A JUSTA CAUSA PRATICADA PELO JOGADOR PROFISSIONAL DE FUTEBOL E A SUA TIPIFICAÇÃO
Por Marcos Ulhoa DaniA doutrina e a jurisprudência trabalhista desportiva já analisaram, em reiteradas vezes, a existência de justa causa patronal de clubes em contratos de atletas profissionais de futebol. Todavia, um tema ainda pouco explorado é a incidência, ou não, de justa causa praticada pelo próprio jogador de futebol e a sua caracterização, bem como as consequências de tal ocorrência, tão grave ela é para as partes envolvidas no contrato especial de trabalho desportivo. Este é o objeto do presente estudo.
Nos dias atuais, passou a ser comum o ajuizamento de ações pelos atletas contra os clubes, normalmente acompanhados de pedidos liminares de antecipação de tutela, em que se pleiteia a rescisão indireta do contrato pela violação de deveres patronais. As alegações mais usuais dizem respeito a potenciais violações dos arts. 31, 34 (e incisos) e 39, §2o – este último no caso de empréstimo – da lei 9.615/98 (Lei Pelé). Ademais, há, ainda, pela aplicação do art. 28, §4o da mesma lei, a possibilidade de arguição de ocorrência de alguma das hipóteses das alíneas do art. 483 da CLT, haja vista que o contrato de trabalho desportivo não deixa de tratar de uma relação de emprego entre o atleta empregado e o clube empregador. A ruptura contratual por justa causa do empregador gerará, entre outros efeitos possíveis, o pagamento, pelo antigo empregador, da chamada cláusula compensatória desportiva em favor do atleta.
Por outro lado, é cada vez mais frequente a divulgação, na mídia esportiva, de ocorrências de atitudes dos atletas que, potencialmente, podem gerar a rescisão do contrato de trabalho por violação das obrigações dos jogadores, com todas as consequências advindas desta potencial situação. A carreira de um jogador de futebol profissional em alto nível, salvo honrosas exceções, é consideravelmente curta e inicia-se, a rigor, em tenra idade. É usual testemunharmos garotos de 17, 18 ou 19 anos assinando, no início de suas carreiras, contratos com até 5 anos de duração, envolvendo cifras financeiras altíssimas e que transformam, completamente, as perspectivas dos atletas e de suas famílias. Não é difícil imaginar que os atletas, naquelas idades, em regra, não detêm a maturidade desenvolvida suficientemente para lidar com as novas e enormes expectativas que são depositadas em seus ombros. Ademais, a nova realidade financeira e o acesso quase ilimitado a bens da vida, antes inatingíveis, pode gerar nos jovens atletas um “deslumbramento” que, se não for bem orientado e controlado, pode prejudicar o desempenho desportivo do profissional e a continuidade de sua carreira.
Além da situação dos atletas jovens, não raro, observa-se que até profissionais de certa rodagem se veem envolvidos em situações de potencial quebra de contrato por culpa do empregado, podendo haver a aplicação de justa causa pelo empregador, com todas as suas consequências, inclusive a potencial demanda pelo pagamento da chamada cláusula indenizatória desportiva em favor do clube empregador. A mídia esportiva já noticiou, reiteradamente, atitudes de atletas que violaram potencialmente os deveres que o profissional deve ter com seu clube empregador, como, ilustrativamente: o jogador entoar, publicamente, hino ou cântico de clube ou torcida rival; se envolver em crime, ou ser preso em flagrante delito, maculando a imagem do clube empregador ou impossibilitando a prestação de serviços; expressar, em entrevista televisiva ou rede social, desprezo ou desacato ao clube empregador ou à sua história; fazer uso excessivo de bebidas alcoólicas ou substâncias alucinógenas que comprometam seu rendimento desportivo; ser flagrado em exame anti-doping por uso de drogas ilícitas, gerando punições que inviabilizem a sua prestação de trabalho ou que gerem punições desportivas ao clube empregador; deixar, propositalmente, de converter uma penalidade máxima em jogos oficiais por torcer, publicamente, para o time adversário; se envolver em briga em arena desportiva ou fora dela, injustificadamente, contra torcedores, árbitros e adversários; deixar de atuar com dedicação nos jogos, em razão de recebimento indevido de valores ou vantagens de terceiros; entre outras ocorrências. A grande cobertura televisiva e as mídias sociais potencializam a divulgação de tais atitudes perante a torcida, imprensa, patrocinadores e dirigentes, potencializando o seu caráter nocivo ao clube empregador. E nem se diga que as atitudes do atleta fora das partidas e treinamentos estaria infensa à eventual análise e aplicação de justa causa, pois, ainda mais nos dias atuais em que as mídias sociais, a internet e a televisão, em tempo real, conectam a todos, a conduta social do atleta profissional repercute não somente perante o clube empregador, mas repercute também perante a torcida, imprensa, clubes rivais, patrocinadores e dirigentes. Neste sentido, a Exma. Professora e Desembargadora Federal do Trabalho, Dra. Vólia Bonfim Cassar, que, em seus termos, alerta que tal aferição pode ser feita quando “a conduta social do empregado repercutir diretamente na relação contratual” [1].
Howard Wilkinson, técnico de futebol inglês, observou que os jogadores de talento representam risco enorme para si mesmos, em livro do matemático britânico e especialista em Desenvolvimento Humano, Mike Carson:
“Tem se tornado mais difícil à medida que as recompensas se tornaram maiores. Atualmente, o craque tem mais oportunidades de explorar a si mesmo do que jamais aconteceu. Simplesmente não há um limite. Se eu tenho um truque na manga e eu tenho um ego inflado, o que vou fazer? O que vou dizer? Quantas pessoas serão afetadas por isso? Quem vai perceber? Nos dias de hoje, ao final de uma partida, é possível pegar um avião e ir até Nova York, fazer muita besteira numa boate, pegar outro avião de volta e estar no You Tube em seguida. E então temos um jogo importante na quarta à noite…”(…)”Como Wilkinson relata, cinquenta anos atrás o craque saía de ônibus com os colegas numa noite de sábado: “Ele podia até beber, tomar umas cervejas a mais, ou se meter numa briga, mas a não ser que fosse algo realmente grave, jamais seria notícia nos jornais no dia seguinte por causa disso. O técnico ligava para o repórter e pedia para não escrever sobre o assunto, oferecendo uma notícia em primeira mão na semana seguinte” (…) Não são apenas os perigos que aumentaram, mas também as falhas se tornaram mais públicas. Nunca foi tão complicado criar um ambiente vitorioso e promover comportamentos que permitam alcançar o sucesso”[2] .
