratou seguro de vida e

acidentes pessoais para a reclamante, nem tinha departamento médico ou plano de saúde fornecido à atleta, obrigações que lhe competiam, nos termos dos arts. 34, II e III e 45 da Lei Pelé.

Da mesma forma, apesar da parte ré alegar que pagou verbas rescisórias e fundiárias, verifico que a parte reclamada não comprovou os pagamentos rescisórios e fundiários do período de 01 /03/18 a 31/12/18, ônus que lhe competia, nos termos dos arts. 464 e 818, II, da CLT e da Súmula 461 do TST. Destaco que os recibos juntados pela reclamada, datados de fevereiro de 2018, além de se traduzirem em valores pagos antes do início da contratualidade, foram confessados pela ré, em defesa, que foram a título de ajuda de custo para que a reclamante se deslocasse ao DF para o início dos trabalhos. Assim, nada tem a ver com verbas rescisórias ou fundiárias.

Assim o sendo, nos limites dos pedidos, e considerada a base de cálculo de R$1.500,00 mensais, condeno a parte reclamada a pagar à reclamante as seguintes verbas rescisórias típicas:

  • 10/12 de trezenos proporcionais referentes ao ano de 2018, nos termos do art. 1o, §2o, da lei4.090/62;
  • 10/12 de férias proporcionais+1/3 referentes ao ano de 2018, nos termos do art. 146, parágrafoúnico, da CLT.

Destaco que os documentos de fls. 164/165 dos autos comprovam que a reclamante recebeu o salário completo de dezembro de 2018.

Além das verbas rescisórias típicas, condeno, ainda, a parte reclamada a pagar à reclamante, FGTS referente ao período de 01/03/18 a 31/12/18, à razão de 8% de R$1.500,00 ao mês, mês a mês, no período da condenação.

Não há falar, todavia, em reconhecimento do elastecimento do contrato de trabalho para além da data de 31/12/18. O fato é que, em que pese as disposições legais e sumulares a respeito, houve o desligamento da reclamante. A situação se resolve, como visto, até pela falta de manifestação conjunta pela continuidade do vínculo, pela via indenizatória. Conforme argumentação pregressa, deverá haver a indenização de período de estabilidade não concedido, o que não tem o condão de estender o contrato de trabalho, mantendo-se a terminação do mesmo em 31/12/18. Assim, improcedentes os pedidos de reconhecimento de vínculo para além de 31/12/18.

Por outro lado, devidas indenizações substitutivas, eis que caracterizado o acidente de trabalho e a incapacidade laboral até 13/09/19 (fl.52). Assim, como a parte reclamada não emitiu CAT, não registrou o contrato de trabalho e nem fez contribuições previdenciárias, deve arcar com o período de incapacidade da autora, como se tivesse sido mantido o vínculo, nos termos do art. 927 do CC. Também é devida a indenização substitutiva da estabilidade de um ano da reclamante, a partir de 13/09/19, nos termos dos arts. 118 da lei 8.213/91, da Súmula 378 do TST e do art. 927 do CC. Assim, condeno a parte reclamada a pagar indenização substitutiva de salários mensais de R$1.500,00, mês a mês, no período de 01/01/19 até 13/09/20 (fim do período estabilitário); indenização de férias+1/3 do período 01/01/19 até 13/09/20 (fim do período estabilitário), o que representa 12/12 de 2019 e 08/12 de 2020, observada a base de cálculo de R$1.500,00 mensais e o disposto no parágrafo único do art. 146 da CLT; indenização de FGTS, à razão de 8% de R$1.500,00 ao mês, mês a mês, de 01/01/19 até 13/09/20.

É incontroverso que não houve a assinatura da CTPS obreira.

Assim, considerada as premissas e conclusões acima, nos termos do art. 39, §2o, da CLT, quando do trânsito em julgado, determino, e em oito dias da intimação para tanto, que a parte reclamada anote a CTPS da parte autora, constando a data de admissão em 01/03/18, e saída em 31/12/18, com salário mensal de R$1.500,00 e função de atleta profissional de futebol, sob pena de multa de R$50,00 por dia de atraso, limitada a R$500,00, nos termos dos arts. 139, IV e 536 do CPC. Ultrapassado o prazo, as anotações serão feitas pela Secretaria da Vara, com ofício à SRTE e ao INSS (art. 631 da CLT), inclusive para eventuais retificações de cadastros. Em vista da suspensão das atividades presenciais neste TRT, o cumprimento da obrigação de anotação de CTPS poderá se dar de duas formas: com a determinação de que a reclamante se encaminhe diretamente à sede da parte reclamada (antigo local de serviço) para as devidas anotações, em período fixado pelo juízo, após o trânsito em julgado, OU, quando do retorno das atividades presenciais neste tribunal (no momento em que os jurisdicionados já tiverem acesso às dependências do TRT), via secretaria, com a parte autora entregando o documento em secretaria, em 05 dias da determinação para tanto, após o trânsito em julgado e o retorno das atividades presenciais. OBSERVE A SECRETARIA.

MULTA DO ART. 467 DA CLT

As verbas rescisórias são controversas, pois a parte reclamada requereu a improcedência total dos pedidos, alegando pagamentos. Improcede a multa.

MULTA DO ART. 477 DA CLT

Conforme visto em capítulos pregressos, aos quais me remeto, ainda não houve o pagamento das verbas rescisórias. Assim, condeno a parte reclamada a pagar à reclamante o valor de R$1.500,00, a título de multa do art. 477, §8o, da CLT.

SALÁRIO “IN NATURA” E REFLEXOS

A parte reclamante requer o reconhecimento de salários “in natura” e integração dos mesmos aos salários pagos, à razão de R$375,00 a título de auxílio-moradia e R$300,00 a título de alimentação, valores estes considerados na base de cálculo mensal.

É incontroverso que a parte reclamante recebia alimentação e moradia. Residia nas dependências do clube. Ocorre que há particularidades na situação.

A reclamante, em depoimento, no que se refere ao tema da moradia disse:

que ganhava R$ 1.500,00 reais por mês na reclamada; (...) que residia nos alojamentos do clube reclamado e também fazia todas as refeições no clube; que se o clube não tivesse oferecido o alojamento para a depoente, a mesma não conseguiria ter vindo atuar pelo clube reclamado, em brasília, a não ser que tivesse obtido um salário maior para alugar uma quitinete;” (grifei)

Como se vê do depoimento da reclamante, a mesma confessa que, se não tivesse recebido alojamento nas dependências do clube reclamado, não conseguiria ter vindo jogar no clube reclamado, considerando o salário mensal recebido de R$1.500,00. Conclui-se que o fornecimento do alojamento era indispensável para a execução do trabalho, ainda mais se considerando o salário mensal percebido. Nestas condições, o alojamento (auxílio-moradia) ganha nítido caráter instrumental, afastando-se a sua natureza salarial. Em outras palavras, caso não tivesse recebido a oportunidade de ficar no alojamento do clube reclamado, a reclamante não teria conseguido vir atuar no clube reclamado, nesta capital federal. Ou seja, há confissão real de que a reclamante recebia um instrumento para trabalhar, qual seja, o alojamento, pois, caso contrário, financeiramente, a prestação laboral restaria impossível.

Já tive a oportunidade de me manifestar a respeito do tema na obra Transferências e Registros de Atletas Profissionais de Futebol – Responsabilidades e Direitos, 2a Edição, Ltr:

O art. 28, §4o, da Lei Pelé, estabelece que ao atleta profissional de futebol, ressalvadas as particularidades da Lei do Desporto mencionada, devem se aplicar as leis trabalhistas e de seguridade social:

  • 4º Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes desta Lei (...)

Assim, silente a lei especial a respeito, aplica-se a legislação trabalhista geral, no caso, a CLT. Ou seja, em que pese ser um contrato especial de trabalho, o atleta profissional de futebol também é atingido pela aplicação das normas gerais da legislação trabalhista, uma vez que, além de atleta, também era empregado. Desta forma, é necessário verificar o art. 458 da CLT, que estabelece como salariais as parcelas de alimentação e habitação fornecidas ao empregado.

Há, todavia, a Súmula 367, I, do TST, que dispõe:

Súmula nº 367 do TST

UTILIDADES "IN NATURA". HABITAÇÃO. ENERGIA ELÉTRICA. VEÍCULO. CIGARRO. NÃO INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 24, 131 e 246 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

I - A habitação, a energia elétrica e veículo fornecidos pelo empregador ao empregado, quando indispensáveis para a realização do trabalho, não têm natureza salarial, ainda que, no caso de veículo, seja ele utilizado pelo empregado também em atividades particulares. (ex-Ojs da SBDI-1 nºs 131 - inserida em 20.04.1998 e ratificada pelo Tribunal Pleno em

07.12.2000 - e 246 - inserida em 20.06.2001) - grifei

A posição jurisprudencial consolidada revela que a caracterização de parcelas como salário, como se vê, dependem da caracterização, ou não, da indispensabilidade da parcela para a realização do trabalho. Nestes casos, incide o antigo questionamento: a parcela e o benefício eram fornecidos PARA a consecução do trabalho ou PELA consecução do trabalho? No caso da habitação fornecida aos atletas profissionais de futebol, deve-se averiguar se a habitação fornecida seria indispensável para a realização do serviço, pela ausência de outra hipótese de moradia na localidade sede do clube (casas ou apartamentos disponíveis para aluguel, em valores condizentes com o salário recebido pelo atleta) ou por circunstâncias excepcionais que levassem à conclusão que o fornecimento de habitação seria situação indispensável para a realização do serviço.” (grifei)

Ou seja, no caso em concreto, fica claro que o fornecimento de habitação para a reclamante era indispensável para a realização do serviço. Se não houvesse a habitação fornecida pelo clube reclamado, a autora não poderia, conforme confessado, vir trabalhar no reclamado em Brasília, haja vista os valores percebidos a título de salário que não permitiam outros gastos da obreira. Nestas condições, a moradia ganha feição instrumental, ou seja, trata-se de instrumento PARA o trabalho, incidindo a hipótese da Súmula 367, I, do TST. Desta forma, afasto a feição salarial da moradia fornecida pela parte reclamada. Julgo, pois, improcedentes os pedidos de inserção do valor da moradia no salário, bem como seus consectários reflexos pretendidos.

Da mesma maneira entendo em relação à alimentação fornecida. Neste particular, trago, novamente, trecho de nossa obra Transferências e Registros de Atletas Profissionais de Futebol – Responsabilidades e Direitos, 2a Edição, Ltr, que uso como razões de decidir:

No caso, entende-se que a alimentação fornecida nos refeitórios ou nas viagens a trabalho dos clubes detêm a clara feição de prover um meio necessário para a boa prestação de serviços dos jogadores, haja vista que, indiscutivelmente, o labor de atleta profissional de futebol demanda uma boa condição física do jogador, o que implica em alimentação regular, regrada e sadia. A utilidade aqui fornecida é um instrumento indispensável para a boa prestação laboral do atleta e não uma benesse fornecida somente para retribuir o trabalho prestado. A alimentação regular fornecida em refeitório dos clubes, ou em viagens para jogos, é um instrumento de trabalho para o atleta profissional, uma vez que o jogador precisa de uma alimentação balanceada e equilibrada para desempenhar bem a sua profissão. Nos clubes de elite do futebol brasileiro, é normal a existência de um profissional de nutrição para a garantia que a alimentação fornecida seja controlada, balanceada e direcionada a favorecer a melhor performance física e técnica dos atletas dentro do campo de jogo, sempre mirando o objetivo de se alcançarem melhores resultados para a equipe. É de sabença notória e pública que uma alimentação regular e sadia implica em evitar lesões e doenças, o quê, ao fim e ao cabo, implicará em um ganho desportivo em prol do trabalho desenvolvido. O intuito final da prestação desportiva do atleta é, sempre, o bom desempenho dentro do campo de jogo. Assim, respeitadas as opiniões em contrário, a alimentação fornecida aos atletas revela-se, a rigor, em um instrumento para o trabalho e para a melhor performance do atleta e não um acréscimo salarial pelo trabalho prestado. Não havendo caráter salarial da parcela, não há a integração da mesma ao salário.” (grifei)

Julgo, pois, improcedente também a pretensão de inclusão da alimentação fornecida à atleta como salário, bem como seus consectários reflexos.

DANO MORAL

A parte reclamante alega que sofreu danos morais pelo não recebimento tempestivo das verbas rescisórias e pelo fato de não ter recebido tratamento adequado pela sua lesão física/acidente do trabalho.

Configura-se o dano moral quando há tensa aos atributos da personalidade do indivíduo, tais como honra, intimidade, vida privada e imagem, quer a subjetiva, quer aquela projetada na sociedade, no ambiente familiar ou no profissional.

No que tange à celeuma rescisória descrita (atrasos e não recebimentos) é situação que ocorre no dia a dia das pessoas, não configurando um fato excepcional a gerar indenização por dano moral, nem constituindo abalo grave aos direitos da personalidade do indivíduo, estes sim capazes de gerar indenização. A situação é corriqueira, apesar de indesejável, no mundo contemporâneo capitalista.

JOSE CAIRO JUNIOR afirma que "(...)é necessário, pois, fixar limites, sob pena

de admitir que toda violação de direitos ou interesses, de natureza contratual ou não, teria cunho de ofensa moral (...) Por isso, o inadimplemento contratual deve vir acompanhado de uma ação ou omissão, que caracterizaria o plus ofensivo, necessário para a constatação de uma ofensa moral indenizável." (Curso de Direito do Trabalho. Editora JusPodivm 11ª ed., p. 953)

Dissabores do dia a dia das pessoas não geram dano moral indenizável, sob

pena de se banalizar o instituto e lançar uma “cortina de fumaça” sobre as situações em que há, de fato, verdadeiro abalo aos direitos da personalidade.

Eventual falta da parte reclamada já foi corrigida por esta decisão.

Não se pode, via de regra, cogitar indenização, por danos morais, nesse

contexto, sobretudo quando inexiste nos autos comprovação de constrangimento perante terceiros, eventualmente vivenciada pela parte reclamante.

Neste sentido, o TRT da 3a Região e o TRT da 10a Região:

EMENTA: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS. NÃO CONFIGURADO. Malgrado constitua procedimento reprovável o não cumprimento de obrigações trabalhistas, tal como o não pagamento pelas horas extras trabalhadas, esta conduta faltosa não se afigura dotada de gravidade suficiente para dar ensejo à indenização por dano moral, que se configura quando há ofensa direta aos direitos da personalidade, seja no tocante à integridade física, moral ou intelectual. Mero dissabor, aborrecimento, desconforto emocional ou mágoa, ou mesmo o simples melindre de um espírito mais sensível não gera agravo moral indenizável, sob pena de banalização do instituto. (TRT da 3.ª Região; Processo: 00838-2013-153-03-00-3 RO;

Data de Publicação: 09/06/2014; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Convocada

Rosemary de O.Pires; Revisor: Fernando Antonio Viegas Peixoto; Divulgação: 06/06 /2014. DEJT/TRT3/Cad.Jud. Página 360)

DANO MORAL. ATRASO NO PAGAMENTO DAS VERBAS RESCISÓRIAS. O dano moral apto a ensejar indenização deve causar constrangimento e sofrimento à vítima, além de repercutir perante terceiros, pois a irradiação dos fatos danosos é que denigre a imagem da pessoa em seu convívio social. Para tal prova, é mister que tenha havido alguma repercussão do fato capaz de expor o trabalhador a constrangimentos perante seus semelhantes, de tal modo que o sofrimento causado tenha reflexos conhecidos e sabidos por seus pares. In casu, o autor não logrou êxito em comprovar a ocorrência de dano moral perpetrado por atitudes de seu empregador. Recurso ordinário conhecido e desprovido.  (Processo nº 01399-2013-014-10-00-7 RO, Acordão 3ª

Turma, Rel. Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro, 07/11/2014 no DEJT/DF)

NÚMERO CNJ: 0001282-40.2017.5.10.0013

REDATOR: GILBERTO AUGUSTO LEITAO MARTINS

DATA DE JULGAMENTO: 12/09/2018

DATA DE PUBLICAÇÃO: 20/09/2018

EMENTA: 1. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA. ATRASO NO PAGAMENTO DE VERBAS TRABALHISTAS. REPARAÇÃO INDEVIDA. A condenação em dano moral demanda a demonstração de três elementos caracterizadores da responsabilidade civil: existência de ato ilícito, do dano e do nexo de causalidade entre este e aquele. A conduta narrada não implica grave violação à honra ou imagem da reclamante. Ademais, os direitos e créditos trabalhistas inadimplidos são ressarcidos pela via própria, prevista em lei, e o ressarcimento compreende não apenas a correção monetária dos valores não pagos mas também multas e juros.

2. Recurso ordinário conhecido e desprovido.

Nesse sentido, nada a deferir à parte reclamante.

Outra é a situação, entretanto, em relação à ausência da parte reclamada no auxílio à reclamante no tratamento de sua lesão.

Como visto, em capítulo pregresso ao qual me remeto, a parte reclamante sofreu acidente de trabalho típico, consistente em uma lesão no joelho. A parte reclamada não afastou a obreira pelo INSS, uma vez que, por sua culpa, não registrou um contrato de trabalho desportivo claro e não fez os recolhimentos previdenciários devidos. Em que pese o contrato dever ter sido suspenso, isto não ocorreu. Houve a terminação do mesmo em 31/12/18. Sem o devido registro e recolhimentos previdenciários, o que se deu pela negligência da parte reclamada, a autora, sem rendimentos, ficou à mercê de sua própria sorte. Teve que retornar ao estado de São Paulo, onde tem residência, e se submeter a cirurgia e tratamentos em rede pública, sem qualquer recebimento de qualquer tipo de renda no período, ficando, ainda, sem poder praticar sua profissão desportiva. A reclamada nada fez para auxiliar a obreira, o que foi confessado pelo desconhecimento do preposto (art. 385, §1o do CPC) e até por confissão real:

Depoimento pessoal do preposto do(s) reclamado(s)(s): "que a reclamante teve uma contusão enquanto atuava pelo reclamado, sendo que o depoente, se não se engana, acha que a contusão foi no joelho; que depois da contusão da reclamante, a mesma não atuou mais pelo clube até o fim do seu contrato, em decorrência da contusão; que o clube oferece para as atletas que não têm residência fixa no DF, alojamento e refeições, o que foi feito com a reclamante; que o clube não tinha departamento médico, sendo que o depoente não sabe responder se houve fornecimento de plano de saúde para a reclamante; que pelo que sabe o reclamado não contratou seguro de vida e acidentes pessoais para a reclamante; que não sabe responder se houve algum contato ou atitude do clube após a operação da reclamante em relação à sua contusão; que não sabe dizer se a reclamante foi chamada para a prorrogação do seu contrato após a recuperação; que não tem conhecimento se o clube ressarciu ou pagou algo à reclamante após a operação; Nada mais." (grifei)

Fica comprovado que a parte reclamada, pela confissão do preposto, que a reclamada em nada auxiliou a obreira após 31/12/18, mesmo sabendo que sua incapacidade temporária para o exercício da profissão de atleta tinha sido em decorrência de acidente de trabalho típico. A parte reclamada, inclusive, não contratou seguro de vida e acidentes pessoais para a jogadora, ônus que lhe competia, nos termos do art. 45 da Lei Pelé. Não forneceu plano de saúde e também não ofereceu atendimento médico, mesmo quando o contrato estava ativo, pois a parte ré não tem departamento médico.

Some-se a isto que, além das culpas constatadas acima, destaca-se que a atividade de jogadora de futebol é uma atividade de risco, haja vista a grande ocorrência de lesões e contusões, o que atrai, da mesma forma, a responsabilidade objetiva da parte ré, nos termos do artigo 927, parágrafo único, do CC. Neste sentido, o TST:

"RECURSO DE REVISTA. ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. ACIDENTE DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL . 1. O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, não obstante reconhecer que o acidente ocorreu enquanto o autor desenvolvia sua atividade profissional em benefício do clube réu, bem como que, em virtude do infortúnio, o atleta não teve condições de voltar a jogar futebol profissionalmente, concluiu que a entidade desportiva não teve culpa no acidente de trabalho, além de haver adotado todas as medidas possíveis para tentar devolver ao autor a capacidade para o desenvolvimento de suas atividades como atleta profissional, não sendo possível a sua recuperação porque a medicina ainda não tinha evoluído ao ponto de permitir a cura total. Razões pelas quais a Corte a quo rejeitou o pedido de indenização por dano material e dano moral. 2. Ocorre, todavia, que, conforme o disposto nos arts. 34, III , e 45 , da Lei nº 9.615/98, são deveres da entidade de prática desportiva empregadora, em especial, submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos necessários à prática desportiva, e contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos. 3. Em tal contexto, incide, à espécie, a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, segundo o qual, haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 4. Dessa orientação dissentiu o acórdão recorrido. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido" (RR-39360047.2007.5.12.0050, 1ª Turma, Relator Ministro Walmir Oliveira da Costa, DEJT 07/03/2014). -

grifei

Nos termos dos artigos 186 e 927 do CC, surge o dever de indenizar quando, por ação ou omissão voluntária, dolosa ou culposa, comete-se ato ilícito, violando direito e causando dano, material ou moral, a outrem. Não é difícil imaginar a sensação de angústia e dor íntima da parte reclamante ao ter sua imagem e honra, na feição objetiva (perante a sociedade) e subjetiva (internamente), atingidas pelo fato de ter sido deixada à própria sorte, sem renda de qualquer natureza ou mesmo auxílio do reclamado, sendo que a origem de tal situação de penúria ocorreu pela ausência de registros e recolhimentos previdenciários por parte do réu, além do fato da reclamante ter se lesionado enquanto trabalhava para o réu, sem ter tido qualquer contratação de seguros obrigatórios em lei e sem a prestação de atendimentos médicos, obrigações que tinha a parte ré (arts. 34, II e III e 45 da Lei Pelé). Tudo isto causou dificuldades extremas à reclamante, impedindo-a, inclusive de praticar sua profissão desportiva no período de recuperação e ter acesso a benefícios previdenciários que seriam de seu direito, caso os registros devidos tivessem sido feitos a tempo e modo. A existência do dano moral no caso presente é percebido in re ipsa, ou seja, por simples presunção do que ordinariamente ocorreria ao homem médio na mesma situação.

Presentes os requisitos para indenização, quais sejam, culpa da parte reclamada e de seus representantes, pelas obrigações não cumpridas e constrangimentos criados, o nexo causal e dano íntimo à parte reclamante, a autora faz jus a indenização. Assim, considerada a gravidade dos atos praticados pela parte reclamada, o nexo causal e o tamanho do dano moral (art. 927 do CC) experimentado pela parte reclamante, bem como a capacidade econômica das partes, o tempo de exposição, o não enriquecimento sem causa, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, defiro indenização por dano moral que ora arbitro em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor que considero dentro dos parâmetros reparatórios do agravo sofrido, nos termos dos artigos 5º, V e X da CRFB-88 e 944 do CC.

Destaco que este juízo entende inconstitucional os critérios de fixação de danos do §1o, do art. 223-G, da CLT, pois aqueles parâmetros se chocam com os artigos constitucionais citados, na medida em que não é possível mensurar a dor por critérios valorativos calcados no salário médio da vítima. O §1o, do art. 223-G da CLT, portanto, é declarado inconstitucional, em controle difuso de constitucionalidade, por afronta à isonomia constitucional, uma vez que o art. 5o, V e X, da CRFB-88, garante indenização por dano moral “proporcional ao agravo” sofrido, sendo que a dor moral não podem ser mensurada pelo salário do ofendido e sim pela extensão dos eventuais danos. A nova interpretação do legislador ordinário, com a devida vênia, poderia levar, teratologicamente, a pensar, por exemplo, que a dor moral de um auxiliar de limpeza (que recebe R$1.500,00 mensais) que perde o braço em um acidente de trabalho é menor do que a dor moral de um chefe de seção (que recebe R$6.000,00 mensais) que também perde o braço em um mesmo acidente de trabalho, pelo simples fato daquele primeiro trabalhador ganhar menos do que o último. O parágrafo legal e seus incisos (§1o, e incisos, do art. 223-G da CLT) é, portanto, inconstitucional, uma vez que afronta a isonomia, pois atrela as indenizações às faixas salariais e não à extensão dos danos (agravos sofridos) em si, sendo este o critério constitucional estabelecido e que foi afrontado pelo legislador ordinário.

INDENIZAÇÃO DO VALOR DAS DESPESAS COM TRATAMENTO

A parte reclamante alega que teve despesas com o tratamento para a recuperação da lesão. Ocorre que, no particular, verifico que todos os documentos médicos juntados aos autos dão conta de tratamentos da obreira em instituições públicas, em que as despesas, como é público e notório, correm por conta do Estado e dos contribuintes. É o que se constata, exemplificativamente, do documento de fl. 51 dos autos. Ou seja, não houve, portanto, gastos da obreira na cirurgia e na recuperação da mesma, eis que os procedimentos médicos e fisioterápicos, segundo os documentos juntados pela própria autora, se deram na rede pública de atendimento. A reclamante não comprovou, documentalmente, ou por outra forma, que tenha recebido tratamento em instituição particular, com recibos ou notas fiscais que comprovassem gastos pessoais da obreira, ônus que lhe competia, nos termos do art. 818, I, da CLT. Destacase que houve a recuperação completa da autora em setembro de 2019, conforme comprova o documento de fl. 52 dos autos. A ação foi ajuizada em março de 2020, razão pela qual a reclamante já poderia ter juntado eventual documentação comprobatória de gastos com a recuperação. Não o fez, estando preclusa a oportunidade, nos termos do art. 787 da CLT.

Nesta situação, não há comprovação de dano, no particular. Ausente o dano, nos termos do art. 927 do CC, a parte reclamante não faz jus à indenização neste capítulo, pois, para a configuração de possibilidade de indenização civil, há a necessidade de comprovação dos três elementos legais de modo concomitante, quais sejam: culpa, nexo causal e dano.

