O trabalhador que era exequente em um processo e recebeu valores além do devido pode virar executado no mesmo processo?

A 2a Turma do Tribunal Superior do Trabalho compreendeu, em julgamento de processo orindo da 3a Região, que não é possível executar o trabalhador, antes exequente no processo, por valores que recebeu além do devido na ação trabalhista. Segundo o entendimento da turma, não é possível essa execução invertida, devendo o valor ser cobrado em ação autônoma, onde serão garantidos a ampla defesa e o contraditório (processo RR 930-86.2014.5.03.0044). 

Veja o acórdão, de relatoria da MM. Ministra Maria Helena Mallmann:

 

PROCESSO Nº TST-RR-930-86.2014.5.03.0044

 

ACÓRDÃO

(2ª Turma)

GMMHM/cgn/nt

  • - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. VALORES PAGOS A MAIS AO EXEQUENTE. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO NOS AUTOS DA EXECUÇÃO. NECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO MEDIANTE AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. Diante de possível ofensa ao art. 5º, LIV, da CF, dá-se provimento ao agravo de instrumento. Agravo de instrumento conhecido e provido.
  • - RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.015/2014. EXECUÇÃO. VALORES PAGOS A MAIS AO EXEQUENTE. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO NOS AUTOS DA EXECUÇÃO. NECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO MEDIANTE AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. É entendimento iterativo desta Corte que a devolução de valores eventualmente pagos a mais ao exequente deve ser pleiteada mediante ação de repetição de indébito. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso

de Revista n° TST-RR-930-86.2014.5.03.0044, em que é Recorrente DOUGLAS JOSÉ DA SILVA e são Recorridos BANCO BRADESCO S.A. E OUTROS.

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão mediante a qual foi denegado seguimento ao recurso de revista.

A recorrida apresentou contraminuta ao agravo de instrumento e contrarrazões ao recurso de revista.

Tramitação preferencial - execução.

É o relatório.

V O T O

 

1 – EXECUÇÃO. VALORES PAGOS A MAIS AO EXEQUENTE. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO NOS AUTOS DA EXECUÇÃO. NECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO MEDIANTE AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO.

O Tribunal Regional consignou: 

“Na decisão proferida à fl. 1293, foi reconhecido que o exequente recebeu a maior R$3.782,40. Em face disso, foi determinada a devolução desse valor à fl. 1298.

O exequente refuta a determinação judicial, ao fundamento de que não cabe devolução desse montante por tê-lo recebido de boa fé e por se tratar de verba de natureza alimentar. Alega que a decisão agravada afronta o art. 50, XXXVI, LIV e LVdaCF/88eosarts.5O2e5O3doCPC.

Razão não lhe assiste.

Inexiste ofensa a direito adquirido e muito menos à coisa julgada, urna vez que a decisão que determinou o pagamento ao obreiro o fez em cumprimento do comando exequendo. Portanto, se houve pagamento a maior e o exequente o reconhece, é porque esse comando não foi executado na sua integralidade, decorrendo de equívoco.

Aliás, "na liquidação não se poderá modificar, ou inovar a sentença liquidaiida, nem discutir matéria pertinente à causa principal". E a fidelidade que o procedimento liquidatório deve guardar com relação ao comando exequendo decorre, também, de norma constitucional, ex vi do art. 50, XXXVI, da CF/88.

Afora isso, dispõe o art. 876 do CC que "Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir, obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.". Portanto, cabe a devolução desse valor, inclusive porque ele não tem natureza salarial. E que somente os valores efetivamente devidos ao obreiro se revestem de natureza alimentar o excesso resulta em enriquecimento ilícito, o que é veementemente rechaçado pelo ordenamento jurídico pátrio.

Por fim, acrescento que foi em estrita observância do devido processo legal e das normas processuais invocadas, que se aplicam à luz da observância do exato cumprimento da coisa julgada, que não há que se falar que a decisão a quo afronta o art. 50, LIV da CF/88.