Como lembra o Exmo. Ministro Maurício Godinho Delgado, em sua obra Curso de Direito do Trabalho, a tipificação da justa causa obreira não tem, sempre, seus traços e contornos rigidamente fixados na legislação. Diz:
“A tipificação trabalhista pode ser, desse modo, significativamente mais flexível e plástica do que a configurada no Direito Penal. Um exemplo dessa plasticidade é dado pela justa causa prevista no art. 482, “b”, CLT, isto é, mau procedimento. Ora a plasticidade e imprecisão desse tipo legal trabalhista deixa-o muito distante do rigor formal exigido por um tipo legal penalístico.”[3]
Neste ponto, é imprescindível lembrar que o atleta profissional de futebol não deixa de ser um empregado, haja vista que assina um contrato de trabalho especial. Como empregado, detém uma série de deveres para com o clube empregador, tal como o dever de Lealdade, imprescindível para que se mantenha a fidúcia necessária entre o clube e o profissional, na manutenção do liame empregatício.
O artigo 35 da Lei Pelé enumera os deveres básicos dos atletas profissionais, quais sejam:
Art. 35. São deveres do atleta profissional, em especial: (Redação dada pela Lei nº 9.981, de 2000)
I – participar dos jogos, treinos, estágios e outras sessões preparatórias de competições com a aplicação e dedicação correspondentes às suas condições psicofísicas e técnicas; (Incluído pela Lei nº 9.981, de 2000)
II – preservar as condições físicas que lhes permitam participar das competições desportivas, submetendo-se aos exames médicos e tratamentos clínicos necessários à prática desportiva; (Incluído pela Lei nº 9.981, de 2000)
III – exercitar a atividade desportiva profissional de acordo com as regras da respectiva modalidade desportiva e as normas que regem a disciplina e a ética desportivas.
Além destes deveres, o atleta empregado detém deveres como todo empregado, podendo suas atitudes serem enquadradas nas hipóteses das alíneas do art. 482 da CLT. É preciso lembrar que a caracterização da justa causa obreira deve representar uma atitude grave, que leve à completa ruptura do liame empregatício e quebra da fidúcia básica que deve haver entre o atleta profissional e o clube empregador. O contrato de trabalho desportivo é um contrato de trabalho especial e que, por sua natureza especial, permite a inclusão de cláusulas extras decorrentes do Poder Disciplinar que é decorrente desta peculiar relação de trabalho. Lembra-se que, na esteira da Teoria Contratualista prevalente no Direito do Trabalho, o Poder Disciplinar do empregador tem como fundamento o próprio contrato de trabalho, que subordina, juridicamente, o empregado ao empregador. Assim, entendemos que é possível ao clube empregador aplicar, com razoabilidade e proporcionalidade, multas por descumprimentos contratuais do atleta, previstos em contrato. Por exemplo, o clube pode aplicar uma multa financeira de desconto de percentual de salário do atleta por atraso ou falta injustificada do atleta a um treino, pois tal apenamento é uma decorrência natural da ausência injustificada do trabalho. A ausência injustificada do trabalho equivale a uma suspensão contratual, o que leva à ausência de vencimentos, sendo que, quanto ao atleta profissional de futebol, diferentemente de outros trabalhadores comum, a penalidade pecuniária é permitida. O magistério de Gustavo Felipe Barbosa Garcia vai na mesma linha:
“Deve-se destacar que a “multa”, ou seja, a pena pecuniária, em regra, não é admitida como medida disciplinar válida em nosso Direito do Trabalho, inclusive por contrariar o princípio da intangibilidade salarial (art. 462 da CLT). No entanto, como exceção, há previsão especial autorizando a aplicação da multa (penalidade pecuniária) ao atleta profissional. Nesta mesma linha excepcional, o art. 48, III, da Lei 9.615/1998, pertinente ao atleta profissional…” [4]
Em um ambiente de trabalho em que a disciplina nos treinamentos implica em melhora do rendimento desportivo, a aplicação de multa em casos como o descrito é razoável, lembrando que a atividade do atleta profissional não detém a obrigação de que o atleta e sua equipe ganhem os jogos. Há, todavia, nos termos do art. 35, I, da Lei Pelé, a obrigação do atleta de se dedicar ao máximo nos treinos e jogos, de modo correspondente às suas condições psicofísicas e técnicas. Uma vez aplicada tal penalidade de multa, em relação àquela atitude específica de atraso injustificado a treinamento, não poderá haver mais nenhuma punição ao atleta pelo princípio do “no bis in idem” ou vedação à dupla penalidade de um mesmo fato. Todavia, se o atleta voltar a se atrasar, nova multa poderá ser aplicada, pois a atuação do Poder Disciplinar do empregador pode analisar cada fato de modo apartado, gerando para cada malferimento do contrato, uma reação correspondente.