Improcedentes os pedidos deste capítulo.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Não vislumbro má-fé de nenhuma das partes, que somente exerceram seus direitos constitucionais de ação e de defesa, dentro dos limites da razoabilidade (art. 5o, XXXV, LIV e LV da CRFB-88). A verdade dos autos é formal, eis que trabalha sobre fatos reconstituídos, só cabendo a aplicação de multa de litigância de má-fé em claro abuso dos direitos mencionados e clara incidência das hipóteses legais para a multa, o que não é o caso dos autos.

HONORÁRIOS DE ADVOGADO

A ação foi ajuizada na vigência da lei 13467-17. Houve sucumbência recíproca, atraindo o arbitramento, nos termos do art. 791-A, §3º, da CLT, inclusive de ofício. Assim, considerada a complexidade diminuta da causa e o trabalho dos advogados, defiro, nos termos do art. 791-A da CLT, honorários de sucumbência para os advogados de ambas as partes, à razão de 10% do valor líquido da condenação, no que tange aos pedidos procedentes, em favor dos advogados da parte reclamante; e 10% do valor líquido dos pedidos improcedentes, em favor dos advogados da parte reclamada, tudo conforme se apurar em liquidação. No particular, aplico, por analogia, a Súmula 326 do STJ, para considerar que, em havendo procedência parcial de um determinado pedido individualmente considerado, não haverá sucumbência recíproca. Em suma, só serão devidos honorários aos advogados da parte reclamada quando um pedido for COMPLETAMENTE improcedente. Neste sentido, o E. TRT, na lavra autorizada do Exmo. Juiz Convocado Denílson Bandeira Coelho:

NÚMERO CNJ: 0000996-28.2018.5.10.0013

REDATOR: DENILSON BANDEIRA COELHO

DATA DE JULGAMENTO: 17/07/2019

DATA DE PUBLICAÇÃO: 23/07/2019

EMENTA:

(...) 4. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS.  AÇÃO AJUIZADA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. RECIPROCIDADE. INAPLICABILIDADE SOBRE PARCELA DEFERIDA AINDA QUE NÃO NA AMPLITUDE PEDIDA

Fica vedada a compensação de honorários, nos termos do §3º, do art. 791-A da CLT. Não cabe outra espécie de honorários no caso, haja vista o regramento específico. Não há honorários sobre os pedidos e causas de pedir extintos sem julgamento do mérito, por ausência de sucumbência material. Destaco que os valores devidos aos advogados da parte reclamada deverão ser transferidos dos valores líquidos devidos à parte reclamante, na condenação, nos termos da lei (791-A, §4º, da CLT). Neste sentido, o TST:

"HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA - CLT, ART. 791-A, § 4º - DECISÃO REGIONAL LIMITADORA A CRÉDITOS DE NATUREZA NÃO ALIMENTÍCIA TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA - VIOLAÇÃO À LITERALIDADE DO PRECEITO -

PROVIMENTO. 1. Uma das alterações mais simples e impactantes que a reforma trabalhista de 2017 introduziu no Processo do Trabalho foi a imposição do pagamento de honorários advocatícios também por parte do trabalhador reclamante (CLT, art. 791-A). 2. A inovação seguiu na linha evolutiva do reconhecimento amplo do direito à percepção de honorários sucumbenciais por parte dos advogados, tanto à luz do novo CPC quanto das alterações da Súmula 291 do TST, reduzindo as restrições contidas na Lei 5.584/70, que os limitavam aos casos de assistência judiciária por parte do sindicato na Justiça do Trabalho. 3. Por outro lado, um dos objetivos da mudança, que implicou queda substancial das demandas trabalhistas, foi coibir as denominadas "aventuras judiciais", nas quais o trabalhador pleiteava muito mais do que efetivamente teria direito, sem nenhuma responsabilização, em caso de improcedência, pelo ônus da contratação de advogado trazido ao empregador. Nesse sentido, a reforma trabalhista, em face da inovação, tornou o Processo do Trabalho ainda mais responsável. 4. No caso do beneficiário da Justiça Gratuita, o legislador teve a cautela de condicionar o pagamento dos honorários à existência de créditos judiciais a serem percebidos pelo trabalhador, em condição suspensiva até 2 anos do trânsito em julgado da ação em que foi condenado na verba honorária (CLT, art. 791-A, § 4º). 5. Na hipótese dos autos, o 21º Regional entendeu por ampliar essa cautela, ao ponto de praticamente inviabilizar a percepção de honorários advocatícios por parte do empregador vencedor, condicionando-a à existência de créditos de natureza não alimentícia. Como os créditos trabalhistas ostentam essa condição, só se o empregado tivesse créditos a receber de ações não trabalhistas é que poderia o empregador vir a receber pelo que gastou. 6. Portanto, a exegese regional ao § 4º do art. 791A da CLT afronta a sua literalidade e esvazia seu comando, merecendo reforma a decisão, para reconhecer o direito à verba honorária, mesmo com a condição suspensiva, mas não limitada aos créditos de natureza não alimentícia. Recurso de revista provido" (RR-780-

77.2017.5.21.0019, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, DEJT 27/09/2019).

[...] II) RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO – RITO SUMARÍSSIMO - CONDENAÇÃO DA BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS – COMPENSAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA COM OS

CRÉDITOS OBTIDOS EM JUÍZO, AINDA QUE EM OUTRO PROCESSO - COMPATIBILIDADE DO ART. 791-A, § 4º, DA CLT COM O ART. 5º, CAPUT, XXXV, LIV e LV, DA CF TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. 1. Nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT, constitui transcendência jurídica da causa a existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista. 2. In casu, o debate jurídico que emerge do presente processo diz respeito à possibilidade de se compensar os honorários advocatícios sucumbenciais, arbitrados à Parte beneficiária da justiça gratuita, com os créditos que lhe foram deferidos na presente ação, consoante previsto no § 4º do art. 791-A da CLT, introduzido pela Lei 13.467/17, questão nova e que oferece reflexos de natureza jurídica. 3. Conforme se extrai do acórdão recorrido, o Regional, considerando a decisão plenária do TRT de declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da expressão ‘desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa’, constante do § 4º do art. 791-A da CLT, determinou que os honorários advocatícios devidos pela Reclamante, que litiga sob o pálio da justiça gratuita, arbitrados em R$ 432,00 pelo Juízo de origem, permanecessem em condição suspensiva de exigibilidade, nos termos do citado art. 791-A, § 4º, da CLT, sem nenhuma compensação com seus créditos. 4. Como é cediço, a Reforma Trabalhista, promovida pela Lei 13.467/17, ensejou diversas alterações no campo do Direito Processual do Trabalho, a fim de tornar o processo laboral mais racional, simplificado, célere e, principalmente, responsável, sendo essa última característica marcante, visando coibir as denominadas ‘aventuras judiciais’, calcadas na facilidade de se acionar a Justiça, sem nenhum ônus ou responsabilização por postulações carentes de embasamento fático. 5. Não se pode perder de vista o crescente volume de processos ajuizados nesta Justiça Especializada, muitos com extenso rol de pedidos, apesar dos esforços empreendidos pelo TST para redução de estoque e do tempo de tramitação dos processos. 6. Nesse contexto foram inseridos os §§ 3º e 4º no art. 791-A da CLT pela Lei 13.467/17, responsabilizando-se a parte sucumbente, seja a autora ou a demandada, pelo pagamento dos honorários advocatícios, ainda que beneficiária da justiça gratuita, o que reflete a intenção do legislador de desestimular lides temerárias, conferindo tratamento isonômico aos litigantes. Tanto é que o § 5º do art. 791-A da CLT expressamente dispôs acerca do pagamento da verba honorária na reconvenção. Isso porque, apenas se tiver créditos judiciais a receber é que terá de arcar com os honorários se fizer jus à gratuidade da justiça, pois nesse caso já não poderá escudar-se em pretensa insuficiência econômica. 7. Percebe-se, portanto, que o art. 791-A, § 4º, da CLT não colide com o art. 5º, caput, XXXV, LIV e LV, da CF, ao revés, busca preservar a jurisdição em sua essência, como instrumento responsável e consciente de tutela de direitos elementares do ser humano trabalhador, indispensáveis à sua sobrevivência e à da família. 8. Ainda, convém ressaltar não ser verdadeira a assertiva de que a imposição de pagamento de honorários de advogado àquele que se declara pobre na forma da lei implica desvio de finalidade da norma, onerando os que necessitam de proteção legal, máxime porque no próprio § 4º do art. 791-A da CLT se visualiza a preocupação do legislador com o estado de hipossuficiência financeira da parte vencida, ao exigir o pagamento da verba honorária apenas no caso de existência de crédito em juízo, em favor do beneficiário da justiça gratuita, neste ou em outro processo, capaz de suportar a despesa que lhe está sendo imputada, situação, prima facie, apta a modificar a sua capacidade financeira, até então de miserabilidade, que justificava a concessão de gratuidade, prestigiando, de um lado, o processo responsável, e desestimulando, de outro, a litigância descompromissada. 9. Por todo o exposto, merece reforma o acórdão regional, a fim de estabelecer que os honorários advocatícios decorrentes da sucumbência da Autora, beneficiária da justiça gratuita, primeiramente sejam compensados dos créditos obtidos em juízo, ainda que em outro processo, e, tão somente na hipótese dos ganhos serem insuficientes ou inexistentes, incida a condição suspensiva de exigibilidade prevista no art. 791-A, § 4º, da CLT. Recurso de revista provido.” (TST-RR20556-23.2018.5.04.0271, 4ª Turma, rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, julgado em 6/5/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO -RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DAS LEIS N. 13.015/2014, 13.105/2015 E 13.467/2017 -HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS -AÇÃO AJUIZADA APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017 CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 791-A, § 4º, DA CLT . 1. A Reforma Trabalhista, implementada pela Lei nº 13.467/2017, sugere uma alteração de paradigma no direito material e processual do trabalho. No âmbito do processo do trabalho, a imposição pelo legislador de honorários sucumbenciais ao reclamante reflete a intenção de desestimular lides temerárias. É uma opção política. 2. Por certo, sua imposição a beneficiários da Justiça gratuita requer ponderação quanto à possibilidade de ser ou não tendente a suprimir o direito fundamental de acesso ao Judiciário daquele que demonstrou ser pobre na forma da Lei. 3. Não obstante, a redação dada ao art. 791, § 4º, da CLT, demonstrou essa preocupação por parte do legislador, uma vez que só será exigido do beneficiário da Justiça gratuita o pagamento de honorários advocatícios se ele obtiver créditos suficientes, neste ou em outro processo, para retirá-lo da condição de miserabilidade.Caso contrário, penderá,por dois anos, condição suspensiva de exigibilidade. A constatação da superação do estado de miserabilidade, por óbvio, é casuística e individualizada. 4. Assim, os condicionamentos impostos restauram a situação de isonomia do atual beneficiário da Justiça gratuita quanto aos demais postulantes . Destaque-se que o acesso ao Judiciário é amplo, mas não incondicionado . Nesse contexto, a ação contramajoritária do Judiciário, para a declaração de inconstitucionalidade de norma, não pode ser exercida no caso, em que não se demonstra violação do princípio constitucional de acesso à Justiça . Agravo de instrumento conhecido e desprovido" (AIRR-2054-06.2017.5.11.0003, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira ,

3ª Turma, DEJT de 30/05/19. (Grifo nosso) Inteiro teor: (http://aplicacao5.tst.jus.br /consultaunificada2/inteiroTeor.do?

action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=AIRR%20-%20205406.2017.5.11.0003&base=acordao&rowid=AAANGhABIAAAV6EAAH&dataPublicacao=31/05 /2019&localPublicacao=DEJT&query=)

Destaco, também, que eventual posição do E. TRT a respeito da matéria não é vinculante ao juízo, pois a única declaração de inconstitucionalidade de lei que vincula as outras instâncias da justiça é aquela exarada pelo Plenário do STF, em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Ademais, lembro que, nos termos do art. 8o, §2o, da CLT, os tribunais não podem editar enunciados de jurisprudência que restrinjam direitos legalmente previstos, sendo que não houve declaração de inconstitucionalidade sobre aquele artigo da CLT, incidindo a vedação do art. 97 da CRFB-88. Finalmente, pontuo, com a devida e máxima vênia, que não é possível a declaração de inconstitucionalidade para somente “suprimir” uma “expressão” do §4o, do art. 791-A, da CLT, uma vez que a norma detém caráter unívoco, que não admite outras interpretações. Neste sentido, o STF, na lavra autorizada do Exmo. Ministro Moreira Alves:

Impossibilidade, na espécie, de se dar interpretação conforme à Constituição, pois essa técnica só é utilizável quando a norma impugnada admite, dentre as várias interpretações possíveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o sentido da norma é unívoco, como sucede no caso presente. Quando, pela redação do texto no qual se inclui a parte da norma que é atacada como inconstitucional, não é possível suprimir dele qualquer expressão para alcançar essa parte, impõe-se a utilização da técnica de concessão da liminar `para a suspensão da eficácia parcial do texto impugnado sem a redução de sua expressão literal', técnica essa que se inspira na razão de ser da declaração de inconstitucionalidade `sem redução do texto' em decorrência de este permitir `interpretação conforme à Constituição"." (ADI 1.344-MC, rel. min. Moreira Alves, julgamento em 18-121995, DJ de 19-4-1996.)”

Neste particular, cabe dizer que o Poder Judiciário não se presta ao papel de legislador positivo, função anômala ao seu mister. Não se pode, a partir da supressão seletiva de expressões do texto legal, criar-se uma outra regra legal que vai contra ao intuito material do legislador. Neste sentido, o STF, na lavra autorizada do Exmo. Ministro Celso de Mello:

SUSPENSÃO SELETIVA DE EXPRESSÕES CONSTANTES DA NORMA LEGAL CONSEQÜENTE ALTERAÇÃO DO SENTIDO DA LEI - IMPOSSIBILIDADE DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AGIR COMO LEGISLADOR POSITIVO (...)O STF como legislador negativo: A ação direta de inconstitucionalidade não pode ser utilizada como o objeto de transformar o Supremo Tribunal Federal, indevidamente, em legislador positivo, eis que o poder de inovar o sistema normativo, em caráter inaugural, constitui função típica da instituição parlamentar. Não se releva lícito pretender, em sede Federal, a partir da supressão seletiva de fragmentos do discurso normativo inscrito no ato estatal impugnado, proceda a virtual criação de outra regra legal, substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu próprio legislador. (…) Ação direta de inconstitucionalidade e impossibilidade jurídica do pedido: não se declara a inconstitucionalidade parcial quando haja inversão clara do sentido da lei, dando que não é permitido ao Poder Judiciário agir como legislador positivo “. (Ação direta de inconstitucionalidade nº 1.063-8 – Medida liminar – Relator: Ministro Celso de Mello. DJU 27.04.2001, SEÇÃO 1, p. 57) - grifei.

Por não se tratarem de parcela trabalhista típica, o termo inicial dos juros aplicáveis aos honorários deferidos será o trânsito em julgado da decisão, nos termos do art. 397 do CC.

Atribuo, para o fim de honorários, o valor de R$15.000,00 para os pedidos não liquidados que foram julgados totalmente improcedentes.

JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA

A análise de juros e correção fica remetida à eventual fase de execução, nos termos autorizativos da Súmula 211 do TST.

DEDUÇÃO/COMPENSAÇÃO

Não há, eis que as parcelas da condenação não foram pagas.

Dispositivo

POR TODO O EXPOSTO, nos autos da Ação Trabalhista em epígrafe, rejeito as impugnações; retifico, de ofício, o valor da causa; de ofício (art. 485, §3o, do CPC), extingo, sem julgamento do mérito, os pedidos de alíneas “n” e “p” do rol de pedidos (fl. 39), por falta de interesse processual, nos termos do art. 485, VI, do CPC; defiro a justiça gratuita à autora; reconheço o vínculo de emprego desportivo conforme fundamentação; E, no mérito, nos termos da fundamentação, que integra este dispositivo, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, para que a parte reclamada pague à parte reclamante, as seguintes parcelas, após o trânsito em julgado, nos limites dos pedidos, observadas as bases de cálculo da fundamentação:

  • 10/12 de trezenos proporcionais referentes ao ano de 2018, nos termos do art. 1o, §2o, da lei4.090/62;
  • 10/12 de férias proporcionais+1/3 referentes ao ano de 2018, nos termos do art. 146, parágrafoúnico, da CLT;
  • FGTS referente ao período de 01/03/18 a 31/12/18, à razão de 8% de R$1.500,00 ao mês, mêsa mês, no período da condenação;
  • indenização por danos morais de R$5.000,00;
  • multa do art. 477, §8o da CLT: R$1.500,00;
  • indenização substitutiva de salários mensais de R$1.500,00, mês a mês, no período de 01/01 /19 até 13/09/20 (fim do período estabilitário); indenização de férias+1/3 do período 01/01/19 até 13/09/20 (fim do período estabilitário), o que representa 12/12 de 2019 e 08/12 de 2020, observada a base de cálculo de R$1.500,00 mensais e o disposto no parágrafo único do art. 146 da CLT; indenização de FGTS, à razão de 8% de R$1.500,00 ao mês, mês a mês, de 01/01/19 até 13/09/20.

Assim, considerada as premissas e conclusões acima, nos termos do art. 39, §2o, da CLT, quando do trânsito em julgado, determino, e em oito dias da intimação para tanto, que a parte reclamada anote a CTPS da parte autora, constando a data de admissão em 01/03/18, e saída em 31/12/18, com salário mensal de R$1.500,00 e função de atleta profissional de futebol, sob pena de multa de R$50,00 por dia de atraso, limitada a R$500,00, nos termos dos arts. 139, IV e 536 do CPC. Ultrapassado o prazo, as anotações serão feitas pela Secretaria da Vara, com ofício à SRTE e ao INSS (art. 631 da CLT), inclusive para eventuais retificações de cadastros. Em vista da suspensão das atividades presenciais neste TRT, o cumprimento da obrigação de anotação de CTPS poderá se dar de duas formas: com a determinação de que a reclamante se encaminhe diretamente à sede da parte reclamada (antigo local de serviço) para as devidas anotações, em período fixado pelo juízo, após o trânsito em julgado, OU, quando do retorno das atividades presenciais neste tribunal (no momento em que os jurisdicionados já tiverem acesso às dependências do TRT), via secretaria, com a parte autora entregando o documento em secretaria, em 05 dias da determinação para tanto, após o trânsito em julgado e o retorno das atividades presenciais. OBSERVE A SECRETARIA.

A ação foi ajuizada na vigência da lei 13467-17. Houve sucumbência recíproca, atraindo o arbitramento, nos termos do art. 791-A, §3º, da CLT, inclusive de ofício. Assim, considerada a complexidade diminuta da causa, defiro, nos termos do art. 791-A da CLT, honorários de sucumbência para os advogados de ambas as partes, à razão de 10% do valor líquido da condenação, no que tange aos pedidos procedentes, em favor dos advogados da reclamante; e 10% do valor líquido dos pedidos improcedentes, em favor dos advogados da parte reclamada, tudo conforme se apurar em liquidação. No particular, aplico, por analogia, a Súmula 326 do STJ, para considerar que, em havendo procedência parcial de um determinado pedido individualmente considerado (por exemplo, FGTS e os trezenos), não haverá sucumbência recíproca. Em suma, só serão devidos honorários aos advogados da parte reclamada quando um pedido for COMPLETAMENTE improcedente. Fica vedada a compensação de honorários, nos termos do §3º, do art. 791-A da CLT. Não cabe outra espécie de honorários no caso, haja vista o regramento específico. Destaco que os valores devidos aos advogados da parte reclamada deverão ser transferidos dos valores líquidos devidos à parte reclamante, na condenação. Não há honorários sobre os pedidos extintos sem julgamento do mérito. Os juros sobre os honorários, por não serem parcela trabalhista, incidem após o trânsito em julgado, como termo inicial, na esteira do art. 397 do CC.

Liquidação por cálculos, limitada aos valores da inicial, nos termos do art. 840, §1º da CLT. Ou seja, não se poderá extrapolar os valores indicados na inicial liquidada, com exceção de juros, correções, honorários advocatícios ou eventuais multas aplicadas pelo juízo para adimplemento do feito. Eventual extrapolação é considerada renúncia.

Juros e correção serão analisados em eventual fase de execução, nos termos

autorizativos da Súmula 211 do TST.

As contribuições previdenciárias incidirão sobre as seguintes parcelas: 13º

salários do ano de 2018, conforme art. 28 da Lei nº 8.212/91, autorizada a dedução dos valores devidos pela empregada.

Os recolhimentos previdenciários deverão ser efetuados e comprovados na

forma da Lei n° 11.941/09 e dos Provimentos CGJT nºs 01/96 e 02/93 e da Súmula 368 do TST, sob pena de execução direta pela quantia equivalente (artigo 114, inciso VIII, da CR/88).

Autoriza-se, também, a retenção do Imposto de Renda na fonte, sendo que os

descontos fiscais deverão ser recolhidos e comprovados conforme a Lei nº 12.350/10 e Instrução Normativa n. 1500/14, sob pena de expedição de ofício à Receita Federal.

Ressalte-se que os juros de mora não configuram renda e proventos de qualquer

natureza, mas meros componentes indissociáveis do valor total da indenização, motivo pelo qual devem ser excluídos da incidência do imposto de renda, diante de sua natureza indenizatória, conforme previsto no art. 404 do CC 2002 e na OJ 400 da SDI-I do TST.

Também friso que o fato gerador para a contribuição previdenciária, especialmente para efeito de juros, é o pagamento do débito trabalhista, após a liquidação da sentença, na forma do art. 195, I, a, da CRFB-88, sendo que, na visão do juízo, a súmula 368, a IN 1500/14 e o art. 195, I, a, são complementares e não dissidentes.

Expeçam-se ofícios à SRTE, à CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e à Receita Federal, com cópia da decisão, após o trânsito em julgado desta decisão, para a adoção das medidas que aquelas autoridades entenderem cabíveis (art. 631 da CLT e 536 do CPC). Por celeridade processual, a presente sentença já terá força de ofício. OBSERVE A SECRETARIA.

Os recolhimentos serão feitos pela parte reclamada, autorizada a retenção da quota-parte da reclamante, pois entendimento em contrário implicaria em enriquecimento sem causa da parte autora, o que é vedado pelo art. 884 do CC. A controvérsia sobre a responsabilidade pelo pagamento das cotas previdenciárias e fiscais deve obedecer à orientação consubstanciada na Súmula nº 368 do TST, não havendo falar em responsabilidade exclusiva do empregador. Ocorre que há determinação legal imposta ao empregador de recolhimento de parcela correspondente ao imposto de renda e à contribuição previdenciária, cabendo ao empregado a obrigação pelo pagamento dos tributos, sem a transferência desse ônus para o reclamado, pois os sujeitos da obrigação tributária são os empregadores e empregados, razão pela qual cada um deles, diante do crédito trabalhista, responderá por sua cota-parte. Ademais, essa é a diretriz da orientação jurisprudencial nº 363 da SDI-1 do Colendo TST. Friso que não é competência desta Especializada a Contribuição Previdenciária de Terceiros. Friso, ainda, que a cota-parte do empregador deverá obedecer ao disposto no art. 22, §6º, da Lei nº 8.212/91 que prevê que a retenção de 5% sobre todas as receitas recebidas pelo Clube substitui a cota-parte do exempregador devida ao INSS em relação a seus prestadores de serviços. Assim, tal particularidade deverá ser observada em liquidação, devendo o reclamado, tão só, comprovar as

 

retenções do art. 22, §6o, da Lei 8.212/91 para se eximir do recolhimento de sua cota-parte no caso concreto, sob pena de ter que arcar com os recolhimentos regulares devidos, caso não comprove o cumprimento de suas obrigações previdenciárias.

Custas pela parte reclamada no valor de R$ 1.000,00, calculadas sobre o valor

ora arbitrado provisoriamente à condenação de R$ 50.000,00.

Advirto as partes sobre a necessidade de não se usar os embargos de

declaração fora das hipóteses legais, sob pena de atrair as cominações do art. 1026 do CPC.

Ante a antecipação da prolação da sentença, intimem-se as partes por meio de seus advogados.

Encerro.

BRASILIA/DF, 18 de novembro de 2020.

MARCOS ULHOA DANI

Juiz do Trabalho Substituto

 

 

Justiça do Trabalho reconhece natureza profissional de contrato de jogadora de futebol - Acidente de trabalho e salário in natura também são temas da decisão

O MM. Juiz do Trabalho Marcos Ulhoa Dani, em atuação na 13ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, apreciou pedidos de ação trabalhista formulados por jogadora de futebol profissional.

Em sua sentença, o Juiz afastou o registro do contrato na carteira de trabalho da jogadora - onde constou que ela seria atleta não profissional -, explicando que ela recebia salário e tinha rotina de treinos e jogos. Explicou também que pela Lei 9.615/98, artigo 94, não existe a figura do atleta autônomo para modalidades coletivas como o futebol.

A sentença reconheceu o acidente de trabalho da jogadora profissional, em razão de lesão no joelho contraída durante um treinamento. Consequentemente, lhe assegurou o direito à garantia provisória de emprego e indenização correspondente.

A decisão ainda trata da natureza do alojamento fornecido à atleta, haja vista o pedido de reconhecimento do salário in natura. Quanto a esse pedido, o indeferiu, por reconhecer que a moradia foi ajustada como essencial para o deslocamento da trabalhadora para Brasília. Mesmo entendimento foi adotado em relação à alimentação.

A sentença trata ainda de outros temas.

O MM. Juiz Marcos Ulhoa Dani é especialista no tema do direito desportivo, tendo obras publicadas nessa área.

A íntegra da sentença segue abaixo. Vale a leitura!  