A propósito, não procede a alegação do agravado de que o recurso perdeu objeto em razão de o autor reconhecer que recebeu a maior. Com efeito, a insurgência se refere à determinação judicial de devolução desse valor.”

O reclamante sustenta que “A determinação de devolução de valores supostamente recebidos a maior nos próprios autos da execução trabalhista equivale a uma execução invertida e ainda desprovida de título judicial ou extrajudicial”.

Defende que “Acaso entenda devida a restituição, cabe a executada busca-la por meio próprio, qual seja, a ação de repetição de indébito, respeitando assim o devido processo legal, observando o contraditório e a ampla defesa”.

Aponta violação do art. 5º, XXXVI e LIV.

Analiso. 

Esta Corte Superior entende que a devolução dos valores eventualmente pagos a mais ao exequente deve ser pleiteada mediante ação própria de repetição de indébito, sob pena de violar os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa

Assim, por observar possível ofensa ao art. 5º, LIV, da CF, dou provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista.

II - RECURSO DE REVISTA

                                                         Satisfeitos    os    pressupostos    comuns     de  admissibilidade, examino os específicos do recurso de revista.

 

1 - EXECUÇÃO. VALORES PAGOS A MAIS AO EXEQUENTE. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO NOS AUTOS DA EXECUÇÃO. NECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO MEDIANTE AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO.

1.1 – Conhecimento

Constou na decisão do Tribunal Regional:

“Na decisão proferida à fl. 1293, foi reconhecido que o exequente recebeu a maior R$3.782,40. Em face disso, foi determinada a devolução desse valor à fl. 1298.

O exequente refuta a determinação judicial, ao fundamento de que não cabe devolução desse montante por tê-lo recebido de boa fé e por se tratar de verba de natureza alimentar. Alega que a decisão agravada afronta o art. 50, XXXVI, LIV e LVdaCF/88eosarts.5O2e5O3doCPC.

Razão não lhe assiste.

Inexiste ofensa a direito adquirido e muito menos à coisa julgada, urna vez que a decisão que determinou o pagamento ao obreiro o fez em cumprimento do comando exequendo. Portanto, se houve pagamento a maior e o exequente o reconhece, é porque esse comando não foi executado na sua integralidade, decorrendo de equívoco.

Aliás, "na liquidação não se poderá modificar, ou inovar a sentença liquidaiida, nem discutir matéria pertinente à causa principal". E a fidelidade que o procedimento liquidatório deve guardar com relação ao comando exequendo decorre, também, de norma constitucional, ex vi do art. 50, XXXVI, da CF/88.

Afora isso, dispõe o art. 876 do CC que "Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir, obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.". Portanto, cabe a devolução desse valor, inclusive porque ele não tem natureza salarial. E que somente os valores efetivamente devidos ao obreiro se revestem de natureza alimentar o excesso resulta em enriquecimento ilícito, o que é veementemente rechaçado pelo ordenamento jurídico pátrio.

Por fim, acrescento que foi em estrita observância do devido processo legal e das normas processuais invocadas, que se aplicam à luz da observância do exato cumprimento da coisa julgada, que não há que se falar que a decisão a quo afronta o art. 50, LIV da CF/88.

A propósito, não procede a alegação do agravado de que o recurso perdeu objeto em razão de o autor reconhecer que recebeu a maior. Com efeito, a insurgência se refere à determinação judicial de devolução desse valor.”

O reclamante sustenta que “A determinação de devolução de valores supostamente recebidos a maior nos próprios autos da execução trabalhista equivale a uma execução invertida e ainda desprovida de título judicial ou extrajudicial”.

Defende que “Acaso entenda devida a restituição, cabe a executada busca-la por meio próprio, qual seja, a ação de repetição de indébito, respeitando assim o devido processo legal, observando o contraditório e a ampla defesa”.

Aponta violação do art. 5º, XXXVI e LIV.

Analiso.