É necessário pontuar que a Justiça do Trabalho não pode adentrar, em regra, na mensuração da punição aplicada ao empregado. Pode, todavia, verificar a razoabilidade e proporcionalidade da punição, bem como pode avaliar a sua legalidade, ou não. Em outras palavras, a Justiça do Trabalho não pode transformar uma multa aplicada ao jogador de R$10.000,00 em uma multa de R$2.000,00, pois tal atitude significaria adentrar, indevidamente, ao âmago do Poder Disciplinar do empregador. Por outro lado, observadas as circunstâncias do caso, a Justiça do Trabalho pode anular ou confirmar a multa aplicada. O mesmo se dá em relação a uma aplicação de justa causa ao atleta. A Justiça do Trabalho não pode, por exemplo, transformar uma justa causa em suspensão contratual. Pode, ao revés, verificar se a justa causa aplicada foi, ou não, proporcional, razoável ou legal, mantendo-a ou anulando-a. Neste sentido, é o magistério da professora e Desembargadora do Trabalho, a Exma. Vólia Bonfim Cassar:
“Ao juiz não é dado o condão de graduar a pena, pois não é o detentor do poder disciplinar, nem vivenciou aquela relação. Resta ao Judiciário manter ou elidir a penalidade aplicada.”[5]
Em uma demanda deste jaez perante a Justiça do Trabalho, na esteira do que defende o Ministro Maurício Godinho Delgado, será necessário verificar a existência dos requisitos objetivos, subjetivos e circunstanciais do fato para a confirmação, ou não, da justa causa obreira.
“Objetivos são os requisitos que concernem à caracterização da conduta que se pretende censurar; subjetivos, os que concernem ao envolvimento (ou não) do trabalhador na respectiva conduta; circunstanciais, os requisitos que dizem respeito à atuação disciplinar do empregador em face da falta e do obreiro envolvidos.”[6]
Dentre os requisitos circunstanciais a doutrina e jurisprudência destacam a observância do critério da gradação de penalidades, como um caráter pedagógico do Poder Disciplinar. Em outras palavras, a interpretação é de que seria necessário, inicialmente, fazer punições mais brandas, e, no caso de reiteração de condutas, passar a punições mais pesadas, até a chegada à aplicação de justa causa, com todas as suas consequências. Dentre as consequências de uma ruptura contratual por justa causa estão, por exemplo, a perda do direito a férias proporcionais+1/3 (Súmula 171 do TST) e a perda do direito a 13o salários proporcionais (art. 3o, da lei 4090/62). Mais especificamente quanto ao contrato de atleta profissional de futebol, no caso de caracterização de justa causa obreira, haverá uma incidência ainda mais grave: a possibilidade do clube empregador cobrar do atleta a cláusula indenizatória desportiva, nos termos do art. 28, I, da lei 9.615/98, caso, após a ruptura, o atleta passe a atuar por outro clube, momento em que o novo empregador, potencialmente, poderá ser responsabilizado solidariamente, nos termos do art. 28, §2o da Lei Pelé:
“§ 2º São solidariamente responsáveis pelo pagamento da cláusula indenizatória desportiva de que trata o inciso I do caput deste artigo o atleta e a nova entidade de prática desportiva empregadora. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).”
Frisa-se que essas perdas de direito são meras consequências da penalidade de justa causa, e não podem ser interpretadas como dupla penalidade. Tais descontos e consequências são faculdades legislativas conferidas ao ex-empregador, que não se confundem com as punições disciplinares aplicadas.
Destaca-se que uma única atitude do atleta pode incompatibilizar, perpetuamente, a sua relação empregatícia com o clube empregador, dada a sua gravidade. Em outras palavras, não seria necessária a gradação de penalidades antes da aplicação de justa causa, se a atitude do atleta for de uma gravidade tal que quebre, indelevelmente, a fidúcia necessária para a existência do liame empregatício. Neste sentido também leciona o Exmo. Ministro Maurício Godinho:
“O critério pedagógico de gradação de penalidades não é, contudo, absoluto e nem universal – isto é, ele não se aplica a todo tipo de falta cometida pelo trabalhador. É possível a ocorrência de faltas que, por sua intensa e enfática gravidade, não venham ensejar qualquer viabilidade de gradação na punição a ser deferida, propiciando, assim, de imediato, a aplicação da pena máxima existente no Direito do Trabalho (dispensa por justa causa).” [7]
Vale dizer que a justa causa deve ser avaliada de acordo com as circunstâncias do caso. Diz a professora Vólia Cassar:
“A apreciação da falta do trabalhador deve ser avaliada em cada caso de forma concreta ou subjetiva isto é, levando-se em consideração a personalidade do agente, a intencionalidade, os fatos que levaram o empregado à prática daquele ato, a ficha funcional pregressa, os antecedentes, as máculas funcionais anteriores; o grau de instrução ou de cultura, a época; o critério social etc.[8]”
Especificamente quanto à caracterização da justa causa obreira em um contrato de trabalho desportivo, tendo em vista as últimas ocorrências divulgadas na mídia, o que nos parece fundamental para a caracterização, ou não, da justa causa obreira é a análise do Princípio da Lealdade entre atleta e agremiação empregadora, pois, a rigor, o atleta incorpora a imagem de seu clube empregador. Mike Carson, corretamente, observa:
“O futebol é um negócio estranhamente territorial. Somos nós, os torcedores, que fazemos com que seja assim. Definimos nosso clube pelo nosso comprometimento. E, para muitos de nós, é o clube que nos define. As pessoas veem um indivíduo de modo diferente quando ele declara para qual time torce. Da mesma forma, quando um jogador é contratado por um clube, ele passa a vestir uma espécie de manto sagrado. O clube paga um bom salário e, em retribuição, requer não apenas seu talento, mas sua lealdade. Os torcedores ao redor do mundo portam faixas e bandeiras que exigem paixão e comprometimento do time, pois cada jogador é visto como “um de nós”.[9] – grifei
Ou seja, ao se portar perante terceiros, sociedade e mídia, o jogador transmite não somente a sua imagem, mas do clube que representa e assim é visto por torcedores. Ter uma atitude que denigra a imagem do pavilhão que representa, pode incompatibilizar a relação do atleta com a torcida, com os dirigentes, patrocinadores e o clube, quebrando-se a relação especial de fidúcia que é necessária para a manutenção do liame empregatício. Assim, os exemplos dados acima podem, potencialmente, dentro da tipificação plástica de hipóteses de justas causas obreiras previstas na legislação, serem enquadradas na penalidade máxima existente dentro do Direito do Trabalho.