 

 

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO

13ª Vara do Trabalho de Brasília - DF

ATOrd 0000328-86.2020.5.10.0013

RECLAMANTE: BRUNA ANGELICA DA SILVA SANTOS

RECLAMADO: CLUBE REC ESP DOS SUBTENENTES E SARGENTOS DA PMDF

Relatório

SENTENÇA

Ao dia 18/11/20, na 13ª Vara do Trabalho de Brasília, de ordem do Exmo. Sr. Juiz do Trabalho, MARCOS ULHOA DANI, que ao final assina, tem-se sentença relativa aos autos nº 0000328-

86.2020.5.10.0013, entre as partes:

RELATÓRIO

BRUNA ANGELICA DA SILVA SANTOS ajuíza ação em face de CRESSPOM: Clube Recreativo e Esportivo de Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar do Distrito Federal pelas razões que aduz em inicial. Alega que manteve contrato especial de trabalho desportivo com a parte reclamada, que não teria sido reconhecido formalmente pelo clube reclamado. Argumenta que não recebeu uma série de direitos trabalhistas e fundiários. Aduz que sofreu acidente de trabalho típico a serviço da parte reclamada, fazendo jus a indenização. Diz que ficou sem nenhum auxílio da empregadora, quando de sua contusão. Argumenta pelo reconhecimento de salários “in natura”. Denuncia atrasos, bem como requer multas e indenizações, além de outras causas de pedir que lista na inicial. Junta documentos e dá à causa o valor de R$60.000,00. Apresentou emenda, após intimação do juízo. Em virtude da Pandemia, houve a adoção do rito do art. 335 do CPC. Apresentada defesa e documentos. Apresentada réplica.

Em virtude da Pandemia da COVID-19, foi aberto prazo para que as partes

dizerem se ainda tinham interesse na prova oral; ambas as partes manifestaram interesse e capacidade de fazer a audiência de forma telepresencial, o que foi feito. Na referida audiência, partes e advogados presentes, foram ouvidos os litigantes e uma testemunha.

Sem mais provas, fiz os autos conclusos para decisão.

Conciliação frustrada.

É o relatório.

Fundamentação

PRELIMINARES

IMPUGNAÇÕES

As impugnações são genéricas ou dizem respeito ao mérito da demanda, que será analisado no momento adequado. O valor da causa é condizente com o potencial econômico da demanda, sendo que a procedência ou não dos pedidos é matéria afeta ao mérito, devendo ser lá analisada. Os documentos juntados terão o valor que lhe atribuir o juízo, a seu sentir. Rejeito.

VALOR DA CAUSA

A parte reclamante requereu que fosse dado à causa o valor de R$60.000,00. Todavia, verifico, na fl. 39, que somente com os pedidos de alíneas “f”, “g” e “l” do rol de pedidos já superam, em muito, o valor sugerido.

Modifico, desta forma, de ofício, o valor da causa, eis que o valor da ação não corresponde ao potencial econômico da demanda, que já pode ser aferido pela quantificação dos pedidos pretendidos.

Com efeito, diz o art. 292 e parágrafos do CPC:

Art. 292.  O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será:

(...)

V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido;

(...)

  • 3oO juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes.“

Desta forma, modifico, de ofício, o valor da causa para R$120.000,00 (valor de cento e vinte mil reais).

PERDA PARCIAL DE OBJETO

A parte reclamante requereu, nas alíneas “n” e “p” do rol de pedidos, a condenação da parte reclamada em custas de deslocamento, passagens e hospedagem da autora a Brasília, para participar das audiências do processo. Ocorre que, conforme se vê dos autos, em razão da Pandemia da COVID-19, foi adotado o rito do art. 335 do CPC, não tendo havido audiências presenciais no foro trabalhista de Brasília. Só houve uma audiência no feito, de instrução, realizada de modo telepresencial, não havendo, por consequência, gastos de deslocamento, hospedagem ou passagem da autora. Assim, de ofício (art. 485, §3o, do CPC), extingo, sem julgamento do mérito, os pedidos de alíneas “n” e “p” do rol de pedidos (fl. 39), por falta de interesse processual, nos termos do art. 485, VI, do CPC.

PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA

Incontroverso o fato da reclamante não mais prestar serviços para a parte reclamada, não se sabendo quais são seus atuais rendimentos. Em atividade, é incontroverso que ganhava menos de 40% do teto previdenciário. Assim, defiro a justiça gratuita à autora, nos termos do art. 790, §3o, da CLT.

DO MÉRITO

CONTRATO. SALÁRIO. VERBAS RESCISÓRIAS E FUNDIÁRIAS. ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA. INDENIZAÇÕES. CTPS.

A parte reclamante alega que teve contrato de trabalho de atleta profissional de futebol com a parte reclamada, a partir de 01/03/18 para a temporada daquele ano. Alega que sofreu acidente de trabalho em 24/11/18.

De início, verifico que é incontroverso que a parte reclamante entabulou um contrato com a parte reclamada. Na fl. 43 dos autos, percebe-se que as partes assinaram um contrato de “atleta não profissional”. Não há falar em contrato de atleta “não profissional”. É incontroverso que a reclamante se submetia a uma rotina de treinos e jogos na parte reclamada, recebendo uma remuneração de R$1.500,00 mensais, valor este que representa montante superior a ajudas de custo ou bolsa aprendizagem. Como visto nos autos, na época dos fatos, além dos valores recebidos ultrapassarem os gastos para a prática do desporto, o futebol era a principal fonte de renda da reclamante, o que demonstra, também por este aspecto, o seu viés profissional. Tanto assim o é que é incontroverso nos autos que a reclamante residia em São Paulo, tendo se mudado para a Capital Federal em decorrência da oportunidade profissional que se apresentou no desporto. Ocorre que o contrato de atleta, sob o viés profissional é obrigatório para o futebol de campo. Com efeito, diz o art. 94 da Lei 9.615/98 (Lei Pelé):

Art. 94.  O disposto nºs arts. 27, 27-A, 28, 29, 29-A, 30, 39, 43, 45 e nº § 1º do art. 41 desta Lei será obrigatório exclusivamente para atletas e entidades de prática profissional da modalidade de futebol.”

O art. 28-A, em seu parágrafo terceiro, do mesmo Diploma Legal, também é claro ao dizer que não existe a figura do atleta autônomo nas modalidades coletivas como o é o futebol. O vínculo empregatício é claro, na modalidade profissional, sendo que a reclamante cumpria todos os requisitos do art. 2o e 3o da CLT, eis que é incontroverso que a reclamante se submetia à rotina de jogos e treinos, recebia salário mensal para além dos gastos com a prática do desporto, atuava com pessoalidade e com não eventualidade. Com efeito, já nos manifestamos neste sentido, em nossa obra, Transferências e Registros de Atletas Profissionais de Futebol – Responsabilidades e Direitos, 2a Edição, Ltr:

Não podemos conceber, diante da realidade dos fatos, que, por exemplo, jogadores de futebol, vôlei e basquete, que se submetem a uma rotina de treinos, jogos e viagens, recebendo valores para tanto, e que cumpram os requisitos dos arts. 2o e 3o da CLT, e também os requisitos de idade da Lei Pelé e da CRFB-1988, não sejam considerados profissionais só por não terem formalizado, eventualmente, um contrato de trabalho desportivo escrito. Tais atletas são, a rigor, federados, inscritos e registrados perante ligas ou entidades de organização do desporto, e disputam competições oficiais. A própria Lei Pelé, em seu art. 43, veda a participação em competições desportivas profissionais de atletas não profissionais com idade superior a 20 anos. Há, na prática, um contrato de trabalho desportivo, mesmo na forma tácita ou verbal. (...) A questão do profissionalismo, no que tange especialmente aos atletas profissionais do futebol, ficou muito ligada à existência de um contrato de trabalho desportivo escrito e registrado, pois com tal registro seria possível verificar, com maior clareza, a existência dos valores para estabelecimento, por exemplo, dos montantes para as cláusulas indenizatórias e compensatórias desportivas. Todavia, a ausência de tal formalidade, na esteira do princípio do contrato realidade, não impedirá o eventual reconhecimento judicial de um contrato de atleta profissional, mesmo na ausência de contrato desportivo escrito, desde que se verifiquem os cumprimentos dos requisitos legais de idade, dos arts. 2o e 3o da CLT, além de se constatar, faticamente, que o atleta tem na atividade desportiva a sua principal renda, sendo que os rendimentos auferidos ultrapassam, em muito, a mera ajuda de custo ou os valores de uma bolsa aprendizagem (arts. 3o, I e II, do RNRTAF).” (pgs. 57 e 59/60)

Ou seja, resta claro que houve um vínculo de emprego desportivo trabalhista entre as partes litigantes, ficando o mesmo assim declarado. É cristalino que, até pelo ajuste de fl. 43 e pelos termos da inicial e da defesa, que o contrato de trabalho perdurou de 01/03/18 até 31/12/18, quando houve a chegada ao termo final do contrato.

Todavia, restou provado que, em 24/11/18, a reclamante teve um acidente de trabalho típico, ao lesionar seu joelho em um treinamento na parte reclamada. A parte ré negou, em sua defesa, que o acidente tivesse ocorrido durante o vínculo entabulado entre as partes. Entretanto, tal tese foi afastada pela confissão do preposto e pela testemunha ouvida.

Disse o preposto:

que a reclamante teve uma contusão enquanto atuava pelo reclamado, sendo que o depoente, se não se engana, acha que a contusão foi no joelho; que depois da contusão da reclamante, a mesma não atuou mais pelo clube até o fim do seu contrato, em decorrência da contusão;”

Disse, ainda, a testemunha THAMIRES:

"que começou a atuar no reclamado em março de 2015; que conheceu a reclamante; que a reclamante se contundiu em um treino no reclamado; que a reclamante não voltou a atuar no clube após a contusão;”

Ficou robustamente comprovado que a reclamante se acidentou a serviço no reclamado. Tratase de acidente de trabalho típico, nos termos do art. 19 da lei 8.213/91:

Art. 19.  Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. 

Como visto na confissão do preposto e no depoimento da testemunha THAMIRES, a reclamante, em decorrência da contusão que teve no serviço, não atuou mais para o reclamado. Ou seja, tratou-se de um sinistro ocorrido no labor, pelo exercício do trabalho, que provocou lesão corporal. Tal lesão implicou na redução temporária de atuação da reclamante. Com efeito, disse a própria obreira, em depoimento:

que no dia 24/11/2018, a depoente se lesionou durante o treinamento na reclamada, rompendo o ligamento; que fez a cirurgia para resolver a lesão em março de 2019; que foi liberada para os treinamentos e jogos pelo médico, após a cirurgia;”

O documento médico de fl. 52, datado de 13/09/19, comprova que a reclamante já estava apta para os treinos, eis que lhe foi receitado o complemento “EXTIMA”, que se traduz em colágeno hidrolisado (https://www.apsen.com.br/extima/?

gclid=EAIaIQobChMI7uL0xdOM7QIVUgmRCh3QMQ7OEAAYASAAEgIOV_D_BwE – acesso em 18/11/20), na dosagem de um sachê “após o treino” para auxiliar no fortalecimento muscular. Ora, se já lhe era receitado um sachê do produto “após o treino”, fica claro que, em 13/09/19, a reclamante já estava recuperada e apta para as suas atividades profissionais desportivas, o que se confirmou pela própria confissão obreira.

Concluo, portanto, que a reclamante, após o desligamento da parte reclamada, ainda ficou afastada de sua atividade profissional desportiva por cerca de mais nove meses, tendo se submetido, inclusive, a procedimento cirúrgico em março de 2019, conforme comprovam os documentos médicos juntados aos autos, a exemplo dos de fls. 49 a 51 dos autos. Tal afastamento se deu, exatamente, por sua lesão no joelho, ocorrida durante os trabalhos em prol da reclamada. Nesta situação, caracterizou-se o acidente de trabalho típico. A reclamante, portanto, não poderia ter sido desligada do contrato de emprego, pois, mesmo em um contrato de prazo determinado, a jurisprudência consolidada do TST determina a suspensão do contrato de trabalho e a garantia provisória no emprego desportivo, mesmo porque o vínculo de emprego desportivo pode ter uma duração de até cinco anos, de acordo com o art. 30 da Lei Pelé. Neste sentido, a Súmula 378, II e III, do TST:

Súmula nº 378 do TST

ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº 8.213

/1991. (inserido item III) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

  • - É constitucional o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidadeprovisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado. (ex-OJ nº 105 da SBDI-1 - inserida em 01.10.1997)
  • - São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e aconseqüente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego. (primeira parte - ex-OJ nº 230 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)
  • – O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantiaprovisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no n no art. 118 da Lei nº

8.213/91.

Como não houve qualquer indicativo da parte reclamada em reintegrar a parte reclamante, e já tendo sido exaurido o prazo estabilitário de 12 meses após a restauração de capacidade da trabalhadora (recuperação em 13/09/19), não há outra solução jurídica que não seja a indenização substitutiva à reclamante. No caso em concreto, destaco que o fato da reclamante não ter recebido auxílio-doença acidentário não é impeditivo para a incidência do art. 118 da Lei 8.213/91, que garante a estabilidade, pois a culpa pela ausência de recebimento, pela reclamante, dos benefícios previdenciários se deram por culpa exclusiva da parte reclamada, que não registrou o vínculo de emprego com a parte reclamante em CTPS, como era de sua obrigação. Não tendo feito tal registro, mesmo presentes os elementos caracterizadores do vínculo de emprego, a reclamante deixou de ser cadastrada no INSS como segurada, por culpa da reclamada, que incidiu em ato ilícito, nos termos do art. 186 do CC. Assim, deve a parte reclamada ser responsabilizada por sua negligência, nos termos do art. 927 do CC e até pela incidência da Súmula 378, item II, do TST, transcrita acima. Neste sentido, o TST:

"AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO RÉU. LEI 13.467/2017 . ESTABILIDADE PROVISÓRIA. DOENÇA OCUPACIONAL. ATLETA PROFISSIONAL. REGISTRO FÁTICO DE INCAPACIDADE TEMPORÁRIA, COM AFASTAMENTO DAS ATIVIDADES POR 70 DIAS. NEXO CAUSAL COMPROVADO. DESNECESSIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, PARA RECONHECIMENTO DO DIREITO. SÚMULA Nº 378, II, DO TST. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CONSTATADA. A tese recursal, no sentido de ser imprescindível a concessão do auxílio-doença acidentário para fins de reconhecimento da correspondente estabilidade provisória no emprego, está superada pela jurisprudência cristalizada nesta Corte, expressa na Súmula nº 378, II. O fato de se tratar de atleta profissional e de ter havido pagamento dos salários durante o afastamento não elide a aplicação do verbete. Inviável, portanto, o processamento do recurso de revista. Agravo de interno conhecido e não provido" (Ag-AIRR-10173-68.2016.5.18.0011, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 23/10/2020). - grifei

A culpa da reclamada no infortúnio e no sinistro da reclamante é densificada pela confissão do preposto nos seguintes termos:

que o clube não tinha departamento médico, sendo que o depoente não sabe responder se houve fornecimento de plano de saúde para a reclamante; que pelo que sabe o reclamado não contratou seguro de vida e acidentes pessoais para a reclamante”

O desconhecimento do preposto implica em confissão, nos termos dos arts. 843, §1o, da CLT e 385, §1o, do CPC. Assim, verifica-se que a parte reclamada não contratou seguro de vida e

acidentes pessoais para a reclamante, nem tinha departamento médico ou plano de saúde fornecido à atleta, obrigações que lhe competiam, nos termos dos arts. 34, II e III e 45 da Lei Pelé.

Da mesma forma, apesar da parte ré alegar que pagou verbas rescisórias e fundiárias, verifico que a parte reclamada não comprovou os pagamentos rescisórios e fundiários do período de 01 /03/18 a 31/12/18, ônus que lhe competia, nos termos dos arts. 464 e 818, II, da CLT e da Súmula 461 do TST. Destaco que os recibos juntados pela reclamada, datados de fevereiro de 2018, além de se traduzirem em valores pagos antes do início da contratualidade, foram confessados pela ré, em defesa, que foram a título de ajuda de custo para que a reclamante se deslocasse ao DF para o início dos trabalhos. Assim, nada tem a ver com verbas rescisórias ou fundiárias.

Assim o sendo, nos limites dos pedidos, e considerada a base de cálculo de R$1.500,00 mensais, condeno a parte reclamada a pagar à reclamante as seguintes verbas rescisórias típicas:

  • 10/12 de trezenos proporcionais referentes ao ano de 2018, nos termos do art. 1o, §2o, da lei4.090/62;
  • 10/12 de férias proporcionais+1/3 referentes ao ano de 2018, nos termos do art. 146, parágrafoúnico, da CLT.

Destaco que os documentos de fls. 164/165 dos autos comprovam que a reclamante recebeu o salário completo de dezembro de 2018.

Além das verbas rescisórias típicas, condeno, ainda, a parte reclamada a pagar à reclamante, FGTS referente ao período de 01/03/18 a 31/12/18, à razão de 8% de R$1.500,00 ao mês, mês a mês, no período da condenação.

Não há falar, todavia, em reconhecimento do elastecimento do contrato de trabalho para além da data de 31/12/18. O fato é que, em que pese as disposições legais e sumulares a respeito, houve o desligamento da reclamante. A situação se resolve, como visto, até pela falta de manifestação conjunta pela continuidade do vínculo, pela via indenizatória. Conforme argumentação pregressa, deverá haver a indenização de período de estabilidade não concedido, o que não tem o condão de estender o contrato de trabalho, mantendo-se a terminação do mesmo em 31/12/18. Assim, improcedentes os pedidos de reconhecimento de vínculo para além de 31/12/18.

Por outro lado, devidas indenizações substitutivas, eis que caracterizado o acidente de trabalho e a incapacidade laboral até 13/09/19 (fl.52). Assim, como a parte reclamada não emitiu CAT, não registrou o contrato de trabalho e nem fez contribuições previdenciárias, deve arcar com o período de incapacidade da autora, como se tivesse sido mantido o vínculo, nos termos do art. 927 do CC. Também é devida a indenização substitutiva da estabilidade de um ano da reclamante, a partir de 13/09/19, nos termos dos arts. 118 da lei 8.213/91, da Súmula 378 do TST e do art. 927 do CC. Assim, condeno a parte reclamada a pagar indenização substitutiva de salários mensais de R$1.500,00, mês a mês, no período de 01/01/19 até 13/09/20 (fim do período estabilitário); indenização de férias+1/3 do período 01/01/19 até 13/09/20 (fim do período estabilitário), o que representa 12/12 de 2019 e 08/12 de 2020, observada a base de cálculo de R$1.500,00 mensais e o disposto no parágrafo único do art. 146 da CLT; indenização de FGTS, à razão de 8% de R$1.500,00 ao mês, mês a mês, de 01/01/19 até 13/09/20.

É incontroverso que não houve a assinatura da CTPS obreira.

Assim, considerada as premissas e conclusões acima, nos termos do art. 39, §2o, da CLT, quando do trânsito em julgado, determino, e em oito dias da intimação para tanto, que a parte reclamada anote a CTPS da parte autora, constando a data de admissão em 01/03/18, e saída em 31/12/18, com salário mensal de R$1.500,00 e função de atleta profissional de futebol, sob pena de multa de R$50,00 por dia de atraso, limitada a R$500,00, nos termos dos arts. 139, IV e 536 do CPC. Ultrapassado o prazo, as anotações serão feitas pela Secretaria da Vara, com ofício à SRTE e ao INSS (art. 631 da CLT), inclusive para eventuais retificações de cadastros. Em vista da suspensão das atividades presenciais neste TRT, o cumprimento da obrigação de anotação de CTPS poderá se dar de duas formas: com a determinação de que a reclamante se encaminhe diretamente à sede da parte reclamada (antigo local de serviço) para as devidas anotações, em período fixado pelo juízo, após o trânsito em julgado, OU, quando do retorno das atividades presenciais neste tribunal (no momento em que os jurisdicionados já tiverem acesso às dependências do TRT), via secretaria, com a parte autora entregando o documento em secretaria, em 05 dias da determinação para tanto, após o trânsito em julgado e o retorno das atividades presenciais. OBSERVE A SECRETARIA.

MULTA DO ART. 467 DA CLT

As verbas rescisórias são controversas, pois a parte reclamada requereu a improcedência total dos pedidos, alegando pagamentos. Improcede a multa.

MULTA DO ART. 477 DA CLT

Conforme visto em capítulos pregressos, aos quais me remeto, ainda não houve o pagamento das verbas rescisórias. Assim, condeno a parte reclamada a pagar à reclamante o valor de R$1.500,00, a título de multa do art. 477, §8o, da CLT.

SALÁRIO “IN NATURA” E REFLEXOS

A parte reclamante requer o reconhecimento de salários “in natura” e integração dos mesmos aos salários pagos, à razão de R$375,00 a título de auxílio-moradia e R$300,00 a título de alimentação, valores estes considerados na base de cálculo mensal.

É incontroverso que a parte reclamante recebia alimentação e moradia. Residia nas dependências do clube. Ocorre que há particularidades na situação.

A reclamante, em depoimento, no que se refere ao tema da moradia disse:

que ganhava R$ 1.500,00 reais por mês na reclamada; (...) que residia nos alojamentos do clube reclamado e também fazia todas as refeições no clube; que se o clube não tivesse oferecido o alojamento para a depoente, a mesma não conseguiria ter vindo atuar pelo clube reclamado, em brasília, a não ser que tivesse obtido um salário maior para alugar uma quitinete;” (grifei)

Como se vê do depoimento da reclamante, a mesma confessa que, se não tivesse recebido alojamento nas dependências do clube reclamado, não conseguiria ter vindo jogar no clube reclamado, considerando o salário mensal recebido de R$1.500,00. Conclui-se que o fornecimento do alojamento era indispensável para a execução do trabalho, ainda mais se considerando o salário mensal percebido. Nestas condições, o alojamento (auxílio-moradia) ganha nítido caráter instrumental, afastando-se a sua natureza salarial. Em outras palavras, caso não tivesse recebido a oportunidade de ficar no alojamento do clube reclamado, a reclamante não teria conseguido vir atuar no clube reclamado, nesta capital federal. Ou seja, há confissão real de que a reclamante recebia um instrumento para trabalhar, qual seja, o alojamento, pois, caso contrário, financeiramente, a prestação laboral restaria impossível.

Já tive a oportunidade de me manifestar a respeito do tema na obra Transferências e Registros de Atletas Profissionais de Futebol – Responsabilidades e Direitos, 2a Edição, Ltr:

O art. 28, §4o, da Lei Pelé, estabelece que ao atleta profissional de futebol, ressalvadas as particularidades da Lei do Desporto mencionada, devem se aplicar as leis trabalhistas e de seguridade social:

  • 4º Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes desta Lei (...)

Assim, silente a lei especial a respeito, aplica-se a legislação trabalhista geral, no caso, a CLT. Ou seja, em que pese ser um contrato especial de trabalho, o atleta profissional de futebol também é atingido pela aplicação das normas gerais da legislação trabalhista, uma vez que, além de atleta, também era empregado. Desta forma, é necessário verificar o art. 458 da CLT, que estabelece como salariais as parcelas de alimentação e habitação fornecidas ao empregado.

Há, todavia, a Súmula 367, I, do TST, que dispõe:

Súmula nº 367 do TST

UTILIDADES "IN NATURA". HABITAÇÃO. ENERGIA ELÉTRICA. VEÍCULO. CIGARRO. NÃO INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 24, 131 e 246 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

I - A habitação, a energia elétrica e veículo fornecidos pelo empregador ao empregado, quando indispensáveis para a realização do trabalho, não têm natureza salarial, ainda que, no caso de veículo, seja ele utilizado pelo empregado também em atividades particulares. (ex-Ojs da SBDI-1 nºs 131 - inserida em 20.04.1998 e ratificada pelo Tribunal Pleno em

07.12.2000 - e 246 - inserida em 20.06.2001) - grifei

A posição jurisprudencial consolidada revela que a caracterização de parcelas como salário, como se vê, dependem da caracterização, ou não, da indispensabilidade da parcela para a realização do trabalho. Nestes casos, incide o antigo questionamento: a parcela e o benefício eram fornecidos PARA a consecução do trabalho ou PELA consecução do trabalho? No caso da habitação fornecida aos atletas profissionais de futebol, deve-se averiguar se a habitação fornecida seria indispensável para a realização do serviço, pela ausência de outra hipótese de moradia na localidade sede do clube (casas ou apartamentos disponíveis para aluguel, em valores condizentes com o salário recebido pelo atleta) ou por circunstâncias excepcionais que levassem à conclusão que o fornecimento de habitação seria situação indispensável para a realização do serviço.” (grifei)

Ou seja, no caso em concreto, fica claro que o fornecimento de habitação para a reclamante era indispensável para a realização do serviço. Se não houvesse a habitação fornecida pelo clube reclamado, a autora não poderia, conforme confessado, vir trabalhar no reclamado em Brasília, haja vista os valores percebidos a título de salário que não permitiam outros gastos da obreira. Nestas condições, a moradia ganha feição instrumental, ou seja, trata-se de instrumento PARA o trabalho, incidindo a hipótese da Súmula 367, I, do TST. Desta forma, afasto a feição salarial da moradia fornecida pela parte reclamada. Julgo, pois, improcedentes os pedidos de inserção do valor da moradia no salário, bem como seus consectários reflexos pretendidos.

Da mesma maneira entendo em relação à alimentação fornecida. Neste particular, trago, novamente, trecho de nossa obra Transferências e Registros de Atletas Profissionais de Futebol – Responsabilidades e Direitos, 2a Edição, Ltr, que uso como razões de decidir:

No caso, entende-se que a alimentação fornecida nos refeitórios ou nas viagens a trabalho dos clubes detêm a clara feição de prover um meio necessário para a boa prestação de serviços dos jogadores, haja vista que, indiscutivelmente, o labor de atleta profissional de futebol demanda uma boa condição física do jogador, o que implica em alimentação regular, regrada e sadia. A utilidade aqui fornecida é um instrumento indispensável para a boa prestação laboral do atleta e não uma benesse fornecida somente para retribuir o trabalho prestado. A alimentação regular fornecida em refeitório dos clubes, ou em viagens para jogos, é um instrumento de trabalho para o atleta profissional, uma vez que o jogador precisa de uma alimentação balanceada e equilibrada para desempenhar bem a sua profissão. Nos clubes de elite do futebol brasileiro, é normal a existência de um profissional de nutrição para a garantia que a alimentação fornecida seja controlada, balanceada e direcionada a favorecer a melhor performance física e técnica dos atletas dentro do campo de jogo, sempre mirando o objetivo de se alcançarem melhores resultados para a equipe. É de sabença notória e pública que uma alimentação regular e sadia implica em evitar lesões e doenças, o quê, ao fim e ao cabo, implicará em um ganho desportivo em prol do trabalho desenvolvido. O intuito final da prestação desportiva do atleta é, sempre, o bom desempenho dentro do campo de jogo. Assim, respeitadas as opiniões em contrário, a alimentação fornecida aos atletas revela-se, a rigor, em um instrumento para o trabalho e para a melhor performance do atleta e não um acréscimo salarial pelo trabalho prestado. Não havendo caráter salarial da parcela, não há a integração da mesma ao salário.” (grifei)

Julgo, pois, improcedente também a pretensão de inclusão da alimentação fornecida à atleta como salário, bem como seus consectários reflexos.