Conforme registrado pelo Tribunal Regional, “Na decisão proferida à fl. 1293, foi reconhecido que o exequente recebeu a maior R$3.782,40. Em face disso, foi determinada a devolução desse valor à fl. 1298”.

O TRT entendeu que “se houve pagamento a maior e o exequente o reconhece, é porque esse comando não foi executado na sua integralidade, decorrendo de equívoco”.

Contudo, tal entendimento vai de encontro à jurisprudência firmada no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho.

É que esta Corte Superior entende que a devolução dos valores eventualmente pagos a mais ao exequente deve ser pleiteada mediante ação própria de repetição de indébito, sob pena de violar os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Nesse sentido, os seguintes precedentes do TST: 

“I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO EM FASE DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA. VALORES PAGOS A MAIOR AOS EXEQUENTES. ORDEM DE RESTITUIÇÃO

NO PROCESSO DE EXECUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. O Tribunal Regional deu provimento ao agravo de petição interposto pela Reclamada, para determinar "a restituição/execução, nos presentes autos, dos valores recebidos a maior pelos exequentes, em face das decisões proferidas na ação rescisória e no recurso extraordinário". A decisão da Corte Regional parece violar o art. 5º, LIV, da Constituição Federal. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se dá provimento, para determinar o processamento do recurso de revista, observando-se o disposto na Resolução Administrativa nº 928/2003 do TST. II - RECURSO DE REVISTA. PROCESSO EM FASE DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA. VALORES PAGOS A MAIOR AOS EXEQUENTES. ORDEM DE RESTITUIÇÃO NO PROCESSO DE EXECUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Esta Corte Superior tem decidido, de forma reiterada, que os valores pagos a maior, no processo de execução, só podem ser pleiteados por meio de ação própria, sob pena de violar o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. A decisão do Tribunal Regional que determinou às exequentes a devolução de valores recebidos a maior na fase de execução viola o art. 5º, LV, da Constituição Federal. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.”(RR - 153200-21.1992.5.06.0291, Relator Ministro: Fernando Eizo Ono, Data de Julgamento: 03/06/2015, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/06/2015)

A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS PELO EXEQUENTE NOS PRÓPRIOS AUTOS DO PROCESSO DE EXECUÇÃO.

IMPOSSIBILIDADE. Em face da configuração de ofensa ao artigo 5º, LIV e LV, da Constituição, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. B) RECURSO DE REVISTA. RESTITUIÇÃO DE VALORES PELO EXEQUENTE EM FACE DE DECISÃO JUDICIAL DESCONSTITUÍDA POR AÇÃO RESCISÓRIA. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. A ação de repetição de indébito constitui procedimento próprio para a aludida devolução, conforme entendimento iterativo desta Corte Superior. Precedentes do TST. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 39500-49.2002.5.09.0092, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, DEJT 21/02/2014)

"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS A MAIOR. 1. Colhe-se da decisão regional que o reclamante sacou valores superiores ao efetivamente devido e que -esses saques ocorreram em razão de alvarás expedidos por determinação judicial, uma vez que se referiam a parcelas incontroversas por falta de impugnação do executado-. Desse modo, por entender que a preclusão se consumou em favor do reclamante, o TRT reformou a sentença pela qual determinada a devolução de valores. 2. A reclamada, pretendendo a devolução desses valores, nos próprios autos da execução, ao argumento de que a liberação de alvará em favor do reclamante se deve a erro material, o que não induz preclusão, tampouco faz coisa julgada, invoca ofensa ao art. 5º, XXXVI e LIV, da Constituição da República. 3. Na hipótese em que não se evidencia a alegação do excesso de execução no momento oportuno, o que culminou na liberação de valores a maior em favor do reclamante, há de se observar o entendimento prevalente nesta Corte Superior, no sentido de que a devolução de valores supostamente pagos a maior, na fase de execução, somente pode ser pleiteada mediante ação própria. Precedentes. Agravo de instrumento conhecido e não provido." (AIRR-1500-96.1975.5.02.0002, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, DEJT 25/10/2013). 