Com efeito, podem, dependendo sempre da análise, peculiaridades, histórico e circunstâncias do caso concreto, se caracterizarem como justa causa as seguintes atitudes exemplificativas: o jogador entoar publicamente hino ou cântico de clube ou torcida rival (art. 482, “b” e “k” da CLT); se envolver em crime com trânsito em julgado (art. 482, “b”, “d” e “k”, da CLT), ou ser preso em flagrante delito (art. 482, “k” e “i”, da CLT, na medida em que entendemos que a ausência ao serviço por prisão em flagrante se caracteriza como falta injustificada, pois a ninguém é dado a ignorância da lei e, se capturado em flagrante delito, o agente assumiu o risco de ser preso e, por consequência, assumiu o risco de faltar injustificadamente ao serviço), maculando a imagem do clube empregador e/ou impossibilitando a prestação de serviços; expressar, em entrevista televisiva ou rede social, desprezo ou desacato ao clube empregador ou à sua história (art. 482, “b” e “k”, da CLT); fazer uso excessivo de bebidas alcoólicas ou substâncias alucinógenas que comprometam seu rendimento desportivo (art. 35, I e II, da Lei 9.615/98 e art. 482, “e”, “f”, “h”; ser flagrado em exame anti-doping por uso de drogas ilícitas, gerando punições que inviabilizem a sua prestação de trabalho ou que gerem punições desportivas ao clube empregador (art. 35, III, da Lei 9.615/98 e art.482, “b”, “f” e “k” da CLT); deixar, propositalmente, de converter uma penalidade máxima em jogos oficiais por torcer, publicamente, para o time adversário (art. 482, “b” e “d”, da CLT e art. 35, I, da Lei 9.615/98); se envolver em briga em arena desportiva ou fora dela, injustificadamente, contra torcedores, árbitros e adversários (art. 482, “b” e “j” da CLT); atrasos reiterados a treinos, viagens e jogos (art. 482, “b”, “e” e art. 35, I e II, da lei 9.615/90), deixar de atuar com dedicação nos jogos, em razão de recebimento indevido de valores pecuniários ou vantagens de terceiros (art. 482, “a” e art. 35, I e III da Lei 9.615/98).
Apesar de todas estas ponderações, é preciso pontuar que o atleta detém uma força de trabalho que é patrimônio do clube empregador, pois o jogador, em uma potencial futura transferência, pode gerar enormes ganhos patrimoniais ao clube empregador, detentor definitivo de seus direitos federativos. Além disto, pode gerar ganhos ao clube que tenha participado de sua formação ou tenha sido seu empregador nos primeiros anos de carreira, gerando, respectivamente, a indenização/compensação por formação ou indenização pelo “mecanismo de solidariedade” da FIFA. Assim, nos parece claro que a caracterização, ou não, da justa causa obreira, com todas as suas consequências, dar-se-á pela interpretação da Justiça do Trabalho em ação judicial, razão pela qual o clube empregador deve, de fato, estar certo do descumprimento contratual grave do empregado a fim de intentar esta via de procedimento, pois, em eventual improcedência do seu intento, o clube empregador poderá arcar, ao revés, em provável reconvenção/ação originária, com todos os ônus de uma dispensa imotivada e adiantada do atleta, inclusive arcando com a chamada cláusula compensatória desportiva.
Notas: [1] CASSAR, Vólia Bonfim – 12a ed. rev., atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016, pg. 1073. [2] CARSON, Mike. Os campeões: por dentro da mente dos grandes líderes do futebol/ Mike Carson; tradução de Candice Soldatelli. Caxias do Sul, RS: Belas-Letras, 2015, pg. 79. [3] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho; 8a Ed., São Paulo: Ltr, 2009, pg. 1088. [4] GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Curso de direito do trabalho – 6a ed. rev., atualizada e ampliada – Rio de janeiro: Forense, 2012, pg. 338. [5] CASSAR, Vólia Bonfim – 12a ed. rev., atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016, pg. 1062. [6] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho; 8a Ed., São Paulo: Ltr, 2009, pg. 1091. [7] DELGADO, Maurício Godinho. Op. Cit., pg. 1097. [8] CASSAR, Vólia Bonfim – 12a ed. rev., atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016, pg. 1072. [9] CARSON, Mike. Os campeões: por dentro da mente dos grandes líderes do futebol/ Mike Carson; tradução de Candice Soldatelli. Caxias do Sul, RS: Belas-Letras, 2015, pg. 54. Referências Bibliográficas: CARSON, Mike. Os campeões: por dentro da mente dos grandes líderes do futebol/ Mike Carson; tradução de Candice Soldatelli. Caxias do Sul, RS: Belas-Letras, 2015. CASSAR, Vólia Bonfim – 12a ed. rev., atualizada e ampliada. Rio de Janeiro:Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho; 8a Ed., São Paulo, Ltr, 2009. GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Curso de direito do trabalho – 6a ed. rev., atualizada e ampliada – Rio de janeiro: Forense, 2012.*Marcos Ulhoa Dani é Juiz do Trabalho da 10ª Região. Especialista em Direito Processual e Material do Trabalho. Autor do livro “Transferências e Registros de Atletas Profissionais de Futebol – Responsabilidades e Direitos”.
Ferreira Gullar faleceu no último dia 04/12.
Gullar foi um guerreiro, forte e, acima de tudo humano. Também foi autor de poemas musicados por grandes artistas brasileiros: “Traduzir-se” (Fagner), “Minha” (Francis Hime), “Bela” (Milton Nascimento), entre outras.
A letra da música de Villa-Lobos, “O trenzinho Caipira”, foi escrita por Ferreira Gullar.
Ainda bem que os poetas nunca morrem, porque vivem eternamente em suas poesias, lidas e relidas por gerações e gerações durante décadas, séculos e até milênios.
Nossa Homenagem à Ferreira Gullar:
Não sei quantas almas tenho
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.
Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?
Frases
“Como um tempo de alegria, por trás do terror me acena,... E a noite carrega o dia, no seu colo de açucena... Sei que dois e dois são quatro, Sei que a vida vale a pena,... mesmo que o pão seja caro e a liberdade, pequena...”