DANO MORAL

A parte reclamante alega que sofreu danos morais pelo não recebimento tempestivo das verbas rescisórias e pelo fato de não ter recebido tratamento adequado pela sua lesão física/acidente do trabalho.

Configura-se o dano moral quando há tensa aos atributos da personalidade do indivíduo, tais como honra, intimidade, vida privada e imagem, quer a subjetiva, quer aquela projetada na sociedade, no ambiente familiar ou no profissional.

No que tange à celeuma rescisória descrita (atrasos e não recebimentos) é situação que ocorre no dia a dia das pessoas, não configurando um fato excepcional a gerar indenização por dano moral, nem constituindo abalo grave aos direitos da personalidade do indivíduo, estes sim capazes de gerar indenização. A situação é corriqueira, apesar de indesejável, no mundo contemporâneo capitalista.

JOSE CAIRO JUNIOR afirma que "(...)é necessário, pois, fixar limites, sob pena

de admitir que toda violação de direitos ou interesses, de natureza contratual ou não, teria cunho de ofensa moral (...) Por isso, o inadimplemento contratual deve vir acompanhado de uma ação ou omissão, que caracterizaria o plus ofensivo, necessário para a constatação de uma ofensa moral indenizável." (Curso de Direito do Trabalho. Editora JusPodivm 11ª ed., p. 953)

Dissabores do dia a dia das pessoas não geram dano moral indenizável, sob

pena de se banalizar o instituto e lançar uma “cortina de fumaça” sobre as situações em que há, de fato, verdadeiro abalo aos direitos da personalidade.

Eventual falta da parte reclamada já foi corrigida por esta decisão.

Não se pode, via de regra, cogitar indenização, por danos morais, nesse

contexto, sobretudo quando inexiste nos autos comprovação de constrangimento perante terceiros, eventualmente vivenciada pela parte reclamante.

Neste sentido, o TRT da 3a Região e o TRT da 10a Região:

EMENTA: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS. NÃO CONFIGURADO. Malgrado constitua procedimento reprovável o não cumprimento de obrigações trabalhistas, tal como o não pagamento pelas horas extras trabalhadas, esta conduta faltosa não se afigura dotada de gravidade suficiente para dar ensejo à indenização por dano moral, que se configura quando há ofensa direta aos direitos da personalidade, seja no tocante à integridade física, moral ou intelectual. Mero dissabor, aborrecimento, desconforto emocional ou mágoa, ou mesmo o simples melindre de um espírito mais sensível não gera agravo moral indenizável, sob pena de banalização do instituto. (TRT da 3.ª Região; Processo: 00838-2013-153-03-00-3 RO;

Data de Publicação: 09/06/2014; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Convocada

Rosemary de O.Pires; Revisor: Fernando Antonio Viegas Peixoto; Divulgação: 06/06 /2014. DEJT/TRT3/Cad.Jud. Página 360)

DANO MORAL. ATRASO NO PAGAMENTO DAS VERBAS RESCISÓRIAS. O dano moral apto a ensejar indenização deve causar constrangimento e sofrimento à vítima, além de repercutir perante terceiros, pois a irradiação dos fatos danosos é que denigre a imagem da pessoa em seu convívio social. Para tal prova, é mister que tenha havido alguma repercussão do fato capaz de expor o trabalhador a constrangimentos perante seus semelhantes, de tal modo que o sofrimento causado tenha reflexos conhecidos e sabidos por seus pares. In casu, o autor não logrou êxito em comprovar a ocorrência de dano moral perpetrado por atitudes de seu empregador. Recurso ordinário conhecido e desprovido.  (Processo nº 01399-2013-014-10-00-7 RO, Acordão 3ª

Turma, Rel. Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro, 07/11/2014 no DEJT/DF)

NÚMERO CNJ: 0001282-40.2017.5.10.0013

REDATOR: GILBERTO AUGUSTO LEITAO MARTINS

DATA DE JULGAMENTO: 12/09/2018

DATA DE PUBLICAÇÃO: 20/09/2018

EMENTA: 1. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA. ATRASO NO PAGAMENTO DE VERBAS TRABALHISTAS. REPARAÇÃO INDEVIDA. A condenação em dano moral demanda a demonstração de três elementos caracterizadores da responsabilidade civil: existência de ato ilícito, do dano e do nexo de causalidade entre este e aquele. A conduta narrada não implica grave violação à honra ou imagem da reclamante. Ademais, os direitos e créditos trabalhistas inadimplidos são ressarcidos pela via própria, prevista em lei, e o ressarcimento compreende não apenas a correção monetária dos valores não pagos mas também multas e juros.

2. Recurso ordinário conhecido e desprovido.

Nesse sentido, nada a deferir à parte reclamante.

Outra é a situação, entretanto, em relação à ausência da parte reclamada no auxílio à reclamante no tratamento de sua lesão.

Como visto, em capítulo pregresso ao qual me remeto, a parte reclamante sofreu acidente de trabalho típico, consistente em uma lesão no joelho. A parte reclamada não afastou a obreira pelo INSS, uma vez que, por sua culpa, não registrou um contrato de trabalho desportivo claro e não fez os recolhimentos previdenciários devidos. Em que pese o contrato dever ter sido suspenso, isto não ocorreu. Houve a terminação do mesmo em 31/12/18. Sem o devido registro e recolhimentos previdenciários, o que se deu pela negligência da parte reclamada, a autora, sem rendimentos, ficou à mercê de sua própria sorte. Teve que retornar ao estado de São Paulo, onde tem residência, e se submeter a cirurgia e tratamentos em rede pública, sem qualquer recebimento de qualquer tipo de renda no período, ficando, ainda, sem poder praticar sua profissão desportiva. A reclamada nada fez para auxiliar a obreira, o que foi confessado pelo desconhecimento do preposto (art. 385, §1o do CPC) e até por confissão real:

Depoimento pessoal do preposto do(s) reclamado(s)(s): "que a reclamante teve uma contusão enquanto atuava pelo reclamado, sendo que o depoente, se não se engana, acha que a contusão foi no joelho; que depois da contusão da reclamante, a mesma não atuou mais pelo clube até o fim do seu contrato, em decorrência da contusão; que o clube oferece para as atletas que não têm residência fixa no DF, alojamento e refeições, o que foi feito com a reclamante; que o clube não tinha departamento médico, sendo que o depoente não sabe responder se houve fornecimento de plano de saúde para a reclamante; que pelo que sabe o reclamado não contratou seguro de vida e acidentes pessoais para a reclamante; que não sabe responder se houve algum contato ou atitude do clube após a operação da reclamante em relação à sua contusão; que não sabe dizer se a reclamante foi chamada para a prorrogação do seu contrato após a recuperação; que não tem conhecimento se o clube ressarciu ou pagou algo à reclamante após a operação; Nada mais." (grifei)

Fica comprovado que a parte reclamada, pela confissão do preposto, que a reclamada em nada auxiliou a obreira após 31/12/18, mesmo sabendo que sua incapacidade temporária para o exercício da profissão de atleta tinha sido em decorrência de acidente de trabalho típico. A parte reclamada, inclusive, não contratou seguro de vida e acidentes pessoais para a jogadora, ônus que lhe competia, nos termos do art. 45 da Lei Pelé. Não forneceu plano de saúde e também não ofereceu atendimento médico, mesmo quando o contrato estava ativo, pois a parte ré não tem departamento médico.

Some-se a isto que, além das culpas constatadas acima, destaca-se que a atividade de jogadora de futebol é uma atividade de risco, haja vista a grande ocorrência de lesões e contusões, o que atrai, da mesma forma, a responsabilidade objetiva da parte ré, nos termos do artigo 927, parágrafo único, do CC. Neste sentido, o TST:

"RECURSO DE REVISTA. ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. ACIDENTE DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL . 1. O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, não obstante reconhecer que o acidente ocorreu enquanto o autor desenvolvia sua atividade profissional em benefício do clube réu, bem como que, em virtude do infortúnio, o atleta não teve condições de voltar a jogar futebol profissionalmente, concluiu que a entidade desportiva não teve culpa no acidente de trabalho, além de haver adotado todas as medidas possíveis para tentar devolver ao autor a capacidade para o desenvolvimento de suas atividades como atleta profissional, não sendo possível a sua recuperação porque a medicina ainda não tinha evoluído ao ponto de permitir a cura total. Razões pelas quais a Corte a quo rejeitou o pedido de indenização por dano material e dano moral. 2. Ocorre, todavia, que, conforme o disposto nos arts. 34, III , e 45 , da Lei nº 9.615/98, são deveres da entidade de prática desportiva empregadora, em especial, submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos necessários à prática desportiva, e contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos. 3. Em tal contexto, incide, à espécie, a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, segundo o qual, haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 4. Dessa orientação dissentiu o acórdão recorrido. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido" (RR-39360047.2007.5.12.0050, 1ª Turma, Relator Ministro Walmir Oliveira da Costa, DEJT 07/03/2014). -

grifei

Nos termos dos artigos 186 e 927 do CC, surge o dever de indenizar quando, por ação ou omissão voluntária, dolosa ou culposa, comete-se ato ilícito, violando direito e causando dano, material ou moral, a outrem. Não é difícil imaginar a sensação de angústia e dor íntima da parte reclamante ao ter sua imagem e honra, na feição objetiva (perante a sociedade) e subjetiva (internamente), atingidas pelo fato de ter sido deixada à própria sorte, sem renda de qualquer natureza ou mesmo auxílio do reclamado, sendo que a origem de tal situação de penúria ocorreu pela ausência de registros e recolhimentos previdenciários por parte do réu, além do fato da reclamante ter se lesionado enquanto trabalhava para o réu, sem ter tido qualquer contratação de seguros obrigatórios em lei e sem a prestação de atendimentos médicos, obrigações que tinha a parte ré (arts. 34, II e III e 45 da Lei Pelé). Tudo isto causou dificuldades extremas à reclamante, impedindo-a, inclusive de praticar sua profissão desportiva no período de recuperação e ter acesso a benefícios previdenciários que seriam de seu direito, caso os registros devidos tivessem sido feitos a tempo e modo. A existência do dano moral no caso presente é percebido in re ipsa, ou seja, por simples presunção do que ordinariamente ocorreria ao homem médio na mesma situação.

Presentes os requisitos para indenização, quais sejam, culpa da parte reclamada e de seus representantes, pelas obrigações não cumpridas e constrangimentos criados, o nexo causal e dano íntimo à parte reclamante, a autora faz jus a indenização. Assim, considerada a gravidade dos atos praticados pela parte reclamada, o nexo causal e o tamanho do dano moral (art. 927 do CC) experimentado pela parte reclamante, bem como a capacidade econômica das partes, o tempo de exposição, o não enriquecimento sem causa, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, defiro indenização por dano moral que ora arbitro em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor que considero dentro dos parâmetros reparatórios do agravo sofrido, nos termos dos artigos 5º, V e X da CRFB-88 e 944 do CC.

Destaco que este juízo entende inconstitucional os critérios de fixação de danos do §1o, do art. 223-G, da CLT, pois aqueles parâmetros se chocam com os artigos constitucionais citados, na medida em que não é possível mensurar a dor por critérios valorativos calcados no salário médio da vítima. O §1o, do art. 223-G da CLT, portanto, é declarado inconstitucional, em controle difuso de constitucionalidade, por afronta à isonomia constitucional, uma vez que o art. 5o, V e X, da CRFB-88, garante indenização por dano moral “proporcional ao agravo” sofrido, sendo que a dor moral não podem ser mensurada pelo salário do ofendido e sim pela extensão dos eventuais danos. A nova interpretação do legislador ordinário, com a devida vênia, poderia levar, teratologicamente, a pensar, por exemplo, que a dor moral de um auxiliar de limpeza (que recebe R$1.500,00 mensais) que perde o braço em um acidente de trabalho é menor do que a dor moral de um chefe de seção (que recebe R$6.000,00 mensais) que também perde o braço em um mesmo acidente de trabalho, pelo simples fato daquele primeiro trabalhador ganhar menos do que o último. O parágrafo legal e seus incisos (§1o, e incisos, do art. 223-G da CLT) é, portanto, inconstitucional, uma vez que afronta a isonomia, pois atrela as indenizações às faixas salariais e não à extensão dos danos (agravos sofridos) em si, sendo este o critério constitucional estabelecido e que foi afrontado pelo legislador ordinário.

INDENIZAÇÃO DO VALOR DAS DESPESAS COM TRATAMENTO

A parte reclamante alega que teve despesas com o tratamento para a recuperação da lesão. Ocorre que, no particular, verifico que todos os documentos médicos juntados aos autos dão conta de tratamentos da obreira em instituições públicas, em que as despesas, como é público e notório, correm por conta do Estado e dos contribuintes. É o que se constata, exemplificativamente, do documento de fl. 51 dos autos. Ou seja, não houve, portanto, gastos da obreira na cirurgia e na recuperação da mesma, eis que os procedimentos médicos e fisioterápicos, segundo os documentos juntados pela própria autora, se deram na rede pública de atendimento. A reclamante não comprovou, documentalmente, ou por outra forma, que tenha recebido tratamento em instituição particular, com recibos ou notas fiscais que comprovassem gastos pessoais da obreira, ônus que lhe competia, nos termos do art. 818, I, da CLT. Destacase que houve a recuperação completa da autora em setembro de 2019, conforme comprova o documento de fl. 52 dos autos. A ação foi ajuizada em março de 2020, razão pela qual a reclamante já poderia ter juntado eventual documentação comprobatória de gastos com a recuperação. Não o fez, estando preclusa a oportunidade, nos termos do art. 787 da CLT.

Nesta situação, não há comprovação de dano, no particular. Ausente o dano, nos termos do art. 927 do CC, a parte reclamante não faz jus à indenização neste capítulo, pois, para a configuração de possibilidade de indenização civil, há a necessidade de comprovação dos três elementos legais de modo concomitante, quais sejam: culpa, nexo causal e dano.

Improcedentes os pedidos deste capítulo.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Não vislumbro má-fé de nenhuma das partes, que somente exerceram seus direitos constitucionais de ação e de defesa, dentro dos limites da razoabilidade (art. 5o, XXXV, LIV e LV da CRFB-88). A verdade dos autos é formal, eis que trabalha sobre fatos reconstituídos, só cabendo a aplicação de multa de litigância de má-fé em claro abuso dos direitos mencionados e clara incidência das hipóteses legais para a multa, o que não é o caso dos autos.

HONORÁRIOS DE ADVOGADO

A ação foi ajuizada na vigência da lei 13467-17. Houve sucumbência recíproca, atraindo o arbitramento, nos termos do art. 791-A, §3º, da CLT, inclusive de ofício. Assim, considerada a complexidade diminuta da causa e o trabalho dos advogados, defiro, nos termos do art. 791-A da CLT, honorários de sucumbência para os advogados de ambas as partes, à razão de 10% do valor líquido da condenação, no que tange aos pedidos procedentes, em favor dos advogados da parte reclamante; e 10% do valor líquido dos pedidos improcedentes, em favor dos advogados da parte reclamada, tudo conforme se apurar em liquidação. No particular, aplico, por analogia, a Súmula 326 do STJ, para considerar que, em havendo procedência parcial de um determinado pedido individualmente considerado, não haverá sucumbência recíproca. Em suma, só serão devidos honorários aos advogados da parte reclamada quando um pedido for COMPLETAMENTE improcedente. Neste sentido, o E. TRT, na lavra autorizada do Exmo. Juiz Convocado Denílson Bandeira Coelho:

NÚMERO CNJ: 0000996-28.2018.5.10.0013

REDATOR: DENILSON BANDEIRA COELHO

DATA DE JULGAMENTO: 17/07/2019

DATA DE PUBLICAÇÃO: 23/07/2019

EMENTA:

(...) 4. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS.  AÇÃO AJUIZADA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. RECIPROCIDADE. INAPLICABILIDADE SOBRE PARCELA DEFERIDA AINDA QUE NÃO NA AMPLITUDE PEDIDA

Fica vedada a compensação de honorários, nos termos do §3º, do art. 791-A da CLT. Não cabe outra espécie de honorários no caso, haja vista o regramento específico. Não há honorários sobre os pedidos e causas de pedir extintos sem julgamento do mérito, por ausência de sucumbência material. Destaco que os valores devidos aos advogados da parte reclamada deverão ser transferidos dos valores líquidos devidos à parte reclamante, na condenação, nos termos da lei (791-A, §4º, da CLT). Neste sentido, o TST:

"HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA - CLT, ART. 791-A, § 4º - DECISÃO REGIONAL LIMITADORA A CRÉDITOS DE NATUREZA NÃO ALIMENTÍCIA TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA - VIOLAÇÃO À LITERALIDADE DO PRECEITO -

PROVIMENTO. 1. Uma das alterações mais simples e impactantes que a reforma trabalhista de 2017 introduziu no Processo do Trabalho foi a imposição do pagamento de honorários advocatícios também por parte do trabalhador reclamante (CLT, art. 791-A). 2. A inovação seguiu na linha evolutiva do reconhecimento amplo do direito à percepção de honorários sucumbenciais por parte dos advogados, tanto à luz do novo CPC quanto das alterações da Súmula 291 do TST, reduzindo as restrições contidas na Lei 5.584/70, que os limitavam aos casos de assistência judiciária por parte do sindicato na Justiça do Trabalho. 3. Por outro lado, um dos objetivos da mudança, que implicou queda substancial das demandas trabalhistas, foi coibir as denominadas "aventuras judiciais", nas quais o trabalhador pleiteava muito mais do que efetivamente teria direito, sem nenhuma responsabilização, em caso de improcedência, pelo ônus da contratação de advogado trazido ao empregador. Nesse sentido, a reforma trabalhista, em face da inovação, tornou o Processo do Trabalho ainda mais responsável. 4. No caso do beneficiário da Justiça Gratuita, o legislador teve a cautela de condicionar o pagamento dos honorários à existência de créditos judiciais a serem percebidos pelo trabalhador, em condição suspensiva até 2 anos do trânsito em julgado da ação em que foi condenado na verba honorária (CLT, art. 791-A, § 4º). 5. Na hipótese dos autos, o 21º Regional entendeu por ampliar essa cautela, ao ponto de praticamente inviabilizar a percepção de honorários advocatícios por parte do empregador vencedor, condicionando-a à existência de créditos de natureza não alimentícia. Como os créditos trabalhistas ostentam essa condição, só se o empregado tivesse créditos a receber de ações não trabalhistas é que poderia o empregador vir a receber pelo que gastou. 6. Portanto, a exegese regional ao § 4º do art. 791A da CLT afronta a sua literalidade e esvazia seu comando, merecendo reforma a decisão, para reconhecer o direito à verba honorária, mesmo com a condição suspensiva, mas não limitada aos créditos de natureza não alimentícia. Recurso de revista provido" (RR-780-

77.2017.5.21.0019, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, DEJT 27/09/2019).

[...] II) RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO – RITO SUMARÍSSIMO - CONDENAÇÃO DA BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS – COMPENSAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA COM OS

CRÉDITOS OBTIDOS EM JUÍZO, AINDA QUE EM OUTRO PROCESSO - COMPATIBILIDADE DO ART. 791-A, § 4º, DA CLT COM O ART. 5º, CAPUT, XXXV, LIV e LV, DA CF TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. 1. Nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT, constitui transcendência jurídica da causa a existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista. 2. In casu, o debate jurídico que emerge do presente processo diz respeito à possibilidade de se compensar os honorários advocatícios sucumbenciais, arbitrados à Parte beneficiária da justiça gratuita, com os créditos que lhe foram deferidos na presente ação, consoante previsto no § 4º do art. 791-A da CLT, introduzido pela Lei 13.467/17, questão nova e que oferece reflexos de natureza jurídica. 3. Conforme se extrai do acórdão recorrido, o Regional, considerando a decisão plenária do TRT de declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da expressão ‘desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa’, constante do § 4º do art. 791-A da CLT, determinou que os honorários advocatícios devidos pela Reclamante, que litiga sob o pálio da justiça gratuita, arbitrados em R$ 432,00 pelo Juízo de origem, permanecessem em condição suspensiva de exigibilidade, nos termos do citado art. 791-A, § 4º, da CLT, sem nenhuma compensação com seus créditos. 4. Como é cediço, a Reforma Trabalhista, promovida pela Lei 13.467/17, ensejou diversas alterações no campo do Direito Processual do Trabalho, a fim de tornar o processo laboral mais racional, simplificado, célere e, principalmente, responsável, sendo essa última característica marcante, visando coibir as denominadas ‘aventuras judiciais’, calcadas na facilidade de se acionar a Justiça, sem nenhum ônus ou responsabilização por postulações carentes de embasamento fático. 5. Não se pode perder de vista o crescente volume de processos ajuizados nesta Justiça Especializada, muitos com extenso rol de pedidos, apesar dos esforços empreendidos pelo TST para redução de estoque e do tempo de tramitação dos processos. 6. Nesse contexto foram inseridos os §§ 3º e 4º no art. 791-A da CLT pela Lei 13.467/17, responsabilizando-se a parte sucumbente, seja a autora ou a demandada, pelo pagamento dos honorários advocatícios, ainda que beneficiária da justiça gratuita, o que reflete a intenção do legislador de desestimular lides temerárias, conferindo tratamento isonômico aos litigantes. Tanto é que o § 5º do art. 791-A da CLT expressamente dispôs acerca do pagamento da verba honorária na reconvenção. Isso porque, apenas se tiver créditos judiciais a receber é que terá de arcar com os honorários se fizer jus à gratuidade da justiça, pois nesse caso já não poderá escudar-se em pretensa insuficiência econômica. 7. Percebe-se, portanto, que o art. 791-A, § 4º, da CLT não colide com o art. 5º, caput, XXXV, LIV e LV, da CF, ao revés, busca preservar a jurisdição em sua essência, como instrumento responsável e consciente de tutela de direitos elementares do ser humano trabalhador, indispensáveis à sua sobrevivência e à da família. 8. Ainda, convém ressaltar não ser verdadeira a assertiva de que a imposição de pagamento de honorários de advogado àquele que se declara pobre na forma da lei implica desvio de finalidade da norma, onerando os que necessitam de proteção legal, máxime porque no próprio § 4º do art. 791-A da CLT se visualiza a preocupação do legislador com o estado de hipossuficiência financeira da parte vencida, ao exigir o pagamento da verba honorária apenas no caso de existência de crédito em juízo, em favor do beneficiário da justiça gratuita, neste ou em outro processo, capaz de suportar a despesa que lhe está sendo imputada, situação, prima facie, apta a modificar a sua capacidade financeira, até então de miserabilidade, que justificava a concessão de gratuidade, prestigiando, de um lado, o processo responsável, e desestimulando, de outro, a litigância descompromissada. 9. Por todo o exposto, merece reforma o acórdão regional, a fim de estabelecer que os honorários advocatícios decorrentes da sucumbência da Autora, beneficiária da justiça gratuita, primeiramente sejam compensados dos créditos obtidos em juízo, ainda que em outro processo, e, tão somente na hipótese dos ganhos serem insuficientes ou inexistentes, incida a condição suspensiva de exigibilidade prevista no art. 791-A, § 4º, da CLT. Recurso de revista provido.” (TST-RR20556-23.2018.5.04.0271, 4ª Turma, rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, julgado em 6/5/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO -RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DAS LEIS N. 13.015/2014, 13.105/2015 E 13.467/2017 -HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS -AÇÃO AJUIZADA APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017 CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 791-A, § 4º, DA CLT . 1. A Reforma Trabalhista, implementada pela Lei nº 13.467/2017, sugere uma alteração de paradigma no direito material e processual do trabalho. No âmbito do processo do trabalho, a imposição pelo legislador de honorários sucumbenciais ao reclamante reflete a intenção de desestimular lides temerárias. É uma opção política. 2. Por certo, sua imposição a beneficiários da Justiça gratuita requer ponderação quanto à possibilidade de ser ou não tendente a suprimir o direito fundamental de acesso ao Judiciário daquele que demonstrou ser pobre na forma da Lei. 3. Não obstante, a redação dada ao art. 791, § 4º, da CLT, demonstrou essa preocupação por parte do legislador, uma vez que só será exigido do beneficiário da Justiça gratuita o pagamento de honorários advocatícios se ele obtiver créditos suficientes, neste ou em outro processo, para retirá-lo da condição de miserabilidade.Caso contrário, penderá,por dois anos, condição suspensiva de exigibilidade. A constatação da superação do estado de miserabilidade, por óbvio, é casuística e individualizada. 4. Assim, os condicionamentos impostos restauram a situação de isonomia do atual beneficiário da Justiça gratuita quanto aos demais postulantes . Destaque-se que o acesso ao Judiciário é amplo, mas não incondicionado . Nesse contexto, a ação contramajoritária do Judiciário, para a declaração de inconstitucionalidade de norma, não pode ser exercida no caso, em que não se demonstra violação do princípio constitucional de acesso à Justiça . Agravo de instrumento conhecido e desprovido" (AIRR-2054-06.2017.5.11.0003, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira ,

3ª Turma, DEJT de 30/05/19. (Grifo nosso) Inteiro teor: (http://aplicacao5.tst.jus.br /consultaunificada2/inteiroTeor.do?

action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=AIRR%20-%20205406.2017.5.11.0003&base=acordao&rowid=AAANGhABIAAAV6EAAH&dataPublicacao=31/05 /2019&localPublicacao=DEJT&query=)

Destaco, também, que eventual posição do E. TRT a respeito da matéria não é vinculante ao juízo, pois a única declaração de inconstitucionalidade de lei que vincula as outras instâncias da justiça é aquela exarada pelo Plenário do STF, em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Ademais, lembro que, nos termos do art. 8o, §2o, da CLT, os tribunais não podem editar enunciados de jurisprudência que restrinjam direitos legalmente previstos, sendo que não houve declaração de inconstitucionalidade sobre aquele artigo da CLT, incidindo a vedação do art. 97 da CRFB-88. Finalmente, pontuo, com a devida e máxima vênia, que não é possível a declaração de inconstitucionalidade para somente “suprimir” uma “expressão” do §4o, do art. 791-A, da CLT, uma vez que a norma detém caráter unívoco, que não admite outras interpretações. Neste sentido, o STF, na lavra autorizada do Exmo. Ministro Moreira Alves:

Impossibilidade, na espécie, de se dar interpretação conforme à Constituição, pois essa técnica só é utilizável quando a norma impugnada admite, dentre as várias interpretações possíveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o sentido da norma é unívoco, como sucede no caso presente. Quando, pela redação do texto no qual se inclui a parte da norma que é atacada como inconstitucional, não é possível suprimir dele qualquer expressão para alcançar essa parte, impõe-se a utilização da técnica de concessão da liminar `para a suspensão da eficácia parcial do texto impugnado sem a redução de sua expressão literal', técnica essa que se inspira na razão de ser da declaração de inconstitucionalidade `sem redução do texto' em decorrência de este permitir `interpretação conforme à Constituição"." (ADI 1.344-MC, rel. min. Moreira Alves, julgamento em 18-121995, DJ de 19-4-1996.)”