"RECURSO DE REVISTA. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS A MAIOR PELO EXEQUENTE NOS PRÓPRIOS AUTOS DA EXECUÇÃO. A determinação de devolução de valores recebidos a maior, nos próprios autos da execução trabalhista, viola o art. 5º, LV, da Constituição Federal na medida em que impede a garantia do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ao exequente, devendo, portanto, ser buscada por meio da competente Ação de Restituição de Indébito. Recurso de revista conhecido e provido." (RR-1035400-59.1997.5.09.0011 Data de Julgamento: 08/05/2013, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/05/2013).

"(...) REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PROCESSO EM EXECUÇÃO.

Esta Corte vem reiteradamente decidindo no sentido de que, na hipótese de execução de sentença transitada em julgado, não cabe restituição da quantia indevidamente percebida nos próprios autos do processo de execução, devendo ser buscada mediante ação própria, para não correr o risco de violação do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. A admissibilidade de recurso de revista interposto em processo de execução depende de demonstração inequívoca de ofensa direta e literal à

Constituição da República, nos termos do art. 896, § 2º, da CLT e da Súmula 266 do TST. Recurso de Revista de que não se conhece" (RR - 33900-36.1992.5.10.0006, Relator Ministro João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, DEJT 12/06/2009).

E, desta 2ª Turma, colho o seguinte:

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. AUXÍLIO CESTA-ALIMENTAÇÃO. RECEBIMENTO DOS RESPECTIVOS VALORES EM VIRTUDE DE DECISÃO JUDICIAL POSTERIORMENTE RESCINDIDA. PRETENSÃO DE DEVOLUÇÃO NOS AUTOS DA EXECUÇÃO TRABALHISTA. IMPOSSIBILIDADE. Demonstrada possível violação do art. 5º, LV, da Constituição Federal, impõe-se o provimento do agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. II - RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. AUXÍLIO CESTA-ALIMENTAÇÃO. RECEBIMENTO DOS RESPECTIVOS VALORES EM VIRTUDE DE DECISÃO JUDICIAL POSTERIORMENTE RESCINDIDA. PRETENSÃO DE DEVOLUÇÃO NOS AUTOS DA EXECUÇÃO TRABALHISTA. IMPOSSIBILIDADE.

No caso, depreende-se do acórdão da rescisória que não há determinação de devolução do auxílio cesta-alimentação já percebido, mas apenas de exclusão da condenação ao pagamento da respectiva verba. Nesse passo, inexistente título executivo judicial determinando a devolução dos valores já percebidos, a pretensão da reclamada nesse sentido demanda o ajuizamento de ação própria de repetição de indébito, na medida em que a cobrança nos próprios autos da execução trabalhista inviabiliza o exercício do direito ao contraditório e ampla defesa. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 153800-76.2006.5.05.0033, Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 06/09/2017, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/09/2017)

Pelo exposto, conheço do recurso de revista por ofensa ao art. 5º, LIV, da CF.

1.2 – Mérito

Conhecido o recurso de revista por ofensa ao art. ao art. 5º, LIV, da CF, dou-lhe provimento para excluir a ordem de devolução de valores, nestes autos, pelo exequente, devendo a restituição ser postulada pela reclamada em ação própria.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal

Superior do Trabalho, por unanimidade: I - dar provimento ao agravo de instrumento, por possível ofensa ao art. 5º, LIV, da CF, determinando o processamento do recurso de revista, a reautuação dos autos e a intimação das partes e dos interessados para seu julgamento, nos termos dos arts. 935 do CPC e 122 do RITST; II - conhecer do recurso de revista do reclamante, por ofensa ao art. 5º, LIV, da CF, e, no mérito, dar-lhe provimento para excluir a ordem de devolução de valores, nestes autos.

Brasília, 4 de novembro de 2020.

  

 

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

MARIA HELENA MALLMANN

Ministra Relatora

 

 

 


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