“...Uma parte de mim pesa, pondera:
outra parte delira...”
“Não quero saber do sofrimento, quero é felicidade. Não gosto de fazer lamúrias. Uma vez, discuti feio sobre determinada situação. Fiquei sozinho em casa, cheio de razão e triste pra cacete. Então, pra que querer ter sempre razão? Não quero ter razão. Quero é ser Feliz!”
Magistratura trabalhista repudia declarações de presidente da OAB-CG
A Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região (Amatra 13) vem, por meio de sua diretoria, repudiar as declarações do presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de Campina Grande, Jairo Oliveira, feitas em emissora de rádio daquela cidade, na manhã deste dia 2 de dezembro, quando instado a se pronunciar sobre a paralisação das atividades pelos juízes em protesto contra a aprovação do PL nº 4850/16 pela Câmara dos Deputados.
Inicialmente, a Amatra 13 reconhece ser o advogado essencial à administração da Justiça, a teor do art. 133 da Constituição Federal, e dessa forma compreende a necessidade de convívio harmonioso e respeitoso entre o Poder Judiciário e a classe dos advogados.
Dentro dessa perspectiva, a Associação repudia as assertivas generalizadas, e sem parâmetros objetivos, por parte do referido advogado, porquanto dissociadas da verdade, na medida em que os magistrados trabalhistas paraibanos cumprem seus deveres funcionais, inclusive com excelentes índices de produtividade que podem ser verificados através de simples consulta ao portal de transparência do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região.
A Amatra 13 pontua não haver qualquer registro de reclamações, junto à Corregedoria do TRT da 13ª Região, relacionadas à morosidade processual, inassiduidade, ou descumprimento dos deveres institucionais pelos juízes que atuam nas Varas do Trabalho de Campina Grande.
Em arremate, a Associação, reconhecendo a importância da advocacia para a consolidação e o aprimoramento de nossas instituições democráticas, conclama a classe para que se junte à magistratura e ao Ministério Público na luta pelo combate à corrupção e pela preservação das garantias constitucionais que asseguram um sistema de Justiça independente e altivo em prol da sociedade brasileira.
João Pessoa, 02 de dezembro de 2016.
Juiz do Trabalho André Machado Cavalcanti
Presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região (Amatra 13)
Artigo publicado no site: Estadão Política
“Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. A frase, atribuída a Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, explica o porquê de o senso comum acreditar que a aposentadoria compulsória remunerada é a pena máxima prevista na lei para magistrados vitalícios. Examinemos o que é verdade e o que é mentira nesse discurso.
Como todo e qualquer cidadão ou servidor público, os juízes respondem pelos crimes que praticam, podendo ir para a cadeia, ter seus bens confiscados para ressarcir e perder o cargo, sem direito à aposentadoria. O mesmo vale para promotores e procuradores.
O juiz Nicolau dos Santos Neto, conhecido como Juiz Lalau, foi condenado a mais de 26 anos de reclusão, em regime fechado, pelos crimes de peculato, estelionato e corrupção passiva, pelo desvio de R$170 milhões das obras do fórum trabalhista de São Paulo. A sentença ainda o condenou à perda do cargo, sem direito à aposentadoria. O ex-juiz Lalau, que teve seus bens confiscados para ressarcir os prejuízos, cumpriu parte da pena na penitenciária de Tremembé, outra parte em prisão domiciliar e, por fim, foi beneficiado por indulto concedido pela presidente Dilma.
O juiz João Carlos da Rocha Matos, por sua vez, foi condenado a 12 anos de prisão em regime fechado, por formação de quadrilha, denunciação caluniosa e abuso de autoridade, dos quais cumpriu quase 8 anos na cadeia. Depois, foi novamente sentenciado a mais 17 anos de prisão, também em regime fechado, pelos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-juiz Rocha Matos, que se encontra atualmente preso e cumprindo pena, foi ainda condenado à perda do cargo, sem direito à aposentadoria, e teve mais de R$77 milhões de reais em dinheiro apreendidos e confiscados.
O problema é que são raros os casos em que as penas da corrupção são aplicadas – apenas 3 a cada 100 desses casos são punidos no Brasil. Os exemplos dos ex-juízes Rocha Matos e Nicolau dos Santos Neto são oásis de Justiça no deserto de impunidade da corrupção.
A percepção geral de impunidade que cerca Ministério Público e Judiciário é a mesma percepção quanto à impunidade dos corruptos. Ela decorre da morosidade e das brechas da lei que protegem os réus do colarinho branco. Os juízes e promotores que cometem crimes ou faltas funcionais graves se beneficiam do mesmo sistema processual e recursal caótico e irracional que favorece colarinhos brancos em geral (como foi o caso do procurador de Justiça e ex-senador Demóstenes Torres), o qual convida a defesa a plantar nulidades, adubar com chicana e colher impunidade.
A solução para esse problema é clara. As dez medidas contra a corrupção, rejeitadas pela Câmara dos Deputados nesta semana, oferecem soluções para esse problema, porque propõem tornar mais célere e efetivo o processo de punição. Acabam com os recursos protelatórios, agilizam a solução dos processos, permitem a execução provisória da condenação, reduzem os casos de cancelamento da pena pela prescrição, fecham as brechas para a anulação de casos e facilitam a recuperação do dinheiro público roubado. O pacote anticorrupção se aplica integralmente a juízes e promotores e endurece as penas também para eles.
Além disso, acabar com o foro privilegiado daria mais agilidade às punições de magistrados. Proposta com esse objetivo foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado (PEC 10/2013) e conta com o nosso o apoio e o de todas as associações de magistrados judiciais e do Ministério Público. Contudo, o Congresso resiste em acabar com essa proteção dada também aos parlamentares que são investigados ou réus, inclusive ao presidente do senado, Renan Calheiros.