Neste particular, cabe dizer que o Poder Judiciário não se presta ao papel de legislador positivo, função anômala ao seu mister. Não se pode, a partir da supressão seletiva de expressões do texto legal, criar-se uma outra regra legal que vai contra ao intuito material do legislador. Neste sentido, o STF, na lavra autorizada do Exmo. Ministro Celso de Mello:

SUSPENSÃO SELETIVA DE EXPRESSÕES CONSTANTES DA NORMA LEGAL CONSEQÜENTE ALTERAÇÃO DO SENTIDO DA LEI - IMPOSSIBILIDADE DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AGIR COMO LEGISLADOR POSITIVO (...)O STF como legislador negativo: A ação direta de inconstitucionalidade não pode ser utilizada como o objeto de transformar o Supremo Tribunal Federal, indevidamente, em legislador positivo, eis que o poder de inovar o sistema normativo, em caráter inaugural, constitui função típica da instituição parlamentar. Não se releva lícito pretender, em sede Federal, a partir da supressão seletiva de fragmentos do discurso normativo inscrito no ato estatal impugnado, proceda a virtual criação de outra regra legal, substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu próprio legislador. (…) Ação direta de inconstitucionalidade e impossibilidade jurídica do pedido: não se declara a inconstitucionalidade parcial quando haja inversão clara do sentido da lei, dando que não é permitido ao Poder Judiciário agir como legislador positivo “. (Ação direta de inconstitucionalidade nº 1.063-8 – Medida liminar – Relator: Ministro Celso de Mello. DJU 27.04.2001, SEÇÃO 1, p. 57) - grifei.

Por não se tratarem de parcela trabalhista típica, o termo inicial dos juros aplicáveis aos honorários deferidos será o trânsito em julgado da decisão, nos termos do art. 397 do CC.

Atribuo, para o fim de honorários, o valor de R$15.000,00 para os pedidos não liquidados que foram julgados totalmente improcedentes.

JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA

A análise de juros e correção fica remetida à eventual fase de execução, nos termos autorizativos da Súmula 211 do TST.

DEDUÇÃO/COMPENSAÇÃO

Não há, eis que as parcelas da condenação não foram pagas.

Dispositivo

POR TODO O EXPOSTO, nos autos da Ação Trabalhista em epígrafe, rejeito as impugnações; retifico, de ofício, o valor da causa; de ofício (art. 485, §3o, do CPC), extingo, sem julgamento do mérito, os pedidos de alíneas “n” e “p” do rol de pedidos (fl. 39), por falta de interesse processual, nos termos do art. 485, VI, do CPC; defiro a justiça gratuita à autora; reconheço o vínculo de emprego desportivo conforme fundamentação; E, no mérito, nos termos da fundamentação, que integra este dispositivo, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, para que a parte reclamada pague à parte reclamante, as seguintes parcelas, após o trânsito em julgado, nos limites dos pedidos, observadas as bases de cálculo da fundamentação:

  • 10/12 de trezenos proporcionais referentes ao ano de 2018, nos termos do art. 1o, §2o, da lei4.090/62;
  • 10/12 de férias proporcionais+1/3 referentes ao ano de 2018, nos termos do art. 146, parágrafoúnico, da CLT;
  • FGTS referente ao período de 01/03/18 a 31/12/18, à razão de 8% de R$1.500,00 ao mês, mêsa mês, no período da condenação;
  • indenização por danos morais de R$5.000,00;
  • multa do art. 477, §8o da CLT: R$1.500,00;
  • indenização substitutiva de salários mensais de R$1.500,00, mês a mês, no período de 01/01 /19 até 13/09/20 (fim do período estabilitário); indenização de férias+1/3 do período 01/01/19 até 13/09/20 (fim do período estabilitário), o que representa 12/12 de 2019 e 08/12 de 2020, observada a base de cálculo de R$1.500,00 mensais e o disposto no parágrafo único do art. 146 da CLT; indenização de FGTS, à razão de 8% de R$1.500,00 ao mês, mês a mês, de 01/01/19 até 13/09/20.

Assim, considerada as premissas e conclusões acima, nos termos do art. 39, §2o, da CLT, quando do trânsito em julgado, determino, e em oito dias da intimação para tanto, que a parte reclamada anote a CTPS da parte autora, constando a data de admissão em 01/03/18, e saída em 31/12/18, com salário mensal de R$1.500,00 e função de atleta profissional de futebol, sob pena de multa de R$50,00 por dia de atraso, limitada a R$500,00, nos termos dos arts. 139, IV e 536 do CPC. Ultrapassado o prazo, as anotações serão feitas pela Secretaria da Vara, com ofício à SRTE e ao INSS (art. 631 da CLT), inclusive para eventuais retificações de cadastros. Em vista da suspensão das atividades presenciais neste TRT, o cumprimento da obrigação de anotação de CTPS poderá se dar de duas formas: com a determinação de que a reclamante se encaminhe diretamente à sede da parte reclamada (antigo local de serviço) para as devidas anotações, em período fixado pelo juízo, após o trânsito em julgado, OU, quando do retorno das atividades presenciais neste tribunal (no momento em que os jurisdicionados já tiverem acesso às dependências do TRT), via secretaria, com a parte autora entregando o documento em secretaria, em 05 dias da determinação para tanto, após o trânsito em julgado e o retorno das atividades presenciais. OBSERVE A SECRETARIA.

A ação foi ajuizada na vigência da lei 13467-17. Houve sucumbência recíproca, atraindo o arbitramento, nos termos do art. 791-A, §3º, da CLT, inclusive de ofício. Assim, considerada a complexidade diminuta da causa, defiro, nos termos do art. 791-A da CLT, honorários de sucumbência para os advogados de ambas as partes, à razão de 10% do valor líquido da condenação, no que tange aos pedidos procedentes, em favor dos advogados da reclamante; e 10% do valor líquido dos pedidos improcedentes, em favor dos advogados da parte reclamada, tudo conforme se apurar em liquidação. No particular, aplico, por analogia, a Súmula 326 do STJ, para considerar que, em havendo procedência parcial de um determinado pedido individualmente considerado (por exemplo, FGTS e os trezenos), não haverá sucumbência recíproca. Em suma, só serão devidos honorários aos advogados da parte reclamada quando um pedido for COMPLETAMENTE improcedente. Fica vedada a compensação de honorários, nos termos do §3º, do art. 791-A da CLT. Não cabe outra espécie de honorários no caso, haja vista o regramento específico. Destaco que os valores devidos aos advogados da parte reclamada deverão ser transferidos dos valores líquidos devidos à parte reclamante, na condenação. Não há honorários sobre os pedidos extintos sem julgamento do mérito. Os juros sobre os honorários, por não serem parcela trabalhista, incidem após o trânsito em julgado, como termo inicial, na esteira do art. 397 do CC.

Liquidação por cálculos, limitada aos valores da inicial, nos termos do art. 840, §1º da CLT. Ou seja, não se poderá extrapolar os valores indicados na inicial liquidada, com exceção de juros, correções, honorários advocatícios ou eventuais multas aplicadas pelo juízo para adimplemento do feito. Eventual extrapolação é considerada renúncia.

Juros e correção serão analisados em eventual fase de execução, nos termos

autorizativos da Súmula 211 do TST.

As contribuições previdenciárias incidirão sobre as seguintes parcelas: 13º

salários do ano de 2018, conforme art. 28 da Lei nº 8.212/91, autorizada a dedução dos valores devidos pela empregada.

Os recolhimentos previdenciários deverão ser efetuados e comprovados na

forma da Lei n° 11.941/09 e dos Provimentos CGJT nºs 01/96 e 02/93 e da Súmula 368 do TST, sob pena de execução direta pela quantia equivalente (artigo 114, inciso VIII, da CR/88).

Autoriza-se, também, a retenção do Imposto de Renda na fonte, sendo que os

descontos fiscais deverão ser recolhidos e comprovados conforme a Lei nº 12.350/10 e Instrução Normativa n. 1500/14, sob pena de expedição de ofício à Receita Federal.

Ressalte-se que os juros de mora não configuram renda e proventos de qualquer

natureza, mas meros componentes indissociáveis do valor total da indenização, motivo pelo qual devem ser excluídos da incidência do imposto de renda, diante de sua natureza indenizatória, conforme previsto no art. 404 do CC 2002 e na OJ 400 da SDI-I do TST.

Também friso que o fato gerador para a contribuição previdenciária, especialmente para efeito de juros, é o pagamento do débito trabalhista, após a liquidação da sentença, na forma do art. 195, I, a, da CRFB-88, sendo que, na visão do juízo, a súmula 368, a IN 1500/14 e o art. 195, I, a, são complementares e não dissidentes.

Expeçam-se ofícios à SRTE, à CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e à Receita Federal, com cópia da decisão, após o trânsito em julgado desta decisão, para a adoção das medidas que aquelas autoridades entenderem cabíveis (art. 631 da CLT e 536 do CPC). Por celeridade processual, a presente sentença já terá força de ofício. OBSERVE A SECRETARIA.

Os recolhimentos serão feitos pela parte reclamada, autorizada a retenção da quota-parte da reclamante, pois entendimento em contrário implicaria em enriquecimento sem causa da parte autora, o que é vedado pelo art. 884 do CC. A controvérsia sobre a responsabilidade pelo pagamento das cotas previdenciárias e fiscais deve obedecer à orientação consubstanciada na Súmula nº 368 do TST, não havendo falar em responsabilidade exclusiva do empregador. Ocorre que há determinação legal imposta ao empregador de recolhimento de parcela correspondente ao imposto de renda e à contribuição previdenciária, cabendo ao empregado a obrigação pelo pagamento dos tributos, sem a transferência desse ônus para o reclamado, pois os sujeitos da obrigação tributária são os empregadores e empregados, razão pela qual cada um deles, diante do crédito trabalhista, responderá por sua cota-parte. Ademais, essa é a diretriz da orientação jurisprudencial nº 363 da SDI-1 do Colendo TST. Friso que não é competência desta Especializada a Contribuição Previdenciária de Terceiros. Friso, ainda, que a cota-parte do empregador deverá obedecer ao disposto no art. 22, §6º, da Lei nº 8.212/91 que prevê que a retenção de 5% sobre todas as receitas recebidas pelo Clube substitui a cota-parte do exempregador devida ao INSS em relação a seus prestadores de serviços. Assim, tal particularidade deverá ser observada em liquidação, devendo o reclamado, tão só, comprovar as

 

retenções do art. 22, §6o, da Lei 8.212/91 para se eximir do recolhimento de sua cota-parte no caso concreto, sob pena de ter que arcar com os recolhimentos regulares devidos, caso não comprove o cumprimento de suas obrigações previdenciárias.

Custas pela parte reclamada no valor de R$ 1.000,00, calculadas sobre o valor

ora arbitrado provisoriamente à condenação de R$ 50.000,00.

Advirto as partes sobre a necessidade de não se usar os embargos de

declaração fora das hipóteses legais, sob pena de atrair as cominações do art. 1026 do CPC.

Ante a antecipação da prolação da sentença, intimem-se as partes por meio de seus advogados.

Encerro.

BRASILIA/DF, 18 de novembro de 2020.

MARCOS ULHOA DANI

Juiz do Trabalho Substituto

 

 

Quando deve ser pago o 13o salário? Ele pode ser antecipado?

Com a proximidade da data do pagamento da primeira parcela do 13º salário, a Amatra 10 fará uma série de posts com esclarecimentos sobre o tema. O primeiro se refere ao prazo para pagamento do 13º salário: quando é? Quando pode ser antecipado?

A princípio o 13º salário deve ser pago em 2 (duas) parcelas, sendo a primeira até o dia 30 de novembro e a segunda até o dia 20 de dezembro de cada ano. Esta previsão está nas leis 4090/62 e 4749/65.

No entanto, o empregador poderá antecipar o pagamento, desde que o faça observando a divisão em no máximo 2 (duas) parcelas.

O empregado tem direito a exigir a antecipação da primeira parcela do décimo terceiro, a fim de que coincida com o pagamento das férias anuais. Todavia, para isso, ele deverá fazer esse requerimento no mês de janeiro do ano correspondente. Se não o fizer, volta-se à regra geral, ou seja, a antecipação dependerá do empregador, que poderá pagar a primeira parcela até 30/11.

A legislação não prevê o pagamento do 13º salário pulverizado ao longo do ano, ou seja, dividido ao longo dos meses.

Nos próximos dias vamos falar do valor do 13º, do pagamento quando há rescisão contratual, da possibilidade de pagar um 14º salário, entre outras questões.

Olhares Interseccionais - Nova coluna de Associada da Amatra 10

A associada da Amatra 10, Wanessa Mendes de Araujo Amorim, Juíza do Trabalho Substituta em Brasília/DF, inaugurou uma coluna no site Migalhas, em conjunto com outros profissionais do sistema de Justiça.

A coluna, chamada de “Olhares Interseccionais”, objetiva a discussão no sistema de justiça de questões pertinentes a raça, gênero, etnia, entre outras questões.

O primeiro artigo tem como título “O (não) lugar da/o negra/o no sistema de justiça brasileiro” e faz uma análise, baseada inclusive em pesquisas numéricas, da participação do/a negro/a nas instituições públicas do sistema de Justiça (Judiciário, MP, Defensoria Pública, etc) e também na Universidade. Vale a leitura!

Para ler, basta copiar o endereço https://migalhas.uol.com.br/coluna/olhares-interseccionais/336042/o--nao--lugar-da-o-negra-o-no-sistema-de-justica-brasileiro e colar em seu navegador.

Artigo trata dos "ciberataques" ao Poder Judiciário Brasileiro

Em tempos de tentativas de ataques a sites públicos, de utilização de vírus, malwares, etc, que levaram, por exemplo, à indisponibilização dos sistemas do Superior Tribunal de Justiça, é de se indagar: isso será constante? Quais os riscos possíveis? Como esse problema deve ser tratado e evitado? Esse tema foi objeto de análise pelo Juiz do Trabalho da 10a Região, Maximiliano Pereira de Carvalho, em artigo publicado na Revista de Direito do Trabalho de março de 2019 (vol. 188, ano 45, página 117-132). Transcrevemos o artigo abaixo. Vale a leitura! 

 

 

OS CIBERATAQUES CONSTITUEM UMA REAL AMEAÇA À JUSTIÇA DIGITAL?

ARE CYBERATTACKS A REAL THREAT TO E-JUSTICE?

MAXIMILIANO PEREIRA DE CARVALHO

Mestrando em Administração Pública. Presidiu o Comitê Gestor de Tecnologia da Informação e das Comunicações da Justiça do Trabalho e coordenou o Processo Judicial eletrônico (PJe) da Justiça do Trabalho no biênio 2016-2017. Juiz Federal do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

ÁREAS DO DIREITO: Penal; Processual

 

RESUMO: Este artigo explora os efeitos da migração do Judiciário para o meio digital, sob o aspecto da defesa nacional. O objetivo buscado é identificar se os ciberataques constituem uma real ameaça à Justiça digital, valendo-se de metodologia de pesquisa bibliográfica e documental (qualitativa), e do método hipotético-dedutivo para encontrar a resposta ao problema proposto. Como resultado, evidencia-se risco inclusive à soberania nacional. Conclui-se com proposição de estratégia para alinhamento entre o Conselho Nacional de Justiça e a Estratégia Nacional de Defesa, com vistas ao sustentável desdobramento da desmaterialização do Judiciário.

PALAVRAS-CHAVE: E-Justiça – Soberania – Ciberataques – Estratégia Nacional de Defesa.

ABSTRACT: This article explores the effects of the Judiciary migration into cyberspace, in terms of national defense. The goal is to identify if cyberattacks are a real threat to e-Justice. Bibliographic and documentary (qualitative) methodology is used, with hypothetical-deductive method to answer the proposed problem. As a result, sovereignty risks are pointed out. In conclusion, a proposal for a strategy of alignment between the Brazilian National Justice Council and the Brazilian National Defense Strategy, with a view to the sustainable unfold of the dematerialization of the Judiciary, is presented.

KEYWORDS: E-Justice – Sovereignty – Cyberattacks – National Defense Strategy.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Marco histórico da informatização do Judiciário. 3. Soberania e a ameaça cibernética. 4. Ciberataques: riscos para a Justiça Digital. 5. Alinhamento entre CNJ e END. 6. Conclusão. Referências.

1.      INTRODUÇÃO

Fundamentada na celeridade processual, a Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006, deflagra o fenômeno da virtualização do Poder Judiciário. A partir disso, paulatinamente vai sendo migrada a entrega da prestação jurisdicional (julgamento de processos) do meio físico para o eletrônico.

Tal mudança acarreta, inclusive, a revisão de toda a principiologia atinente ao Direito Processual, na medida em que a “mutação do meio” (de físico para digital) também altera a forma como os atores processuais se relacionam com o processo.

Assim, conceitos como os de “jurisdição” e “acesso à Justiça” são revisitados. Isso porque o “e-processo” (processo na world wide web) permite, por exemplo, que advogados, juízes e servidores manuseiem o processo virtual em qualquer lugar do globo. Tal característica pode gerar efeitos em todos os pontos do País, o que não ocorria na tramitação física de autos, em que as pessoas necessariamente deveriam se deslocar até o fórum para praticar atos processuais. Nesse sentido, o ajuizamento de ações em meio digital prescinde do deslocamento dos cidadãos aos fóruns.

Entretanto, a migração do Judiciário para o ciberespaço aumenta o risco de lesão à soberania nacional. Afinal, enquanto o funcionamento deste Poder estatal ocorria em meio físico, sua defesa se dava dentro da faixa de fronteira brasileira. Todavia, com a mudança para a world wide web, novas (e desconhecidas) perspectivas carecem de análise, em especial a ameaça de ciberataques.

Quanto ao ponto, o fator de risco que devemos observar diz respeito ao vanguardismo da inovação introduzida pela legislação mencionada, cuja experiência em larga escala ocorre neste momento, de forma primária, somente no Brasil. Apenas experiências esparsas são constatadas em outros países, não existindo política pública estrangeira determinando total digitalização dos serviços Judiciários (SERBENA, 2016).

Nessa ordem de ideias, o cumprimento, pelo Judiciário, dos ditames da supramencionada Lei (e suas consequências) deve estar alinhado à Política Nacional de Defesa (PND), que tem por objetivo primeiro a garantia de soberania, assegurando-se – com isso – a solução pacífica dos conflitos e a democracia. Outrossim, o tangenciamento deve se dar também no que diz respeito à Estratégia Nacional de Defesa (END), uma vez que é esse documento que propicia “a execução da Política Nacional de Defesa”, contribuindo “para fortalecer o papel cada vez mais importante do Brasil no mundo” (END, fls. 1).

Assim, o presente trabalho de conclusão de curso tem o escopo de propor a adequação da estratégia de virtualização do Judiciário à PND, compreendendo-se que tal diálogo é necessário. Inicialmente, por inexistir alinhamento entre a gestão estratégica do Judiciário (institucionalmente atrelada ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ) e a Política. Ainda, por ser a prestação jurisdicional função precípua desse Poder estatal, a qual deve estar salvaguardada de quaisquer ameaças.

Reforça a ideia o fato de a virtualização do Judiciário ensejar riscos de ciberataques (ameaça à soberania), fator previsto na PND. Ou seja, a migração sob enfoque, caso sofra ataque cibernético, gerará consequências nos interesses nacionais e na pacificação social, ambos intangíveis expressamente protegidos pela Política Nacional de Defesa.

Ante o alerta identificado, a imposição da Lei 11.419, de 2006, deve impactar o atual estado de ausência de diálogo formal entre CNJ e Ministério da Defesa, na Estratégia Nacional de Defesa, para passar a estimular o alinhamento da gestão estratégica da desmaterialização do Judiciário com a END.

Com isso, afinal, espera-se encontrar resposta ao seguinte problema: a lei de informatização do processo (Lei 11.419, de 2006), ao deflagrar a migração dos serviços de entrega da prestação jurisdicional para o meio digital, coloca a soberania nacional sob ameaça de ciberataques?

A hipótese colocada à prova é de que a e-Justiça está sob ameaça cibernética, devendo existir alinhamento entre a estratégia de virtualização do Judiciário e a Estratégia Nacional de Defesa, minimizando (e mesmo neutralizando) aspectos periclitantes detectados, de modo a proteger tais fatores de estabilidade do País.

Nesse sentido, o objetivo geral buscado é o de identificar se os ciberataques constituem uma real ameaça à Justiça digital. O iter percorrido para desvelar tal meta perpassa (objetivos específicos) por:

  • traçar o marco histórico da informatização do Judiciário;
  • pesquisar se ciberataques ameaçam a soberania;
  • identificar se os ciberataques configuram riscos à Justiça digital; e
  • propor um alinhamento possível entre CNJ e END.

Para tanto, cita-se como referenciais teóricos a obra organizada pelo Ministro Cláudio Brandão, “Princípios do processo em meio reticular-eletrônico”, além do livro coordenado pelo professor Cesar Antonio Serbena, “Perspectivas Brasileiras e Europeias em e-Justiça”. Ambas remontam a leitura necessária no cumprimento dos objetivos específicos delineados, em especial no que diz respeito ao marco histórico da informatização do Judiciário, além de eventual análise das experiências internacionais comparadas.

Ademais, texto da lavra de Fernando Lira Rigamonte acerca da “Soberania na era cibernética” auxiliará na elucidação do objetivo específico que remonta ao tema. Entre outros referenciais, cita-se artigo produzido por André Lemos (“Ciberespaço e tecnologias móveis. Processos de territorialização e desterritorialização na cibercultura”); livro de Albert-László Barabási (Linked, a nova ciência dos networks); e – notadamente –, obra lisboeta do Instituto da Defesa Nacional (abril de 2018) intitulada “Contributos para uma estratégia nacional de ciberdefesa”, coordenado por Paulo Viegas Nunes.

O estudo desses referenciais permitirá extrair a resposta ao problema proposto, auxiliando o conhecimento e atingimento de cada objetivo específico, bem como servirá de alicerce ao cumprimento do objetivo geral. Em razão disso, a metodologia adotada comportou pesquisa bibliográfica e documental, qualitativa, descrevendo a complexidade do problema e a interação de variáveis.

Adicione-se que a pesquisa se valeu do método hipotético-dedutivo para encontrar a resposta ao problema proposto. Assim, após traçar o marco histórico da migração do Judiciário para o meio digital e ratificar a garantia de soberania como objetivo da Política Nacional de Defesa brasileira, os riscos da virtualização dos serviços jurisdicionais são analisados para, então, propor-se a estratégia de desenvolvimento sustentável da desmaterialização do Judiciário.

2.      MARCO HISTÓRICO DA INFORMATIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO

Ao contrário do que se possa imaginar, a virtualização da Justiça não teve início com a vigência da Lei 11.419, de 2006. Em verdade, já em 2005, a Instrução Normativa 28, de 02 de junho de 2005, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), inaugurou o Sistema Integrado de Protocolização e Fluxo de Documentos Eletrônicos da Justiça do Trabalho (e-DOC).

Antes disso, o que efetivamente permitiu o lançamento da pedra fundamental da imaterialização do Judiciário foi a transformação do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação em autarquia, bem como a instituição da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, por meio da Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto de 2001.

Com o ICP-Brasil, passou-se a garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica. Confirmou-se, ainda, a solidez das aplicações de suporte e das ferramentas habilitadas que utilizam certificados digitais. Ou seja, com a Medida Provisória em questão, o Governo brasileiro tratou de avalizar a realização de transações eletrônicas de modo estável e seguro.

De todo modo, em 2006, novo salto foi dado, dessa vez com a vigência da Lei 11.419, de 2006, que tratou da informatização do processo judicial, alterando o Código de Processo Civil – CPC (Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973) então vigente. Embora, antes disso, já houvesse experiências de tribunais com o processo eletrônico (e.g. e-PROC, CRETA, ProJudi, SUAP, entre outros), foi por meio do Acordo de Cooperação Técnica (ACT) 73, de 15 de setembro de 2009, entre o Conselho Nacional da Justiça[1] (CNJ) e o Conselho da Justiça Federal[2] (CJF), que o Processo Judicial eletrônico (PJe) se institucionalizou.

Outrossim, é interessante deixar registrado que um ano antes do lançamento oficial do Processo Judicial eletrônico (21 de junho de 2011), o Conselho Superior da Justiça do Trabalho[3] (CSJT), pioneiramente, aderiu ao projeto, por meio do Acordo de Cooperação Técnica 51, de 29 de março de 2010.

A partir daí se inicia a ousada meta de elaborar um sistema único de tramitação eletrônica de processos judiciais, para todos os ramos da Justiça.

Ainda, em junho de 2010 (antes, portanto, do lançamento oficial do PJe, em junho de 2011), o CSJT e os 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRT), bem como o TST, firmaram o Acordo de Cooperação Técnica 01, de 29 de março de 2010, de modo que toda a Justiça do Trabalho passasse a integrar o projeto. Para coordenar a adequação do PJe à Justiça do Trabalho, foi instituído, em maio de 2010, comitê gestor destinado ao desenvolvimento, implantação, treinamento e manutenção do Sistema de forma padronizada e integrada, em todas as instâncias.

Nesse passo, a primeira unidade judiciária a instalar o PJe, na fase de conhecimento do processo, foi a Vara do Trabalho de Navegantes (SC), inaugurada em 5 de dezembro de 2011. Na ocasião, todos os procedimentos foram realizados de forma eletrônica, inclusive a ata de inauguração, assinada de forma digital.

Na sequência, o Sistema foi instalado nas Varas do Trabalho de Caucaia (CE), em 16 de janeiro de 2012; e de Várzea Grande (MT), em 8 de fevereiro de 2012. Some-se a isso o fato de que a instalação na Vara do Trabalho de Arujá (SP), em 27 de fevereiro de 2012, encerrou a segunda etapa do projeto, marcando o início de sua expansão em toda a Justiça do Trabalho.

Pontua-se, por oportuno, que o grau de virtualização da Justiça do Trabalho, nesse momento, pouco diferia do que ocorria em outros ramos da justiça. Algo de especial, no entanto, há de ser destacado quanto ao ramo laboral. A posição de vanguardismo marca fortemente a implantação do PJe em cada Tribunal Regional do Trabalho, a ponto de, em apenas quatro anos, todas as Varas do Trabalho tecnicamente aptas a terem o Sistema instalado passarem a usar o PJe.

Nesse sentido, o CNJ editou a Resolução 185, de 18 de dezembro de 2013, a qual prevê uma série de regras gerais, visando à manutenção da ideia de sistema único de tramitação de processo judicial em todos os ramos do Judiciário. Nela, há a determinação a todos os tribunais no sentido de apresentarem cronograma de implantação do PJe, bem como veda-se o investimento (mesmo de manutenção) em quaisquer outros sistemas ou módulos que não o PJe.

Ainda, com o novo Código de Processo Civil – CPC em vigor (Lei 13.105, de 16 de março de 2015), consolida-se a determinação de prática eletrônica de atos processuais (artigos 193-199). Dessa forma, obediente ao CNJ e ao CPC, de 2015, foi a Justiça do Trabalho, a primeira a ter o PJe como plataforma única para o processamento de ações judiciais (em 2017), contando com quase 13 milhões de ações tramitando em meio digital.

Da ótica da cibersegurança, as equipes de tecnologia da informação e comunicação (TIC) do CSJT e Tribunais Regionais do Trabalho sempre se atentaram aos modelos de avaliação segundo as boas práticas do mercado. Não obstante, conforme se verá, a preocupação do Judiciário com a ciberdefesa (conceito diverso de cibersegurança e que com esse se relaciona) praticamente inexiste.

Assim, importa verificar até que ponto a prestação de serviços jurisdicionais no ciberespaço pode impactar a soberania nacional, uma vez que o Judiciário é, na forma do art. 2º da Constituição Federal da República do Brasil (CFRB), Poder da União. E a República, por sua vez, tem a soberania como o primeiro de seus fundamentos (art. 1º, I, CFRB).

3.      SOBERANIA E A AMEAÇA CIBERNÉTICA

Na abordagem do conceito de soberania, destacaram-se Jean Bodin e Thomas Hobbes. Enquanto esse a definiu como monopólio da força de imposição de comportamento, aquele considerava que o Estado não poderia se submeter a outras normas (RIGAMONTE, 2017). Dentro dessas definições, a soberania seria usada para atingir a paz e a ordem social interna e a igualdade entre os Estados na ordem internacional (KOSKENNIEMI, 2006).

Ainda, enquanto Rousseau compreende soberania como “poder absoluto e incontrolável do Estado de agir”, doutrinas contemporâneas consagram o princípio da soberania como poder limitado pelo Direito (PEREIRA, 2004). Do mesmo modo, Hans Kelsen e Karl Schimitt debatem o tema, de modo que:

No sistema de Schmitt, a soberania é a descrição de uma questão de fato e a lei uma consequência normativa da mesma. Em Kelsen, a lei é normativa e a “soberania” apenas uma abreviação descritiva para os direitos. (KOSKENNIEMI, 2006).

Nesse cenário de ideias, não se olvida que, com a tramitação de dados em meio digital, cria-se “um desafio significativo para o exercício da soberania dos Estados no contexto internacional” (MIRANDA, 2004). Com vistas a superar tal desafio, é objetivo nacional de defesa garantir a soberania (fazer valer a vontade nacional e exercer, em última instância, a autoridade do Estado), conforme previsto na Política Nacional de Defesa brasileira, em seu primeiro inciso.

Ainda, a Estratégia Nacional de Defesa prevê que o Brasil concebe sua defesa nacional, entre outros, segundo o posicionamento de “repudiar qualquer intervenção na soberania dos Estados e defender que qualquer ação nesse sentido seja realizada de acordo com os ditames do ordenamento jurídico internacional” (END, fls. 15).

Notadamente, no que diz respeito a intervenções na soberania por meio de ciberataques, um dos setores essenciais para a defesa nacional é o cibernético. Quanto ao ponto, a Estratégia Nacional de Defesa (2012) preconiza que:

No Setor Cibernético, as capacitações destinar-se-ão ao mais amplo espectro de emprego civil e militar. Incluirão, como parte prioritária, as tecnologias de comunicações entre as unidades das Forças Armadas, de modo a assegurar sua interoperabilidade e a capacidade de atuar de forma integrada, com segurança. Essa condição implica aprimorar a Segurança da Informação e das Comunicações e a Segurança Cibernética, em todas as instâncias do Estado, com ênfase na proteção das Estruturas Estratégicas relacionadas à Tecnologia da Informação. Será necessário, portanto, aperfeiçoar o marco legal e as normas afins a essa atividade.

Dessa forma, busca-se fomentar a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação, com foco nas tecnologias que permitam o planejamento e a execução da Defesa Cibernética no âmbito nacional, envolvendo a comunidade acadêmica doméstica e internacional. Tal proposta visa a, primordialmente, contribuir para o esforço de mobilização do potencial nacional na área da Tecnologia da Informação.

Para tanto, deverá ser fortalecida a atuação colaborativa entre o Setor de Defesa e a comunidade acadêmica nacional, os setores público e privado e a Base Industrial de Defesa. Adicionalmente, é importante que sejam intensificadas as parcerias estratégicas e o intercâmbio com as Forças Armadas de outros países, sobretudo daqueles que compõem o entorno estratégico do Brasil.

Destaque-se que a Estratégia Nacional de Defesa ressalta a necessidade de se aprimorar a segurança da informação, das comunicações e cibernética em “todas as instâncias do Estado”, com ênfase nas estruturas estratégicas relacionadas à Tecnologia da Informação e Comunicação.

Nesse sentido, importante lembrar que o Estado é dividido em três partes, conforme previsto no art. 2º da Constituição Federal da República do Brasil, em que se estatui serem “Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

E, no que diz respeito à função jurisdicional, o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) possui capítulo específico sobre “Defesa e Poder Judiciário”. No entanto, a relação entre ambos permeia apenas a matriz da Justiça Militar, além de mencionar eventual cooperação com a Justiça Eleitoral, “para o uso de força federal no apoio ao processo eleitoral” (LBDN, fls. 136).

Diante desse cenário, interessa averiguar até que ponto a ameaça cibernética põe (ou não) em risco a atividade judicante, bem como analisar de que modo é possível dissuadir tais perigos, acaso existentes.

4.      CIBERATAQUES: RISCOS PARA A JUSTIÇA DIGITAL

Com o nascimento da ARPAnet, rede criada pelo departamento de defesa americana e que acabou se tornando a internet que conhecemos hoje, um novo tabuleiro geopolítico desdobrou-se frente aos atores internacionais: – o ciberespaço.

Tal ambiente possui características próprias, em que a tramitação de dados e informações é altamente rápida e de difícil controle. As conexões entre pessoas são exponenciais; e as distâncias se reduzem drasticamente.

O físico romeno Albert-László Barabási, ao escrever o livro Linked, constata o poder dos relacionamentos em rede. Especialmente nas redes “abertas”, isto é, aquelas em que há crescimento em escala e que existe uma clara tendência da formação de hubs (“ponto” ou “nó” de contato altamente conectado) e clusters (agrupamentos de pontos de contato).

No mesmo sentido, o professor da Yale University, Nicholas A. Christakis, narra sobre o fenômeno da sincronização. Nele, evidencia-se a tendência de os nós em uma rede se direcionarem a um determinado padrão, num sistema de fluxos e influxos que levam a um comportamento parecido.

Por exemplo, se o “amigo do amigo do amigo do amigo” de uma determinada pessoa engordar, esse ser humano possui 10% (dez por cento) de chances de aumentar seu percentual de gordura. Da mesma forma, algo tão intangível quanto o estado de humor de um determinado cidadão pode afetar toda a comunidade à sua volta em um raio de até 2km.

Nos hubs e também nos clusters tal característica é potencializada em razão da quantidade de nós direcionados e redirecionados (fluxos e influxos) entre si.

Isso significa, ao tratarmos de defesa nacional contra ciberataques, que há dupla tendência tanto dos grupos de “guerrilheiros cibernéticos”[4], como das forças armadas, os quais põem em prática estratégias para evitar e também buscam ferramentas para dissuasão dos riscos existentes no ciberespaço.

A respeito do ciberespaço, LEMOS (2012) afirma:

O ciberespaço cria linhas de fuga e desterritorializações, mas também reterritorializações [...], nos coloca em meio a diversos problemas de fronteira, agravando as crises de controle de acesso, influindo em todas as demais formas de desterritorializações contemporâneas. A desterritorialização informacional afeta a política, a economia, o sujeito, os vínculos identitários, o corpo, a arte. A internet é, efetivamente, máquina desterritorializante sob os aspectos político (acesso e ação além de fronteiras), econômico (circulação financeira mundial), cultural (consumo de bens simbólicos mundiais) e subjetivo (influência global na formação do sujeito). Estão em marcha processos de desencaixe e de compressão espaço-tempo.

A função do Estado é estriar o espaço, controlá-lo, ou “de se servir des espaces lisses comme d’um moyen de communication au servisse d’um space strié” (DELEUZE e GUATTARI, 1980). O ciberespaço pode ser pensado sobre esse aspecto, como espaço estriado, controlado e vigiado. Ele é controlado por mecanismos técnicos, é gerenciado por instituições governamentais privadas. No entanto, a dinâmica social não para de mostrar linhas de fuga e possibilidades de des-re-territorializações, como ações ciberativistas [...] O ciberespaço pode assim ser visto também como um espaço nômade [...].

Diante dessas características, mister se faz pensar na proteção e defesa do ciberespaço, já que o Brasil é o sétimo país a sofrer maior quantidade de ciberataques no mundo (no ano de 2017), segundo o Relatório de Ameaças à Segurança na Internet; e o terceiro que mais dissemina ameaças por spam (assumindo o quarto lugar, ao quantificarmos por robôs virtuais)[5].

Ademais, a ciberguerra não é mera ilação e já causou impactos em ao menos três oportunidades (RAMOS, 2013):

  • Stuxnet (2010): vírus que infectava o sistema operacional Windows, atacando especificamente software produzido pela Siemens e máquinas localizadas no Irã, afetando diretamente centrais de produção de material nuclear no país;
  • Ciberataques à Estônia, no ano de 2007, em que o Parlamento e todos os bancos, jornais, rádios e telecomunicações do país foram afetados, sendo essa a primeira vez em que um ataque de negação de serviços pôs em risco a segurança de toda a nação (GRAÇA, 2013); e
  • Guerra Russo-Georgiana (2008): primeiro caso em que um conflito internacional político e militar foi acompanhado, ou mesmo precedido por uma ofensiva de ataques cibernéticos (GRAÇA, 2013).

No que diz respeito à Justiça Digital, a experiência internacional mostra foco primordial no controle da informação processual, notadamente na medida em que “expedientes judiciais contêm informações muito sensíveis que devem ser devidamente guardadas” (GALINDO, 2016).

A exceção da experiência austríaca, a tramitação digital de autos na Itália, Espanha e Finlândia ocorre essencialmente na rede mundial de computadores (SERBENA, 2016). Já na Áustria, utiliza-se a Rede Corporativa Austríaca (CNA), que funciona separadamente da internet (SCHWEIGHOFER, 2016).

O Brasil, por sua vez, segue a regra geral de preservação de dados sensíveis, optando pelo funcionamento do Sistema Processo Judicial eletrônico (PJe) na world wide web, sem preocupação específica quanto à defesa face a malwares ou outras ciberarmas. É o que se depreende da leitura da Resolução CNJ 185/13, bem como dos acordos de cooperação técnica firmados entre CNJ e demais órgãos de administração da Justiça, alhures especificados.

Importante pontuar que existem ações de proteção levadas a efeito pelo Judiciário quanto à cibersegurança, seja na adoção de selos ISO e mesmo observando modelos de avaliação e boas práticas do mercado. No entanto, no que diz respeito a cibersegurança, pouco se voltou o Judiciário para tais questões, assunto aprofundado no tópico 5 desta pesquisa.

Registre-se, inclusive, que sites de Tribunais brasileiros já ficaram fora do ar em função de ciberataque. É o que narra notícia publicada em 15.05.2017 pelo portal G1[6], em que ficou consignado:

Após o ciberataque mundial que atingiu ao menos 150 países na sexta-feira (12), os sites dos Tribunais de Justiça de Roraima e do Espírito Santo ficaram fora do ar na manhã desta segunda-feira (15).

Os ataques atingiram hospitais públicos na Inglaterra, causaram a interrupção do atendimento do INSS e afetaram empresas e órgãos públicos de 14 estados brasileiros mais o Distrito Federal.

O INSS informou que o ataque pode “ocasionar atrasos pontuais no atendimento das agências” de todo o país porque o sistema está sendo reiniciado aos poucos em Brasília. O órgão declarou ainda que nenhuma informação de contribuintes foi acessada pelos hackers. Agências do INSS no Paraná ficaram sem sistema e sem atendimento nesta segunda.

O site do Tribunal de Justiça de Roraima voltou a funcionar às 11h (12h de Brasília), seguindo a previsão indicada por eles horas antes. Os prazos processuais foram suspensos de sexta-feira (12) a domingo (14).

Já o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ-ES) informou via assessoria que a presidência da Corte ainda apura os prejuízos com a suspensão do sistema e não pode afirmar se algum prazo processual foi suspenso.

No Espírito Santo, além do TJ-ES, o Ministério Público estadual (MP-ES) e a Prefeitura de Vila Velha tiraram seus sites do ar como medida preventiva de segurança. Na manhã desta segunda, os sites do MP-ES e da Prefeitura de Vila Velha funcionavam normalmente. Além dos dois sites, na sexta-feira, logo após o ataque, os Tribunais de Justiça de São Paulo, Sergipe, Amapá, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Piauí, Bahia e Santa Catarina, além do Ministério Público de São Paulo, também haviam tirado suas páginas do ar [...]. (grifo nosso).

Diante desse cenário, o Governo brasileiro tem se preocupado com a guerra eletrônica e, desde 2015, fomenta o Comando de Defesa Cibernética (ComDCiber), “tendo como principal objetivo a proteção e defesa dos ativos de informação da administração central do Ministério da Defesa”[7].

Quanto ao ComDCiber, o então chefe da Divisão de Operações Conjuntas do Estado-Maior do Comando de Defesa Cibernética, coronel-aviador Paulo Sérgio Porto, observou, em outubro de 2017, que:

A segurança é um objetivo contínuo das organizações de forma que continuamente buscamos estabelecer critérios de risco inerentes aos ativos da informação, e realizar seu gerenciamento, os reduzindo às infraestruturas críticas da informação de interesse da defesa nacional, bem como contribuir para a segurança dos ativos de informação da Administração Pública Federal no que se refere à segurança cibernética situados fora do âmbito do Ministério da Defesa[8]. (grifo nosso).

Nesse sentido, diante da real ameaça de ciberataques ao Estado brasileiro; e tendo em vista que o Poder Judiciário está em franco processo de desmaterialização, migrando – em larga escala – para o ciberespaço, mister se faz consolidar estratégia sustentável de virtualização segura dos serviços jurisdicionais.

5.      ALINHAMENTO ENTRE CNJ E END

Para que CNJ e Ministério da Defesa possam se alinhar no que diz respeito ao combate a ciberataques, é importante definir – primeiro – os conceitos de cibersegurança e ciberdefesa. Tal se dá em razão de que não se nega que o Poder Judiciário possui equipes de Tecnologia da Informação e Comunicação preparadas para garantir a estabilidade das redes em que os serviços do Judiciário são prestados. Entretanto, há aspectos de estratégia (planejamento e combate) afetos às Forças Armadas, os quais não são de domínio dos servidores de TIC dos Tribunais.

Nesse sentido, “cibersegurança” remonta “ao conjunto de medidas que procuram garantir o bem-estar e o regular funcionamento da ação de um Estado e das suas populações no ciberespaço e fora dele, desde que derivado de ações diretamente a ele acometidas” (MILITÃO, 2014). Em contrapartida, a “ciberdefesa” está diretamente relacionada à “ciberguerra”, combatendo os cibercrimes[9], ciberterrorismo[10], ciberespionagem[11] e o hacktivismo[12], os quais se voltam à desestruturação – em algum grau – do Estado.

Enquanto a cibersegurança possui padrões de conformidade a serem seguidos pelos órgãos públicos, tais como as normas ISO 27000[13], a ciberdefesa é assunto novo, que depende primordialmente de transferência de know-how e trabalho em cooperação com as Forças Armadas (FFAA).

Apenas para que se tenha uma ideia, dos 35 países que compõem as Américas do Norte, Central e do Sul, 22 não possuem uma Estratégia Nacional de Ciberdefesa. Apenas, a partir de 2015, os Estados Unidos da América criaram o departamento de estudos em ciberdefesa da Universidade de Defesa Nacional dos EUA. E, ainda hoje, a disciplina de segurança cibernética é optativa no programa acadêmico do Colégio Interamericano de Defesa (CID)[14].

A partir daí, analisados os riscos da virtualização dos serviços jurisdicionais, propugna-se pela estratégia de desdobramento sustentável da desmaterialização do Judiciário. As diretrizes desse plano encontram fundamentação na Orientação Política para Ciberdefesa do Ministério da Defesa português, as quais são consolidadas em perspectivas de (NUNES, 2018):

  • Estabelecimento da estrutura de ciberdefesa nacional;
  • Integração das operações no ciberespaço no âmbito das capacidades militares;
  • Conduzir todo o espectro de operações militares no ciberespaço;
  • Reforçar a capacidade de informações no ciberespaço;
  • Desenvolver um sistema de alerta imediato e partilha de informação aos vários níveis e patamares de decisão;
  • Promover uma cultura de gestão do risco por meio da incorporação de requisitos de gestão de risco nas aquisições a realizar e na cadeia de abastecimento; e
  • Centralizar a formação e o treino em ciberdefesa e adequar a gestão dos recursos humanos de modo a garantir a sua permanência nessas atividades.

Assim, para que o Ministério da Defesa e o Conselho Nacional de Justiça dialoguem de forma eficiente, promovendo a ciberdefesa do Poder Judiciário, propõe-se a implementação de estratégia bifásica, amparada na ciberestratégia do Departamento de Defesa norte-americano[15], bem como na Estratégia Nacional para Segurança do Ciberespaço portuguesa[16]:

Fase 1: assinatura de Acordo de Cooperação Técnica, visando:

a) o completo diagnóstico de vulnerabilidade das redes do Poder Judiciário, a ser levado a cabo pelo Comando de Defesa Cibernética (ComDCiber) do Exército Brasileiro;

  • diagnóstico de vulnerabilidade do Sistema Processo Judicial eletrônico (PJe);
  • capacitação das equipes de TIC do Poder Judiciário para – sob coordenação do ComDCiber – atuar na prevenção de ciberataques; e
  • participação do Judiciário em exercícios simulados de proteção a ciberataques, tais como o “Guardião Cibernético”.

Fase 2: assinatura de Termo de Execução Descentralizada, com o propósito de: a) hospedagem de dados do Judiciário em co-site com o ComDCiber; e

b) uso de serviço de transmissão de dados em nuvem disponibilizado pelo Exército Brasileiro.

Em suma, são garantidas a proteção, a resiliência e a segurança das redes do Judiciário contra ciberataques. Outrossim, assegura-se que, se necessário, o Ministério da Defesa possui capacidade de exploração proativa das mencionadas redes, impedindo ou dificultando o uso hostil contra o Judiciário.

Assim, contribui-se, em cooperação, para a ciberdefesa nacional.

6.      CONCLUSÃO

A partir dos argumentos expendidos neste artigo, denotam-se os efeitos da migração dos serviços jurisdicionais para o meio digital, a partir do comando inserido na Lei de Informatização do Processo (Lei 11.419, de 2006), notadamente sob o aspecto da defesa nacional.

Demonstrado que é objetivo nacional de defesa garantir a soberania brasileira, faz-se valer a vontade nacional e o exercício, em última instância, da autoridade do Estado, tudo conforme previsto na Política Nacional de Defesa brasileira. Pontuado que a Estratégia Nacional de Defesa repudia qualquer intervenção na soberania dos Estados, sobreleva-se a necessidade de se aprimorar a segurança da informação, das comunicações e cibernética em “todas as instâncias do Estado”, com ênfase nas estruturas estratégicas relacionadas à Tecnologia da Informação.

Outrossim, evidencia-se que há potencial ameaça à soberania, aos interesses nacionais e mesmo à paz nacional, especificamente no que atine a ciberataques. Tal se dá por meio de registros noticiados de ciberataques ao Judiciário, bem como com a instituição do Comando de Defesa Cibernética (ComDCiber), em 2015, o qual tem como objetivo (entre outros) contribuir para a segurança dos ativos de informação da Administração Pública Federal, no que se refere à segurança cibernética, situados fora do âmbito do Ministério da Defesa.

Dessa forma, com amparo na ciberestratégia do Departamento de Defesa norte-americano, bem como na Estratégia Nacional para Segurança do Ciberespaço portuguesa (esta última inspirada nas perspectivas da Orientação Política para Ciberdefesa do Ministério da Defesa português), propugnou-se pela implementação de estratégia bifásica. A formalização proposta ocorre por meio da assinatura de termo de acordo de cooperação técnica (fase um) e de termo de execução descentralizada (fase dois), ambas explanadas no tópico cinco deste artigo.

Com tais ações, espera-se – enfim – dar o passo inicial rumo à proteção robusta do Estado em âmbito digital, garantindo-se a soberania, o interesse nacional e a paz nacional, além de assegurar que outros Poderes estatais, caso desejem, iniciem ou deem continuidade ao processo de migração de seus serviços ao ciberespaço.

REFERÊNCIAS

BARÁBASI, Albert-Lásló. Linked, a nova ciência dos Networks – como tudo está conectado a tudo e o que isso significa para os negócios, relações sociais e ciências. São Paulo: Editora Leopardo, 2009.

BRANDÃO, Cláudio et al. Princípios do processo em meio reticular-eletrônico. São Paulo: LTR, 2017.

BRASIL, Ministério da Defesa. Política nacional de defesa: estratégia nacional de defesa. Brasília: Ministério da Defesa, 2012.

CHRISTAKIS, Nicholas A. Connected – the surprising power o four social networks and how they shape our lives. Nova Iorque: Back Bay Books, 2009.

GALINDO, Fernando. Administración de Justicia em España: algunos datos. Curitiba: UFPR, 2016.

GRAÇA, Pedro José Bentes. O ciberataques como guerra de guerrilha – o caso dos ataques DOS/DDOS à Estônia, Geórgia e Google/China. Lisboa: ISCSP, 2013.

KOSKENNIEMI, M. From Apology to Utopia: The Structure of International Legal Argument. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.

LEMOS, André. Ciberespaço e tecnologias móveis. Processos de territorialização e desterritorialização na cibercultura. Salvador: UFBA, 2012.

MILITÃO, Octávio Pimenta. Guerra da Informação: a cibersegurança, a ciberdefesa e os novos desafios colocados ao sistema internacional. Lisboa: FCSH, 2014.

MIRANDA, N. Globalização, Soberania Nacional e Direito Internacional. R. CEJ, Brasília, n. 27, Out-Dez./2004.

NASCIMENTO, André Jansen do. A política de defesa como política pública no Brasil. Fórum administrativo, v. 15, n. 177, p. 9-26, nov. 2015.

NUNES, Paulo Viegas. Contributos para uma estratégia nacional de ciberdefesa. R. IDN, Lisboa, n. 28, abr./2018.

PEREIRA, A. C. A. Soberania e Pós-Modernidade. O Brasil e os Novos Desafios do Direito Internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

RAMOS, Hugo. Ciberguerra: Apropriação da tecnologia hoje, hegemonia das nações amanhã. Lisboa: ISCTE, 2013.

RIGAMONTE, Fernando Lira. A soberania na era cibernética. Lavras: UFLA, 2017.

SCHWEIGHOFER, Erich. Central european experiences in e-Justice, in particular in Austria. Curitiba: UFPR, 2016.

SERBENA, Cesar Antonio. Perspectivas Brasileiras e Europeias em e-Justiça. Curitiba: UFPR, 2016.