A PEC 291/2013, que tramita na Câmara e que já foi aprovada no Senado, propõe acabar com a pena disciplinar de aposentadoria compulsória de magistrados e criar a ação civil de perda do cargo (sem direito à remuneração). Aprová-la é outra medida importante e apoiamos que isso aconteça. Não hesitamos em apoiar propostas que cortem a carne apodrecida do corpo do Ministério Público e do Judiciário.
Existe ainda um substitutivo ao projeto de lei de abuso de autoridade de Renan Calheiros, que um grupo de senadores apresentou e que moderniza a lei de abuso de autoridade, pune a carteirada, mas sem criar instrumentos de intimidação e de acovardamento da Justiça. Apoiamos esse projeto.
Agora, o que vários congressistas querem fazer é algo completamente diferente. Com o discurso falacioso de solucionar esse problema, alguns parlamentares propuseram mudanças na Lei de Abuso de Autoridade. O objetivo não é, na verdade, enquadrar juízes que abusam de seu poder. O objetivo é retaliar as investigações, intimidar a Lava Jato, cercear as grandes investigações e ferir de morte a atuação independente do Judiciário e do Ministério Público.
Para manipular a opinião pública, citam o caso do juiz que mandou prender a agente de trânsito que tentava guinchar seu carro. Falam em punir a carteirada. Só que não. A ironia suprema é que tanto o projeto de abuso de autoridade de Renan Calheiros, como a Lei da Intimidação que a Câmara aprovou nesta semana, não punem essa atitude. Não preveem tornar crime a carteirada.
Por outro lado, tais projetos criam crimes com redação sujeita a ampla interpretação – como “proceder de modo incompatível com a dignidade ou o decoro do cargo”- ou que amordaçam promotores e juízes, proibindo-os de conceder entrevistas sobre processos, ou que ameaçam punir juízes e promotores pela interpretação que fizerem da lei ou dos fatos (crime de hermenêutica).
O objetivo, portanto, não é o de coibir o abuso de autoridade, nem o de reduzir a sensação de impunidade. O que querem é intimidar e acovardar o Sistema de Justiça do Brasil. Querem proteger os parlamentares acusados de corrupção que correm risco de ser punidos, fomentando a impunidade, a insegurança, e com isso fornecer blindagem eficiente para corruptos e criminosos em geral. O projeto de abuso de Renan e da Câmara, como dizem os ingleses, “throws the baby out with the bath water” (joga fora o bebê com a água do banho).
O que a Câmara fez na última semana foi aproveitar que os brasileiros dormiam e choravam a tragédia da Chapecoense para, na calada da noite, trucidar as dez medidas contra a corrupção e aprovar a Lei da Intimidação.
Modernizar a lei de abuso de autoridade é uma necessidade. Criar crimes que acovardem o sistema de Justiça é um retrocesso civilizatório. A Lava Jato não é do Ministério Público ou do Judiciário e não temos poderes para defendê-la contra maiorias raivosas no Congresso Nacional. Está nas mãos da sociedade escolher o destino que quer para nosso país.
*Por Helio Telho e Deltan Dallagnol, procuradores da República Artigo publicado no site: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/abuso-de-autoridade-e-pena-de-aposentadoria-de-magistrados-mitos-e-verdades/
[caption id="attachment_1811" align="alignleft" width="225"] Foto: Rosarita Caron[/caption]
É necessário que a população saiba que nem sempre o processo é resolvido com a prolação da sentença.
Na Justiça do Trabalho muitas demandas são resolvidas com a conciliação. Muitos transtornos para a sociedade são evitados em audiências que duram seis, sete ou até mesmo 12 horas ou mais. Muitas negociações são presididas por Juízes de primeiro grau, Desembargadores e até Ministros do TST.
O Artigo do Ministro Emmanoel Pereira, atual vice-presidente do TST, demonstra esses casos que não chegam ao conhecimento dos cidadãos brasileiros.
Rosarita Caron
Justiça invisível
Num país em que a precariedade dos serviços de saúde pública é obstáculo para a prestação de um atendimento digno à população, as negociações conduzidas no Tribunal Superior do Trabalho (TST) conseguiram cessar uma greve, em 18 Estados, de empregados dos hospitais universitários.
A Olimpíada de 2016, sob o risco da greve dos trabalhadores do setor elétrico, foi beneficiada com o afastamento de tal ameaça após negociações envolvendo todas as partes.
Esses casos recentes são emblemáticos da importância da Justiça do Trabalho na sua função de conciliadora e pacificadora social, papel pouco percebido pela população.
Tal função tem sido exercida com sucesso em conflitos coletivos de outras categorias nacionais que envolvem empresas de importância vital no cotidiano da população, a exemplo dos Correios, da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) -responsável por transportar milhares de pessoas todos os dias- e das companhias aéreas.
Podemos citar, ainda, a Casa da Moeda do Brasil, cuja ameaça de greve poderia comprometer a confecção dos passaportes e das medalhas dos Jogos Olímpicos. Mais recentemente, foi celebrado acordo entre a Embrapa e seus servidores, garantindo a continuidade dos serviços.
Mais que julgar processos e garantir os direitos dos trabalhadores, a Justiça do Trabalho atua na pacificação das relações de trabalho, dirimindo conflitos e garantindo um ambiente propício não só para o trabalhador, mas para a população e para o setor produtivo.
Considerando apenas o ano de 2016, as negociações coletivas mediadas pelo TST envolveram mais de 200 mil empregados, evidência de que a conciliação tem se mostrado eficiente instrumento para aliviar a escalada desmedida de processos no Judiciário.
Segundo o relatório "Justiça em Números" de 2016, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 25,3% das sentenças e decisões na Justiça do Trabalho resultaram em acordo, índice que corresponde a mais do dobro apresentado pela Justiça Estadual.
A política de conciliação, já arraigada na cultura da Justiça do Trabalho, pode igualmente explicar o sucesso da última Semana Nacional da Conciliação Trabalhista, organizada pela vice-presidência do TST e pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CJST).
Em apenas cinco dias, mais de 160 mil pessoas foram atendidas em 1.061 audiências que culminaram com a solução de 27.475 processos e R$ 627 milhões em acordos celebrados.
Vivemos uma era em que a Justiça do Trabalho tem obstinadamente empenhado esforços para ultrapassar o fosso existente entre o Judiciário, o cidadão trabalhador e o cidadão empregador. Há muito o trabalho deixou de significar submissão de homens a outros homens.
O efetivo cumprimento dessa honrosa função, que busca resgatar os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa numa sociedade discriminatória e extremamente desigual, implica a afirmação da importância da Justiça do Trabalho.
De forma silenciosa e resoluta, tem contribuído para a aplicação dos direitos sociais e a valorização da cidadania e da paz social.
EMMANOEL PEREIRA é vice-presidente do Tribunal Superior do Trabalho e gestor da Política Nacional de Conciliação Trabalhista.A AMATRA 10, com pesar, noticia o falecimento, nesta sexta-feira (25/11/2016), do ministro Milton de Moura França , ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho no biênio 2009/2011.
O Ministro Milton de Moura França nasceu em Cunha (SP), em 9 de março de 1942. Bacharel em Direito pela Universidade de Taubaté (SP), exerceu a advocacia até 1975, foi procurador autárquico do Estado de 1971 a 1972 e foi aprovado em concurso público de provas e títulos para procurador do Estado de São Paulo.
Investido na magistratura do Trabalho em junho de 1975, na 2ª Região (SP), foi promovido, por merecimento, a juiz presidente da Junta de Conciliação e Julgamento de Guaratinguetá em novembro de 1979. Atuou como juiz substituto no TRT da 15ª Região (Campinas/SP) desde junho de 1987. Foi promovido a juiz do TRT da 15ª Região em abril de 1991, por merecimento.
Moura França assumiu o cargo de ministro do Tribunal Superior do Trabalho em agosto de 1996. Exerceu a Vice-presidência do TST no biênio 2007/2008. Assumiu, no dia 2 de março de 2009, a Presidência do TST e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho para o biênio 2009/2011, onde permaneceu até o dia 2 de março de 2011.
Informações extraídas do site do TST.A campanha contra a magistratura vem seguindo firme e, para isso, a divulgação dos salários dos magistrados tem sido feita pela metade, pois não mostra a verdade em sua totalidade. Pinçam os dados que lhes convém para denegrir a imagem dos juízes.
Aqueles que querem demonizar o Poder Judiciário selecionam os contracheques dos quais constam pagamento de 13º salário, adiantamento de férias acrescidas do terço constitucional e, ainda, pagamento de diferenças salariais devidas, pagas depois de décadas pela União.
Se quisessem mesmo estampar a verdade dos fatos e combater os supersalários teriam mostrado o contracheque do mês subsequente às férias do magistrado, no qual constaria o desconto do adiantamento salarial e possibilitaria aos leitores visualizarem o contracheque praticamente zerado.
Não somos a favor dos supersalários ou do desrespeito ao teto salarial, mas é necessário que as ações daqueles que “dizem denunciar” esses supersalários, sejam transparentes e éticas.
Supersalários: Associações afirmam que juízes federais e do Trabalho não recebem acima do teto constitucional
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) divulgaram nesta terça-feira (22/11) nota pública sobre a instituição de comissão no Congresso Nacional destinada a “investigar” casos de supersalários no âmbito dos três Poderes.
Segundo as duas associações, os juízes do Trabalho e Federais não recebem acima do texto constitucional, tampouco acumulam, de forma ilegítima, aposentadorias. A Anamatra e a Ajufe acrescentam ainda que os subsídios não vêm sendo recompostos, como prevê a Constituição Federal, desde 2005. Para as associações, a pesquisa em torno de supersalários no Brasil, embora relevante, não pode ser vista como instrumento para constranger juízes e membros do Ministério Público.
Confira abaixo a íntegra da nota:
Nota pública
Tendo em vista a instituição de comissão no Congresso Nacional destinada a "investigar" casos de supersalários no âmbito dos três Poderes, vêm a público as associações da Magistratura da União adiante subscritas, ANAMATRA - Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho e AJUFE - Associação dos Juízes Federais do Brasil, esclarecer a sociedade sobre os seguintes pontos:
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Os magistrados do Trabalho e os juízes Federais não percebem salários, vencimentos, subsídios ou vantagens acima do teto constitucional.
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Não integra a realidade dessas carreiras registros de "supersalários" e acúmulos ilegítimos de aposentadorias como, por exemplo, recentemente revelado em casos de Ministros do atual governo.
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É necessário ainda dizer que, desde a instituição do sistema de subsídios, em 2005, o pacto político constitucional que assegura anualmente corrigi-lo para manter o seu poder de compra foi seguidamente descumprido em pelo menos cinco anos, ao longo dos governos Lula, Dilma e já recentemente no governo atual, tudo isso gerando perdas no valor dos subsídios da ordem de 43%. Essa mesma desorganização remuneratória, em período anterior ao regime de subsídios, gerou diferenças em favor de parcela da Magistratura, cuja liquidação não é menos tormentosa.
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Na verdade, as associações da Magistratura da União defendem há anos a instituição de um projeto de remuneração que seja estável, transparente, equilibrado e que valorize a gradação da experiência dos magistrados à medida da evolução do tempo de carreira, capaz de assegurar a garantia periódica da recomposição salarial, nos termos da Constituição Federal.
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A pesquisa em torno de supersalários no Brasil, embora relevante, não pode ser vista como instrumento para constranger juízes e membros do Ministério Público que atuam com firmeza em temas importantes para o país. Como assinalou a Ministra Carmen Lucia, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é o meio hábil para conter os casos destoantes no âmbito do Poder Judiciário, sendo relevante que o Legislativo e o Executivo se voltem para os casos que lhes dizem respeito.
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As associações subscritoras, portanto, não receiam nenhuma discussão sobre salários e muito menos debates éticos, esperando que a Comissão não desvirtue o caminho de seus trabalhos.
Brasília, 22 de novembro de 2016.