PESQUISAS DO EDITORIAL

Veja também Doutrina

  • Os crimes digitais sob a vertente do código penal brasileiro, de Dayane Karla Barros de Farias Duarte e José Armando Ponte Dias Junior – RTNE 7/277-291 e RTNE 8/227-291 (DTR\2014\21275);
  • Processo judicial eletrônico e inclusão digital para acesso à justiça na sociedade da informação, de Alexandre Henrique Tavares Saldanha e Pablo Diego Veras Medeiros – RePro 277/541-561 (DTR\2018\9002); e

Segurança da informação no processo eletrônico e a necessidade de regulamentação da privacidade de dados, de José Carlos de Araújo Almeida Filho – RePro 152/165-180 (DTR

 

[1] . O CNJ é órgão de controle administrativo, financeiro e orçamentário de todo o Poder Judiciário, previsto na Constituição de 1988 para exercer tal mister, sob presidência do Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).

[2] . O CJF é órgão de controle administrativo, financeiro e orçamentário da Justiça Federal comum, previsto na Constituição de 1988 para exercer tal mister sobre os Tribunais Regionais Federais, sempre sob a presidência do Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Subordina-se, assim, ao CNJ.

[3] . O CSJT é órgão de controle administrativo, financeiro e orçamentário da Justiça Federal do Trabalho, previsto na Constituição de 1988 para exercer tal mister sobre os Tribunais Regionais do Trabalho, sempre sob a presidência do Ministro Presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Subordina-se, assim, ao CNJ.

[4] . Expressão usada por Pedro José Bentes Graça na Dissertação de Mestrado e Estratégia de título “O Ciberataque como Guerra de Guerrilha – O Caso dos Ataques DoS/DDoS à Estônia, Geórgia e ao Google – China” (2013).

[5] . Disponível em: [oglobo.globo.com/economia/brasil-setimo-pais-com-mais-ciberataques-no-mundo-diz-pesquisa-22531087]. Acesso em: 20.07.2018.

[6] . Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/sites-de-tribunais-brasileiros-seguem-fora-do-ar-apos-ciberataque.ghtml]. Acesso em: 23.07.2018.

[7] . Disponível em: [br.sputniknews.com/brasil/201710319728852-tecnologia-militares-cooperacao-ciberataques-internet-soberania/]. Acesso em: 20.07.2018.

[8] . Disponível em: [br.sputniknews.com/brasil/201710319728852-tecnologia-militares-cooperacao-ciberataques-internet-soberania/]. Acesso em: 20.07.2018.

[9] . Aproveitamento ilícito das potencialidades conferidas pelo ciberespaço.

[10] . Prática do terrorismo no ciberespaço.

[11] . Método utilizado por Estados para prevenirem ataques e potenciarem o seu crescimento econômico, por meio da realização de ataques que procuram recolher informações que promovam um reconhecido poder estratégico (MILITÃO, 2014).

[12] . Intrusos de sistemas, com objetivos variados.

[13] . Séries de recomendações publicadas em conjunto pela organização internacional de padronizações (ISO) e comissão internacional de eletrotécnica (IEC), voltadas especificamente para a gestão da segurança da informação.

[14] . Dados extraídos de palestra ministrada em 17.09.2018 no Colégio Interamericano de Defesa, pelo Professor Doutor Roberto Pereyra Bordon.

[15] . Disponível em: [dod.defense.gov/Portals/1/features/2015/0415_cyber-strategy/Final_ 2015_DoD_CYBER _STRATE GY_for_web.pdf]. Acesso em: 17.09.2018.

[16] . Disponível em: [dre.pt/home/-/dre/67468089/details/maximized?p_auth=pKf7McIZ]. Acesso em: 17.09.20

Trabalho como mesário dá direito a folga?

O trabalhador que trabalha nos dias de eleições, por força do artigo 98 da Lei 9504/97, tem direito a compensar os direitos trabalhados, em dobro, sem perda de remuneração. Caso tenha havido convocação pela Justiça Eleitoral para treinamento, o dia de treinamento do mesário também será objeto de compensação perante o seu empregador, em dobro.

O empregador, portanto, deverá conceder a folga ao trabalhador, o quanto antes possível, sem prejuízo de sua remuneração. Esses dias de compensação, como serão dias de falta justificada ao trabalho, também não podem ser considerados para fins de fruição de férias, ou seja, não impactam a quantidade de dias de férias devido.

A folga, por óbvio, deve ser concedida em um dia em que haveria o trabalho normal pelo trabalhador, sendo vedada a sua concessão em dias em que o trabalhador já estaria de folga, como feriados.

Ainda que haja a comprovação de que o mesário foi convocado para o serviço eleitoral, é oportuno que ele apresente ao empregador a comprovação de que efetivamente trabalhou durante a eleição e em quais dias. Isso poderá ser feito por declaração expedida pela Justiça Eleitoral.

Ser mesário é um exercício ativo de cidadania, uma honra para aquele que é convocado!

28 de outubro - Dia do Servidor Público

28 de outubro - Dia do Servidor Público

Como seria a sociedade sem o servidor público?

Como não teríamos policiais, quem faria o atendimento nos casos urgentes, envolvendo crimes?

Como não teríamos bombeiros, quem combateria as queimadas e incêndios?

Como não teríamos juízes, quem resolveria os conflitos que não foram sanados pelos próprios interessados?

Como não teríamos fiscais, quem avaliaria o risco de produto, de alimentos, etc, para a sua liberação ao comércio?

Como não teríamos professores públicos, quem poderia ter acesso à universidade e às escolas?

Como não teríamos médicos e enfermeiros públicos, como as pessoas humildes teriam acesso a tratamentos de saúde?

Esses são apenas alguns exemplos de inúmeros que poderíamos citar e que evidenciam a importância do servidor público para a sociedade.

Não há sociedade desenvolvida, civilizada e pacificada quando não há respeito e valorização ao servidor público.

Parabéns aos servidores e servidoras pelo seu dia!

Competência da Justiça do Trabalho - ações de empregados da ECT discutindo a despedida imotivada

Artigo jurídico da Presidente da Anamatra, Juíza Noemia Porto, e do Diretor de Informática, Juiz Marco Aurélio Treviso, trata da tema 606, de repercussão geral no STF, que discute a competência para julgar mandado de segurança voltado contra ato de dirigente dos Correios, que despediu sem justa causa empregados que se aposentaram voluntariamente. O artigo destaca que a decisão de reconhecimento da repercussão geral tomou de perplexidade a comunidade jurídica, posto que era pacífica a competência da Justiça do Trabalho para tratar do tema. 

Veja o artigo, que segue abaixo (ele foi originariamente publicado no site JOTA, em 19/10/2020). Vale a leitura!

 

Empregados públicos e o princípio da unidade de convicção

Análise do caso do Tema 606 do STF e a competência da Justiça do Trabalho

NOEMIA PORTO

MARCO AURÉLIO MARSIGLIA TREVISO

Encontra-se em julgamento perante o Supremo Tribunal Federal (STF) tema relevante afeto à Justiça do Trabalho e, portanto, de extrema importância para compreender o seu papel constitucional de garante dos direitos sociais. A depender do resultado do julgamento, é possível que se consolide interpretação que fragiliza o alcance da EC 45/2004, que completou 15 anos.

A mencionada alteração constitucional teve inegável propósito de ampliar o rol de matérias que são apreciadas pela Justiça do Trabalho. Até então, dizia-se que a competência deste ramo especializado, como regra, se baseava num critério meramente subjetivo, ligado à relação jurídica das pessoas envolvidas no litígio: o trabalhador (ou, melhor, o ex-trabalhador) e seu empregador.

Com o advento da EC 45/2004, o critério passou a ser outro. O viés, de natureza meramente subjetiva, passou agora a ser objetivo. A partir de tal emenda, todas as matérias oriundas da relação de emprego passaram a ser julgadas por este ramo especializado do Poder Judiciário, inclusive quando praticadas pela administração pública direta e indireta, ressalvando-se apenas as relações tipicamente estatutárias (ADI 3395/STF).

Além disso, a Justiça do Trabalho tornou-se competente para apreciar toda e qualquer matéria que esteja afeta à jurisdição trabalhista. Houve uma efetiva ampliação do rol de atribuições para alcançar todas as controvérsias decorrentes das relações de trabalho, e não apenas do contrato de emprego. O legislador constituinte derivado reformador esteve atento às mudanças do mundo do trabalho e, portanto, ao advento de novas e renovadas formas que envolvem o trabalho humano.

Observando o comando constitucional ampliado, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), responsável pelo julgamento de con itos de competência (art. 105, I, “d”, da Constituição), paci cou-se o entendimento de que, em relação à administração pública, a distribuição da competência é feita de acordo com o regime jurídico adotado pelo respectivo órgão. Assim, nos casos em que a administração pública (direta ou indireta) adota o regime jurídico celetista, competirá à Justiça do Trabalho apreciar e julgar todas as controvérsias daí decorrentes.

Nada obstante, surpreendentemente, nos autos do RE 655.283, foi reconhecida a repercussão geral (Tema 606) para um assunto que, no âmbito da Justiça do Trabalho, e do STJ, encontrava-se paci cado. Abre-se uma discussão que, até então, estava com a jurisprudência estável e coerente, como assim determina o artigo 926 do CPC. No caso, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) publicou um ato promovendo a dispensa de trabalhadores que tinham se aposentado voluntariamente.

Contra a dispensa, foi impetrado mandado de segurança questionando o ato praticado pela empresa pública, que implicou na extinção do contrato de emprego, cuja regência pelo regime celetista é inquestionável. A propósito, o art. 114, IV, prevê a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento dos mandados de segurança quando o ato questionado envolver matéria sujeito à sua jurisdição.

A possibilidade, ou não, de cumulação de proventos de aposentadoria com os rendimentos decorrentes do trabalho, por força de dispositivos constitucionais, é situação afeta àquilo que se denomina de mérito da demanda. Ou seja, é a análise da (in)correção do direito postulado pelo trabalhador. Saber se a aposentadoria rompe ou não a relação empregatícia das empresas públicas ou outros órgãos da administração pública que adotam o regime celetista é matéria apreciada diariamente pela Justiça do Trabalho, a partir dos elementos de convicção que são coletados.

O ato praticado, no caso em concreto, visou colocar m à relação de emprego com os trabalhadores. É inegável que este ato está afeto ao controle da Justiça do Trabalho, responsável por analisar todas as consequências daí advindas. A nal, sendo válido o ato, será na Justiça do Trabalho que esses ex-empregados públicos postularão o pagamento das parcelas decorrentes; se inválido o ato, farão jus ao retorno ao trabalho; além disso, será na Justiça Especializada que tais empregados públicos poderão reclamar qualquer direito inadimplido durante a relação empregatícia. A conclusão é lógica: a legalidade ou não do ato e todas as suas consequências devem ser apreciadas por um único ramo do Poder Judiciário, no caso, a Justiça do Trabalho, observando-se, a propósito, o princípio da unidade de convicção.

Sob a luz de um sistema coerente de precedentes, é importante recordar que em 2005, quando do julgamento do Con ito de Competência 7204, os Ministros do STF reconheceram, em mais um embate que envolvia a Justiça do Trabalho, o mencionado princípio da unidade de convicção, justamente porque a divisão de competência não favorece a aplicação da justiça, pois cria a possibilidade de divergência de decisões para situações que decorrem da mesma relação jurídica base, se proferidas por órgãos distintos, o que causa impacto malé co para o jurisdicionado e afeta a credibilidade do próprio do Poder Judiciário.

É importante que o próprio STF leve a sério os seus próprios precedentes e a ampliação da competência da Justiça do Trabalho promovida há mais de 15 anos.

NOEMIA PORTO – Juíza do Trabalho (TRT/10). Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho.
MARCO AURÉLIO MARSIGLIA TREVISO – Juiz do Trabalho (TRT/3). Diretor de Informática da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho

 

 

PROTEGER QUEM EDUCA É VALORIZAR O FUTURO!

A Escola Judicial do TRT10, com a participação intensa dos Magistrado Sandra Nara Bernardo Silv, Mário Caron, Maurício Westin Costa, Francisca Brenna Nepomuceno fez um evento excepcional na última sexta.

Foram mais de 1100 participantes simultâneos no Youtube, em evento sobre o teletrabalho na educação, com ampla participação das escolas públicas do Tocantins, e também algumas do DF.

A abertura foi com a fala contundente e precisa do Presidente Brasilino. Realmente de encher os olhos e os ouvidos! Do evento saiu a Carta Aberta de Araguaína, que dividimos com vocês. Seguem também os links do Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=Kg3Zhc2SX6U e https://www.youtube.com/watch?v=8Qq6y0ItU5E.

Parabenizamos todos os envolvidos nessa bela iniciativa!

 

CARTA ABERTA DE ARAGUAÍNA, ESTADO DO TOCANTINS

OUTUBRO DE 2020.

“PROTEGER QUEM EDUCA É VALORIZAR O FUTURO - Um olhar multidisciplinar sobre o teletrabalho e o(a) trabalhador(a) da educação em tempos de pandemia”.

Os(as)  trabalhadores(as), em sua maioria professores(as), participantes do webinário “Trabalho Seguro: Proteger Quem Educa é Valorizar o Futuro - Um olhar multidisciplinar sobre o teletrabalho e o(a) trabalhador(a) da educação em tempos de pandemia”, promovido pela Comissão do Trabalho Seguro e pela Escola Judicial do egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região com o apoio do Foro Trabalhistas de Araguaína/TO e com a participação do Estado do Tocantins, Distrito Federal e de municípios do Estado do Tocantins,  RESOLVEM tornar pública a presente carta aberta, nos seguintes termos:

1) REAFIRMAM E ATUALIZAM posições e propostas aprovadas na “Carta de Araguaína de 2019” porque se fazem necessárias no cenário atual ainda mais grave. São elas:

1.1) DENUNCIAM a precarização de todas as políticas públicas relacionadas ao trabalho digno, incluindo a prevenção de acidentes de trabalho e a proteção à saúde do(a) trabalhador(a), em especial  o(a) trabalhador(a) professor(a).

A realidade da pandemia potencializou a precarização do já desvalorizado trabalho docente quando exige, à míngua de  um debate coletivo, versatilidade formativa, tecnológica, emocional e pessoal sem a devida contrapartida valorativa moral e financeira, quadro que impactará negativamente a educação.

1.2) REGISTRAM a importância da construção do trabalho decente, previsto nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS – Objetivo 8.8), definidos na Agenda 2030 das Nações Unidas para implantação até o ano de 2030, que contou com a efetiva participação do Brasil e que consiste na criação de oportunidades para que mulheres e homens, independentemente de nacionalidade, possam obter trabalho em condições de igualdade, liberdade, segurança e, principalmente, com respeito à dignidade do ser humano e, assim, gerar produção com qualidade, tudo com o fito de eliminar a pobreza e as desigualdades sociais, sem prejuízo da sustentabilidade e da normalidade democrática.

1.3) ENTENDEM que a educação, que passa necessariamente pela valorização do magistério em todos os níveis, é o principal caminho a ser percorrido para a construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária, na forma determinada pela Constituição Federal.

Educação e trabalho digno são condições essenciais para erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais. A valorização social do trabalho humano e da livre iniciativa, na qual se funda a ordem econômica ( CF art. 170) se realiza, dentre outros princípios, pela defesa ao meio ambiente, tema que está clamando por maior atenção.

1.4) REVELAM que o individualismo e, assim, o isolamento social determinado pelo uso indiscriminado da tecnologia, potencializam o transtorno mental, que encontra números alarmantes para os profissionais da educação.

Esse cenário é agravado diante da pandemia que assola o mundo, conforme alerta da Organização Mundial da Saúde.

1.5) APONTAM que o assédio é fruto de violência organizacional e não individual, sendo importante a construção de laços de amizade, constante diálogo, de participação efetiva, de cooperação e solidariedade, para a melhoria do ambiente de trabalho.

Ações são necessárias através de políticas públicas que envolvam formação dos gestores, estabilidade e constituição de canais seguros de denúncias, averiguação e mitigação.

1.6) REGISTRAM a importância do adensamento do convívio social direto como indispensável política pública, justamente para combater o “isolamento tecnológico”, inclusive como estratégia coletiva para evitar o adoecimento no trabalho, tão logo se extinga o quadro da pandemia.

1.7) CONSTATAM que a prevenção é a melhor forma de proteger a saúde do(a) trabalhador(a) e essa compreensão deve nascer ainda na escola, como forma de “incorporar a temática da segurança e saúde no trabalho já no início da formação da consciência de cidadania”.

A melhor forma de ensinar as futuras gerações sobre saúde do(a) trabalhador(a) é ter o parâmetro do trabalho dos(as) professores(as). Assim, a retórica teórica terá efeito quando percebido o exemplo.

2) SUGEREM, no plano individual e em face da ansiedade, a utilização de ferramentas mentais onde os problemas não sejam encarados como danos ou ameaças, mas como desafios; o questionamento do pensamento seja uma constante e o gerenciamento das emoções constitua-se filtro importante entre o sentir e o agir.

3) ENTENDEM, sob a perspectiva da ergonomia, ser obrigação do tomador dos serviços preocupar-se com o ambiente de realização do teletrabalho que, comprovadamente, afeta a saúde do trabalhador.

4) ALERTAM que o adoecimento do docente contribui para o adoecimento do(a) estudante e a resolução do tema passa pelo afeto.

5) PONTUAM a importância de reconhecer que as relações de trabalho seguem atravessadas pela desigualdade política e econômica entre homens e mulheres, inclusive no magistério, onde estas últimas são maioria. Na rotina de milhares de trabalhadoras, o acúmulo de jornadas intensas de trabalho com o cuidado solitário e desgastante com a casa e com os(as) filhos(as) intensifica obstáculos para o seu desenvolvimento profissional e determina impacto na saúde.

6) ACREDITAM que a redução da judicialização na sociedade brasileira não passa pela inserção de obstáculos legais ou jurisprudenciais ao acesso dos(as)  trabalhadores(as) ao Judiciário, mas pela compreensão plena, através da EDUCAÇÃO, dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho e da livre iniciativa, sendo essa a compreensão da diretriz estampada na Meta nº 9 do Conselho Nacional de Justiça quando trata do trabalho decente previsto na Agenda 2030.

7) PROCLAMAM, SEMPRE, nos termos da Constituição Federal (art. 216) e de forma simbólica, que o MAGISTÉRIO, ENQUANTO INSTITUIÇÃO, BEM COMO O(A) PROFESSOR(A), SÃO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL – DA HUMANIDADE – E  TAMBÉM, DESSA FORMA,  DEVEM SER ENTENDIDOS(AS), RESPEITADOS(AS) E PROTEGIDOS(AS). “PROTEGER QUEM EDUCA É VALORIZAR O FUTURO.”

                                                               Araguaína/TO, Estado do Tocantins e seus municípios, Distrito Federal, 09 de outubro de 2020.

11 de outubro - Dia Nacional do Deficiente Físico

No dia 11 de outubro comemora-se o Dia Nacional do Deficiente Físico. É um dia para reflexão e ação quanto à inclusão do Deficiente Físico na sociedade, a fim de lhe assegurar tratamento digno e o exercício amplo de sua individualidade e cidadania.

Como o trabalho é fator importantíssimo de exercício da personalidade e da cidadania, a legislação trabalhista traz normas que tratam especificamente do trabalhador deficiente físico.

A Constituição Federal, em seu artigo 1º, prevê que a República Brasileira é fundada na dignidade da pessoa humane e no valor social do trabalho, devendo buscar “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º). Em seu artigo 7º, XXXI, prevê que é direito dos trabalhadores a “proibição de distinção no tocante a salários e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”.

A fim de tornar efetiva a previsão constitucional, a lei 8213/91, artigo 93,  previu que as empresas que tem a partir de 100 (cem) empregados deverão ter um percentual mínimo de empregados com deficiência física ou mental, que inicia no percentual de 2%, chegando a 5% para empresas com mais de 1001 empregados.

Não obstante, o trabalhador com deficiência física tem uma proteção contra a despedida imotivada, de forma que só pode ser despedido nessa modalidade, se outro profissional com deficiência física ou reabilitado pela Previdência Social for contratado para a sua vaga (art. 93, parágrafo 1º, lei 8213/91).

A lei 13146/2015, denominada de Estatuto da Inclusão, também prevê que os empregadores devem “garantir ambientes de trabalho acessíveis e inclusos”, e que aos deficientes físicos também deve ser garantido o direito à formação, treinamento, promoções, etc, tal como os demais empregados.

Empregadores e Trabalhadoras, fiquem atentos! 

Outubro Rosa - Câncer de Mama e Despedida discriminatória

O mês de outubro, por intermédio da campanha “Outubro Rosa”, é internacionalmente destinado à reflexão e divulgação dos cuidados para o diagnóstico precoce do câncer de mama, bem com o tratamento integral da mulher, sob o aspecto físico e psicológico.

O câncer de mama é o segundo tipo de câncer que mais acomete as mulheres brasileiras e muitos óbitos podem ser evitados se o auto exame, bem como os exames como mamografia e ecografia, forem realizados periodicamente.

Infelizmente o câncer de mama alija a mulher não apenas sob o aspecto físico, familiar e social, como também pode lhe trazer dificuldades no ambiente de trabalho, haja vista a necessidade de afastamento para cirurgias, quimioterapia, entre outros tratamentos.

A fim de preservar a mulher, a jurisprudência trabalhista construiu o entendimento de que é discriminatória a despedida sem justa causa do trabalhador e da trabalhadora acometidos de câncer. Esse entendimento está previsto na Súmula 443 do TST, que prevê; “Presume-se discriminatória a despedida do empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o emprego tem direito à reintegração no emprego”. O TST, inclusive por intermédio da SBDI-1, já compreendeu que o câncer/neoplasia maligna, se enquadra nessas doenças grave ou que suscitam estima/preconceito, e que por isso, cabe ao empregador a prova robusta de que a despedida não decorreu desse estigma (por exemplo, E-ED-RR 2493-66.2014.5.02.0037). A trabalhadora, nesses casos, terá direito à reintegração e aos salários entre a despedida e a reintegração ou, se não desejar a reintegração, ao dobro dos salários do período de afastamento (lei 9039/95, art. 4, I).

Empregadores e Trabalhadoras, fiquem atentos!

Live - Covid19 e trabalho: nexo causal e responsabilidade civil

No próximo dia 06/10, às 17h, a Amatra 10 fará uma "live" para tratar do nexo causal e responsabilidade civil envolvendo a Covid 19 e o trabalho. Teremos a presença de duas "feras" para discutir o assunto. Estarão conosco o Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, autor de livros no assunto e um dos maiores especialistas na temática do acidente de trabalho, e a Médica e Perita Judicial Caroline da Cunha Diniz, muito atuante na Justiça do Trabalho da 10a Região.

Vamos discutir questões delicadas e pertinentes, tais como:

  • as consequências do julgamento do STF nesse tema, envolvendo a MP 927;
  • se é possível adotar a responsabilidade objetiva no campo da Covid ocupacional;
  •  como aferir o nexo causal da Covid;
  • o impacto na fixação da indenização judicial das comorbidades e de o fato da atividade empresarial ser ou não essencial na fixação da indenização judicial;
  • se é possível reconhecer o nexo causal com o trabalho de doenças mentais decorrentes da Covid;
  • a necessidade de perícia de segurança do trabalho e o papel da perícia no caso de falecimento do trabalhador;
  • outras consequências do reconhecimento do nexo causal da Covid, além da indenização por danos morais ou materiais;
  • a situação do alto número de casos de Covid nos frigoríficos;
  • a rescisão indireta do contrato em que o empregador não observa as cautelas de saúde e segurança e a possibilidade de despedida por justa causa do trabalhador com comportamento pessoal imprudente;
  • a possibilidade de perícia telepresencial no tema da Covid.

 

Não dá para perder, não é mesmo? Reservem a data, a transmissão será pelo Youtube da Amatra 10 e o chat estará aberto para perguntas.

Link:

 

 

Justiça do Trabalho suspende aulas presenciais do Colégio Militar de Brasília/DF

O MM. Juiz do Trabalho Francisco Luciano de Azevedo Frota, Titular da MM. 3ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, acolheu pedido formulado pelo Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica e Profissional, e suspendeu as atividades presenciais no Colégio Militar de Brasília, pelos servidores públicos substituídos (técnico-administrativos e docentes), “até que sejam verificadas por perícia oficial, a ser designada por este juízo, a suficiência/eficiência das medidas sanitárias de segurança adotadas pelo estabelecimento de ensino para evitar a contaminação dos seus trabalhadores pela COVID-19”.

A decisão apontou que o Brasil tem mais de 4.600.000 pessoas infectadas com a Covid e com número de mortos pela doença superior a 139 mil, havendo ainda uma grande subnotificação, o que caracteriza uma enorme tragédia sanitária. Destacou que todos os protocolos internacionais indicam que o distanciamento social é a “medida mais eficaz para combater a contaminação, evitar o colapso da rede hospitalar, poupar vidas, enfim, reduzir os efeitos deletérios dessa doença ainda muito desconhecida em todo o mundo”.

Segundo o MM. Juiz, ainda que no Distrito Federal os dados apontem uma curva descendente no número de casos ou morte, os números ainda são altos e caracterizam uma “situação preocupante e que exige cautela, não sendo recomendável, prima facie, o relaxamento das medidas sanitárias de segurança”, e que justamente por isso o Governo do Distrito Federal adiou por prazo indeterminado o retorno das aulas na rede pública de ensino.

A decisão destaca dispositivos da Constituição Federal, da Convenção 155 da OIT e de outras normas que centralizam o direito à saúde do ser humano.

Diante disso, e compreendendo há riscos potenciais para os servidores que atuam no Colégio de Trabalho, que precisam ser devidamente avaliados e eliminados, e que os danos da suspensão das aulas presenciais têm sido mitigado em razão do ensino remoto, a decisão suspendeu as atividades presenciais e determinou perícia oficial, a fim de avaliar se as medidas sanitárias adotadas pelo Colégio Militar de Brasília são suficientes para evitar a contaminação dos trabalhadores daquela instituição pela Covid 19.

Veja a íntegra da decisão:

 

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO

3ª Vara do Trabalho de Brasília - DF

ACPCiv 0000756-98.2020.5.10.0003

AUTOR: SINDICATO NACIONAL DOS SERV.FEDERAIS DA EDUCACAO BASICA

E PROFISSIONAL

RÉU: UNIÃO FEDERAL (AGU) - DF

Vistos etc.

Trata-se de ação civil pública, com pedido de tutela provisória de urgência, proposta pelo SINDICATO NACIONAL DOS SERVIDORES FEDERAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA, PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA (SINASEFE) – SEÇÃO SINDICAL DO COLÉGIO MILITAR DE BRASÍLIA em desfavor da UNIÃO (COLÉGIO MILITAR DE BRASÍLIA).

O autor afirma representar os servidores públicos civis que atuam no Colégio Militar de Brasília, tanto docentes quanto técnico- administrativos, sendo a presente ação proposta em razão da determinação da ré de retorno ao trabalho presencial, não obstante a pandemia da COVID-19 (Informativo 68 que anuncia o retorno das atividades a partir de 21/09 /2020).

Segundo a inicial, os riscos de contaminação pela COVID-19 ainda são consideráveis, sobretudo no Distrito Federal, que tem o maior número de mortes por cem mil habitantes do país.

Ressalta que o próprio Governo do Distrito Federal já admitiu que o retorno presencial das aulas somente deve ocorrer em 2021, de acordo com notícias divulgadas na imprensa local.

Sustenta que o convívio em ambiente escolar entre crianças, adolescentes e adultos representa grande risco para vida de todos, eis que potencializa a possibilidade do contágio.

Destaca que o acordo judicial para retorno das aulas a partir de 21 de setembro foi específico para as escolas particulares do Distrito Federal, que não é o caso do réu, e ainda assim, observando um escalonamento ajustado pelas partes na ação trabalhista.

Invoca, ainda, a Portaria MEC nº 544, de 16 de junho de 2020, que autoriza as aulas à distância nas Universidades Federais até 31/12/2020.

Entende o autor que a determinação de retorno ao trabalho presencial dosservidores do Colégio Militar de Brasília, sejam os docentes ou pessoal de apoio administrativo, viola o direito à vida, razão pela qual é necessária a interferência do Poder Judiciário para garantir a incolumidade dos substituídos.

Adiciona argumentos jurídicos amparados na Constituição Federal, convenções internacionais, leis ordinárias e Parecer do MPF para fundamentar o direito vindicado, além de fazer referência aos estudos científicos a respeito da contaminação pela COVID-19, sustentando ser o isolamento social o único protocolo capaz de conter a disseminação do vírus.

Ressalta, ainda, o sindicato autor que já há mais de 140 vacinas em desenvolvimento no mundo, muitas em fase avançada de teste, sendo essencial que o retorno às atividades presenciais aguarde a imunização massiva da população para evitar colocar em riscos a vida de pessoas.

Suscita, também, a garantia constitucional de redução dos riscos inerentes ao trabalho, como direito fundamental e desdobramento do direito à saúde, apontando a obrigação das entidades públicas e privadas de adotarem todas as providências para resguardar o cumprimento desse desiderato constitucional.

Por fim, destaca as orientações da Organização Mundial de Saúde para as tomadas de decisões de reaberturas de estabelecimentos de ensino, bem como, relata o que deve ser observado pelo Colégio Militar de Brasília como medida de prevenção quando do retorno das atividades presenciais.

Pugna, pois, pela concessão de tutela provisória de urgência, na esteira de jurisprudências citadas, para que sejam imediatamente suspensas as atividades presenciais enquanto perdurar a pandemia ou houver a imunização da população pela vacina.

Sucessivamente, requer a tutela provisória para determinar que o retorno dos substituídos somente ocorra a partir do cumprimento de todas as medidas sanitárias tratadas no tópico 3 da inicial, sob o título “Da redução dos riscos inerentes ao trabalho enquanto direito social fundamental de todos e dever do Estado”, a serem comprovadas por perícia oficial.

Decido.

Inicialmente, importa esclarecer que a competência material para decidir a lide, não obstante tratar-se de ação movida por sindicato, na condição de substituto processual de servidores públicos federais, é da Justiça do Trabalho, na forma do que já preconiza a súmula 736 do STF, verbis:

Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores”.

No caso presente, o objeto da ação está diretamente relacionado à proteção do meio ambiente laboral, mais especificamente com a proteção da saúde dos servidores do Colégio Militar de Brasília.

O art. 300 do CPC possibilita a concessão inaudita altera pars de tutela de urgência sempre que “houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo”.

Consta das fls. 100 (pdf) dos presentes autos o Informativo nº 68 do Colégio Militar de Brasília (CMB), dirigido aos pais, alunos e profissionais daquela unidade de ensino, com o cronograma de retorno às atividades presenciais a partir desta semana (semana de 21 a 25 de setembro) para o ensino médio e fundamental, observando-se uma alternância definida pela escola, que fraciona dia a dia o comparecimento dos alunos, de acordo com a série matriculada.

O documento emitido pelo Exército Brasileiro – Diretoria de Educação Preparatória e Assistencial (Diex nº 576-Seç Ens/DEPA – Circular), de 15 de setembro de 2020, determina que todos os Colégios Militares do país deverão retomar as atividades presenciais a partir de 21 de setembro, de forma escalonada, com doze dias de aulas para o ensino fundamental e 16 dias de aulas para o ensino médio no ano de 2020, observando-se os protocolos sanitários (documentos de fls. 103/107 pdf).

Em razão da decisão administrativa adotada pelo réu, o sindicato autor trouxe aos autos decisões judiciais determinando a suspensão das atividades presenciais em outros Estados da federação, tais como no Colégio Militar de Belo Horizonte (decisão da 3ª Vara Federal Cível de Minas Gerais, datada de 18/09/2020, conforme fls. 119/122 pdf) e no Colégio Militar do Rio de Janeiro (decisão da 1ª Vara Federal do Rio de Janeiro, datada de 18/09/2020, fls 111/117 pdf).

Pois bem.

É inconteste a prova do retorno às atividades presenciais determinadas pelo réu já a partir de 21 de setembro de 2020, seguindo orientação estabelecida pelo Exército Brasileiro a todos os Colégios Militares do Brasil.

O mundo, desde o final do ano de 2019, mas com intensidade a partir do ano de 2020, convive com uma pandemia trazida pelo vírus da COVID-19, que, até o momento, já infectou mais de 31 milhões de pessoas e levou a óbito praticamente um milhão de seres humanos (dados da OPAS/OMS – undefined, de 23/09/2020).

Segundo dados divulgados pelo site G1 em 23/09/2020, o Brasil já tem mais de 4.600.000 (quatro milhões e seiscentos mil) infectados e um número de mortos que supera a casa dos 139 mil, com registros de 906 óbitos nas últimas 24 horas (informações extraídas do consórcio de veículos de imprensa, a partir de dados das secretarias estaduais de saúde).

Importante pontuar que esses números oficiais mascaram uma enorme subnotificação, considerando que o Brasil não realizou testagem em massa capaz de identificar o quantitativo real de infectados e de mortos pela doença.

Mas o certo é que o mundo, e o Brasil de forma especial, está vivenciando uma enorme tragédia sanitária, que tem ceifado muitas vidas e comprometido a saúde de muitos seres humanos.

Todos os protocolos internacionais indicam que o distanciamento social é a medida mais eficaz para combater a contaminação, evitar o colapso da rede hospitalar, poupar vidas, enfim, reduzir os efeitos deletérios dessa doença ainda muito desconhecida em todo o mundo.

O distanciamento social é uma das medidas mais importantes e eficazes parareduzir o avanço da pandemia da covid-19. A doença é causada pelo vírus SARS-CoV-2, mais conhecido como o novo coronavírus. A transmissão ocorre de pessoa para pessoa, pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como: gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos (texto extraído do blog informativo a respeito do coronavírus, da Secretaria de Saúde de Minas Gerais - undefined)

O próprio STF, em julgamento conjunto das ADI’s relacionadas à COVID-19, fixou entendimento, em voto da lavra do eminente Ministro Roberto Barroso, no sentido da imprescindibilidade do isolamento social para conter o avanço da doença. Vale citar um trecho do substancioso acórdão, verbis:

[…]

21. […] O isolamento social é a recomendação pacífica das autoridades sanitárias de todo o mundo. Não há alternativa, porque, se muitas pessoas contraírem a doença ao mesmo tempo, o sistema de saúde não suportará. Em alguns lugares, já não está suportando. O isolamento continua a ser a medida recomendada e praticada pelos países onde o combate à doença deu certo, para contornar a ascensão da curva. [...]” (ADI-S 6421, 6422, 6424, 6425, 6427, 6428 e 6431, Rel. Ministro Roberto Barroso)

No Distrito Federal, ainda que os dados recentes indiquem uma curva descendente em relação aos infectados e às mortes, todas as fontes científicas afirmam que se trata apenas de uma radiografia do momento, mas não se descarta um agravamento do quadro trazido por novas ondas de infecção, como aliás tem ocorrido em alguns países da Europa. A quebra do distanciamento social, por meio do retorno de atividades presenciais, representa evidentemente um fator de risco para esse potencial recrudescimento.

De acordo com dados de ontem (23/09/2020) divulgados pelo jornal Correio Braziliense, o Distrito Federal teve mais 705 casos de pessoas contaminadas e 17 óbitos notificados nas últimas 24 horas, o que revela que ainda se convive com uma situação extremamente preocupante e que exige cautela, não sendo recomendável, prima facie, o relaxamento das medidas sanitárias de segurança. (undefined /cidades-df/2020/09/4877418-covid-19-df-registra-17-vitimas-nesta-quarta-feira-e-atinge-3-148mortes.html)

É certo que o Governo do Distrito Federal, por meio do Decreto 40.939, de 02 de julho de 2020, autorizou as atividades presenciais nos estabelecimentos educacionais do Distrito Federal, com a observância dos protocolos sanitários e medidas de segurança previstas no próprio ato normativo e em seu Anexo Único (fls. 108/110 pdf).

Entretanto, o próprio Governo do DF reavaliou a sua medida em relação às escolas públicas, adiando por prazo indeterminado o retorno às atividades presenciais que estavam previstas para 31/08/2020, conforme notícia divulgada no site oficial do governo em 19 /08/2020 (undefined):

A retomada do calendário escolar presencial da rede pública do Distrito Federal está adiada. Com data de referência para 31 de agosto, o retorno gradual dos alunos para as salas de aula vai ficar para depois. A decisão foi tomada como forma de precaução, para evitar o aumento de contaminações pela Covid-19 a partir do convívio de crianças, adolescentes e adultos no ambiente escolar. A nova data será definida de forma que garanta a segurança de todos.

A informação foi divulgada na tarde desta quarta-feira (19) em coletiva de imprensa no Palácio do Buriti. “A decisão é fruto de grande debate com escolas, comunidade escolar e com observação científica da evolução da curva da pandemia. A data era de referência, mas neste momento, apesar de as escolas estarem prontas para o retorno, isso será adiado pela vida e saúde de todos”, declarou o secretário de Educação, Leandro Cruz, que se reuniu virtualmente com gestores de 686 colégios na manhã desta quarta.

De acordo com ele, o comportamento da pandemia seguirá em acompanhamento para que as providências de retorno às aulas presenciais sejam tomadas de forma segura. Ainda não há data definida para o retorno presencial. Continua em vigor o Decreto 40.939, de 2 de julho de 2020, que autorizou a retomada a partir de 3 de agosto, deixando a organização do calendário a critério da Secretaria de Educação. “Mesmo o decreto possibilitando a volta, só faremos quando estivermos em condições epidemiológica perfeitas para isso”, avisou o titular da Educação.

Portanto, resta evidente que o Distrito Federal ainda convive com um quadro de riscos e incertezas em relação à pandemia trazida pela COVID-19, circunstância que exige de todas as autoridades públicas, e da sociedade em geral, a manutenção das medidas e de protocolos de segurança para evitar maior disseminação do vírus.

O art. 225 da Constituição Federal assegura a todos o “direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A tutela constitucional focaliza o meio ambiente em todas as suas vertentes: natural, artificial, cultural e do trabalho. E quando estabelece o direito a um meio ambiente equilibrado, está garantindo, no âmbito das relações laborais, que aos trabalhadores seja assegurado um ambiente de trabalho adequado e seguro, que lhes possibilite uma qualidade de vida sadia.

É importante destacar que todo direito ambiental se pauta pela preservação do direito à vida (art. 5º, CF), que é o bem maior do ser humano, daí decorrendo o direito à saúde (art. 6º, CF), elevado também ao patamar de direito fundamental.

Nesse contexto de proteção ambiental, o art. 7º, inciso XXII, da CF estabelece como direito social a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. E qual a dimensão desse comando constitucional? O trabalhador tem direito a não correr riscos no trabalho, sejam físicos, químicos, biológicos, fisiológicos ou psíquicos.

Essa também é a leitura que deve ser feita do art. 4º da Convenção 155 da OIT, que prevê a obrigação do empregador de eliminar o risco ambiental, ou, quando não for tecnicamente possível a sua eliminação, deve neutralizá-lo ao máximo até níveis toleráveis pela saúde humana, verbis:

Art. 4 — 1. Todo Membro deverá, em consulta com as organizações mais representativas de empregadores e de trabalhadores, e levando em conta as condições e as práticas nacionais, formular, pôr em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio-ambiente de trabalho.

2. Essa política terá como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem conseqüência do trabalho tenham relação com a atividade de trabalho, ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio-ambiente de trabalho.

A Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,

aprovada na Conferência das Nações Unidas realizada na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1992, estabeleceu em seu Princípio 15:

De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

Essa norma internacional trouxe à luz o princípio de Direito Ambiental  denominado de princípio da precaução, que se distingue do princípio da prevenção, embora sejam raízes de um mesmo tronco.

O princípio da precaução enuncia que, sempre diante da possibilidade de um dano ambiental grave ou irreversível (risco potencial), devem ser adotadas as medidas necessárias para preveni-lo, mesmo quando se verifica ausência de certeza científica absoluta.

A hipótese concreta trazida na inicial impõe a aplicação direta do princípio da

precaução, pois são iminentes os riscos que correm os servidores, assim como os alunos, do Colégio Militar de Brasília com o retorno das atividades presenciais em 21/09/2020, considerando que passaram a compartilhar de um mesmo ambiente físico, o que eleva a possibilidade de contágio da doença.

Mesmo que sejam riscos potenciais, há necessidade de eliminá-los antes que possam ocorrer danos concretos à saúde dos servidores (foco central da presente ação), priorizando-se, assim, o direito à vida que, no âmbito laboral, depende de um meio ambiente seguro e adequado, sem exposição a eventos potencialmente danosos.

Ainda que se possa argumentar que o réu está adotando todas as medidas de segurança, seguindo os protocolos sanitários estabelecidos, não há elementos nos autos capazes de evidenciar que são providências suficientes do ponto de vista técnico sanitário. O que se tem de concreto é que os riscos à contaminação permanecem e que não há nenhum sinal científico claro de que a retomada de atividades presenciais seja adequada no momento, considerando o quadro grave da pandemia que ainda persiste no Brasil, especialmente no Distrito Federal, conforme dados expostos.

Faz-se necessária uma prova técnica para avaliar a suficiência e a eficiência das medidas sanitárias eventualmente adotadas pelo Colégio Militar de Brasília para o retorno de suas atividades presenciais, vistos que, na hipótese presente, a presunção é a da permanência do risco, o que exige ações imediatas para afastá-lo, priorizando-se, dessa forma, a saúde e a vida das pessoas, que são bens constitucionalmente tutelados.

Evidente que a cessação de atividade presencial nos estabelecimentos de ensino traz algum prejuízo para a formação educacional dos alunos, mas esse efeito danoso pode ser mitigado pelo ensino remoto, como já vem sendo adotado por diversas escolas e universidades públicas e privadas do país.

O que não pode ser colocado em risco é a vida e a saúde das pessoas, porque

são direitos fundamentais inderrogáveis, indisponíveis, e ainda, irrecuperáveis quando atingidos.

E vale mais uma vez invocar o precedente do STF que, nos fundamentos do voto

prevalecente que julgou as ADI’s relacionadas com a COVID-19, ratificou a aplicação dos princípios da prevenção e da precaução, estabelecendo que, em havendo dúvida, deve se fazer a opção pelo resguardo da vida. Vejamos trecho do acórdão:

29. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece, ainda, que em matéria de proteção à vida, à saúde e ao meio ambiente, as decisões adotadas pelo Poder Público sujeitam-se aos princípios constitucionais da prevenção e da precaução. Havendo qualquer dúvida científica acerca da adoção da medida sanitária de distanciamento social – o que, vale reiterar, não parece estar presente – a questão deve ser solucionada em favor da saúde da população. Em português mais simples, significa que, se há alguma dúvida, não pode fazer. Se há alguma dúvida sobre o impacto real que uma determinada substância, um determinado produto, ou uma determinada atuação vai provocar na saúde e na vida das pessoas, o princípio da precaução e o princípio da prevenção recomendam a autocontenção. [...]” (ADI-S 6421, 6422, 6424, 6425, 6427, 6428 e 6431, Rel. Ministro Roberto Barroso)

Essa é a situação que se impõe a esse julgador: decidir entre prevenir uma potencial ofensa aos bens jurídicos da vida e da saúde e a continuidade das atividades presenciais no estabelecimento de ensino da ré.

O quadro fático da pandemia já analisado aponta no sentido de que o retorno de

uma escola às atividades presenciais nesse momento representa riscos reais para a saúde dos trabalhadores e dos alunos. No sopesamento dos valores em jogo, mesmo diante de eventual dúvida, deve prevalecer o respeito à saúde e à vida.

Portanto, há no caso concreto, tendo em vista todos os fundamentos aduzidos, a

presença dos requisitos autorizadores da concessão de tutela provisória de urgência, sobretudo considerando que o direito dos servidores e trabalhadores em geral a um meio ambiente de trabalho seguro tem guarida constitucional e amparo em normativos internacionais, devendo ser preventivamente afastada qualquer possibilidade de danos à saúde ou de riscos à preservação da vida (princípio da precaução).

Pelo exposto, DEFIRO a tutela de urgência para determinar a imediata   suspensão de atividades presenciais no Colégio Militar de Brasília pelos servidores públicos substituídos (técnico-administrativos e docentes), até que sejam verificadas por perícia oficial, a ser designada por este juízo, a suficiência/eficiência das medidas sanitárias de segurança adotadas pelo estabelecimento de ensino para evitar a contaminação dos seus trabalhadores pela COVID-19.

Em caso de descumprimento da decisão, fixo multa diária de R$15.000,00 (quinze mil reais), além das demais penalidades legais decorrentes de descumprimento de ordem judicial.

O Colégio Militar de Brasília, diretamente, assim como a UNIÃO, por meio da Advocacia-Geral da União (PRU-1ª Região), deverão ser intimados para ciência e cumprimento urgente da presente decisão.

As intimações deverão ser cumpridas por mandado, com absoluta urgência.

  

Você sabe como apresentar áudios e vídeos como prova em um processo judicial eletrônico?

O PJE (Processo Judicial Eletrônico) na Justiça do Trabalho não permite diretamente a juntada de áudios e vídeos. No entanto, esses meios são legais e legítimos meios probatórios. Mais que isso, não raro podem ser cruciais para o deslinde de uma causa trabalhista.

Desse modo, como apresentar mídias como meio probatório?

Antes da pandemia, a maioria das Varas do Trabalho da Justiça do Trabalho da 10ª Região determinava que a apresentação se desse em mídia física, como CD-ROMs, em 2 (duas) vias.

No entanto, a partir da pandemia e o fechamento provisório dos foros ao público, foi necessário criar uma nova forma de apresentação dessas provas.

A Portaria PRE-SGJUD 20/2020, de 13/08/2020, prevê que sendo necessária a apresentação de prova em áudio ou vídeo, “a parte interessada deverá disponibilizar o arquivo em espaço de armazenamento virtual remoto (‘nuvem’), acessível por meio de rede digital, informando o respectivo link de acesso em petição protocolizada no processo”. Para garantir a integridade do documento, deverá ainda “ser gerado um código hash para o documento, a ser informado na petição, juntamente com o link de acesso ao Documento”, sendo que o “o código hash mencionado no caput pode ser gerado por meio de software de geração e conferência de hash, conforme instrução constante no documento disponível em https://www.trt10.jus.br/setin/procedimento_gerar_conferir_hash.pdf”.

O Magistrado responsável pela condução do processo poderá adotar outras medidas adicionais relativas à prova, como, por exemplo, a determinação de degravação dos áudios.

Existem funcionalidades em análise e desenvolvimento no âmbito do PJE, a fim de que no futuro essas provas possam ser indexadas pelo próprio sistema.

Consulte a íntegra da portaria: 

 

PORTARIA PRE-SGJUD Nº 20, DE 13 DE AGOSTO DE 2020.

Regulamenta a disponibilização de arquivos de áudio/vídeo em processos que tramitam no PJe, no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região.

O DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA DÉCIMA REGIÃO, no uso de suas atribuições legais e regimentais, em face do que consta dos processos SEI de nº 0003204-12.2020.5.10.8000, CONSIDERANDO as disposições contidas na Resolução nº 318, de 7 de maio de 2020, do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, que prorroga, no âmbito do Poder Judiciário, em parte, o regime instituído pelas Resoluções nº 313, de 19 de março de 2020, e nº 314, de 20 de abril de 2020, e dá outras providências com o objetivo de prevenir o contágio pelo novo Coronavírus – Covid-19;

CONSIDERANDO a determinação contida no Ato Conjunto CSJT.GP.GVP.CGJT nº 6, de 5 de maio de 2020, que consolida e uniformiza, no âmbito da Justiça do Trabalho de 1º e 2º graus, a regulamentação do trabalho remoto temporário, do funcionamento dos serviços judiciários não presenciais e da realização de sessões de julgamento telepresenciais, com o objetivo de prevenir o contágio pelo Novo Coronavírus – Covid-19, bem como garantir o acesso à justiça;

CONSIDERANDO a Portaria Conjunta nº 3, de 28 de abril de 2020, que regulamenta, no âmbito da Justiça do Trabalho da 10ª Região, as medidas de prevenção à contaminação por coronavírus (Covid-19) estabelecendo no art. 3º que “Todos os órgãos de primeiro e de segundo graus da Justiça do Trabalho da 10ª Região, assim como unidades de apoio, judiciárias e administrativas, ficarão, por prazo indeterminado, fechados ao público externo, excetuados, e apenas com trabalho interno presencial reduzido ao mínimo necessário, os relacionados como essenciais, nos termos definidos pelo art. 3º do Ato Conjunto CSJTGP-VP-CGJT-1/2020, de 19 de março de 2020”;

CONSIDERANDO que o Sistema PJe não possibilita, por ora, a anexação de arquivos de áudio e/ou vídeo; e,

CONSIDERANDO a necessidade de disponibilizar aos jurisdicionados o pleno acesso à justiça e em caráter ininterrupto, em observância aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório e, ainda, com o fim de favorecer a celeridade e a efetividade da prestação jurisdicional neste momento em que o atendimento presencial nas Secretarias das Varas do Trabalho encontra-se suspenso,

RESOLVE:

Art. 1º Nos processos que tramitam no Sistema Processo Judicial Eletrônico-PJe do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, havendo necessidade de apresentação de arquivos de áudio e/ou vídeo como prova ou documento necessário à instrução processual, a parte interessada deverá disponibilizar o arquivo em espaço de armazenamento virtual remoto (‘nuvem’), acessível por meio de rede digital, informando o respectivo link de acesso em petição protocolizada no processo.

Art. 2º Como mecanismo de verificação, a fim de garantir a integridade do arquivo apresentado e assegurar que não foi alterado desde a sua primeira inclusão remota nos autos, deve ser gerado um código hash para o documento, a ser informado na petição, juntamente com o link de acesso ao documento. Parágrafo único. O código hash mencionado no caput pode ser gerado por meio de software de geração e conferência de hash, conforme instrução constante no documento disponível em https://www.trt10.jus.br/setin/procedimento_gerar_conferir_hash.pdf.

Art. 3º A parte deve assegurar que os arquivos eletrônicos estejam livres de "códigos maliciosos", sob pena de serem desconsiderados.

Art. 4º Quando do retorno das atividades presenciais, a critério do Juízo, a parte interessada deverá disponibilizar a mídia física em audiência presencial ou quando e se instada a fazê-lo. Art. 5º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação e terá vigência até que repositório de armazenamento de mídias digitais regulamentado pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho - CSJT passe a ser utilizado no Tribunal.

BRASILINO SANTOS RAMOS

Não cabem honorários advocatícios no incidente de desconsideração da personalidade jurídica

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que não é cabível a condenação em honorários advocatícios de sucumbências nas decisões interlocutórias que resolvam incidente de desconsideração da personalidade jurídica (RESP 1845536).

Essa decisão é interessante até mesmo para o processo do trabalho, pois a partir da lei 13467/17 (reforma trabalhista) os honorários advocatícios de sucumbência se tornaram regram no processo do trabalho, sendo que o CPC tem aplicação supletiva e subsidiária ao processo do trabalho (art. 15, CPC).

O artigo da CLT que trata precipuamente dos honorários é o artigo 791-A da CLT, pelo qual os honorários são devidos sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, não fazendo referência expressa ao cabimento em decisões interlocutórias.

No caso específico da decisão do STJ, o entendimento foi justamente no sentido de que, por não ser sentença, mas apenas decisão interlocutória, não caberia nessas decisões a fixação de honorários, por força do artigo 85, parágrafo 1º, do CPC.

Vale lembrar, contudo, que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, no processo do trabalho, tem uma natureza mista, pois da decisão que o resolve é passível recurso imediato ao duplo grau de jurisdição, quando proferida na fase executória do processo. Há ainda a discussão sobre o seu processamento em autos apartados ou na própria execução, sendo que a Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, em fevereiro de 2019, editou Provimento prevendo o seu processamento nos próprios autos da ação trabalhista original (Provimento CGJT 1/2019, posteriormente absorvido pelo Provimento Consolidado da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho).

Empregadores e Trabalhadores, fiquem atentos!  

Aplicativo AMATRA10

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