Germano Silveira de Siqueira
Presidente da Anamatra
Roberto Carvalho Veloso
Presidente da Ajufe
Foto: Agência Senado _________________________________________________ É permitida a reprodução, total ou parcial, do conteúdo publicado no Portal da Anamatra mediante citação da fonte. Assessoria de Imprensa Anamatra Tel.: (61) 2103-7991 (61) 3322-0266Justiça do Trabalho. Não deu certo?
[caption id="attachment_1792" align="alignleft" width="322"] 12/02/2016 - CIDADES -Desembargador Lorival Ferreira dos Santos do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Foto: Divulgação[/caption]Os sucessivos e orquestrados ataques ao Judiciário Trabalhista e aos seus membros, nesse crítico momento político, econômico e social pelo qual o país vem passando, nos impele à reflexão acerca do papel da Justiça do Trabalho e seus objetivos no futuro.
Em visão obtusa e distorcida da realidade, alguns representantes da classe política têm elevado bravatas contra a atuação dos membros do Judiciário Trabalhista e suas decisões “tendenciosas” em desfavor do empresariado, destacando, como premissa inadequada e perigosa, os elevados gastos para o regular funcionamento da estrutura do judiciário laboral nacional, frente à parcial arrecadação dos recursos necessários para sua autossuficiência.
Mas tal assertiva não se sustenta a partir de um olhar mais acurado sobre a questão.
O Judiciário Trabalhista é um dos mais operosos segmentos da Justiça Nacional, tendo recebido, só em 2015, segundo o “Justiça em Números”, 4.058.477 casos novos, e solucionado neste mesmo ano 4.202.528 processos.
Considerada a bipolaridade característica das relações processuais (dado que sempre haverá, no mínimo, duas pessoas interessadas no desfecho de cada processo), foram mais de 8.000.000 de pessoas atendidas diretamente, sem contar o efeito que uma demanda judicial resolvida a contento surte em relação a toda a comunidade.
No mesmo anuário constata-se que o número de novos casos judicializados nos ramos Estadual, Federal, Eleitoral e Militar do Poder Judiciário sofreu retração, enquanto somente no Judiciário Trabalhista houve uma constatada elevação. Ora, em tempos de demissão em massa de trabalhadores, efeito direto das crises econômica e social experimentada no país espera-se, por óbvio, um número crescente de demandas ajuizadas por trabalhadores que deixaram de gozar de direitos previstos em lei.
O viés meramente econômico apontado equivocadamente como justificativa para a contestação da Justiça do Trabalho não pode ser pedra fundamental para medir a eficiência de qualquer órgão público – cujo objetivo, por óbvio, não é “dar lucro”. Necessário observar os resultados práticos produzidos na vida daqueles que recorrem à proteção do Estado e se socorrem da tutela jurisdicional para tanto, especialmente quando do outro lado da demanda há uma força desproporcionalmente superior, como a ostentada pelo Capital.
Com todo respeito aos que pensam diferente, há um grande desvio de perspectiva levado a efeito pelos detratores da Justiça do Trabalho. Quem considera o valor de um dos ramos do Poder Judiciário apenas pelo custo financeiro que ele pode representar, incorre no pecado utilitarista que já foi defendido por Jeremy Bentham, para quem aprisionar mendigos para livrar as demais pessoas do constrangimento de vê-los em praça pública seria algo perfeitamente aceitável, porque no final das contas haveria mais gente satisfeita por não se deparar com famintos maltrapilhos em ambientes públicos, do que descontentes pela injusta prisão a eles imposta.
Os que pretendem aferir a “utilidade” da Justiça do Trabalho, pelo prisma do custo financeiro por ela representado, desconsideram o valor maior por ela tutelado, que é a dignidade do próprio trabalhador. Assim como não é possível monetizar a prestação jurisdicional que regula a guarda de uma criança ou decreta a prisão de um malfeitor - porque o que importa é o bem-estar do vulnerável e a tranquilidade da sociedade -, também o deferimento do aviso prévio descumprido ou da indenização pela sequela acidentária não pode ser mensurado pelo custo do serviço judiciário prestado, porque também aqui o que se visa é a tutela do hipossuficiente, a sua dignidade em última análise.
A legislação trabalhista pátria determina, em vários preceitos constitucionais pétreos, um tratamento não uniforme entre o trabalhador que demanda e o detentor do poder econômico, pois o legislador há muito percebeu a desigualdade entre as partes numa demanda trabalhista, incluindo normas para o restabelecimento do equilíbrio jurídico entre elas. Caso assim não ocorresse, fatalmente não se faria justiça.
E isso não é privilégio somente da legislação trabalhista. As normas que regulam a relação de consumo também possuem vertentes protetivas ao consumidor hipossuficiente. O estatuto da criança e do adolescente também atua de forma a proteger os mais vulneráveis, o mesmo ocorrendo com outros diplomas legais que regulam relações jurídicas marcadas pela disparidade de forças.
Já o Judiciário Trabalhista tem demonstrado sua eficácia e eficiência quando objetivamente é o que mais realiza justiça social, devolvendo dignidade aos trabalhadores, provendo-os de recursos alimentares e punindo os descumpridores da Lei de forma célere e adequada, sem se afastar dos desígnios previstos na Carta Cidadã de 1988.
Ademais, como assim também entenderam os parlamentares constituintes de 1988, a própria existência da Justiça do Trabalho se faz imprescindível para a pacificação de conflitos relacionados ao trabalho e aplicação da legislação nacional vigente, sem a qual teríamos um retrocesso histórico de degradação do trabalho e exploração humana desmedida.
A Justiça do Trabalho, como órgão de aplicação da legislação laboral, não pode ser taxada como vilã em um processo de retomada econômica do país, uma vez que representa verdadeira proteção de direitos conquistados pelos trabalhadores em décadas de luta contra abusos patronais.
Devemos, por evidente, ter uma Justiça do Trabalho forte, moderna e apta aos novos desafios que se impõem na atualidade, com vistas a fortalecer a democracia e a solidificar a confiança dos jurisdicionados nesse ramo especial do judiciário; que certamente não se furta em se modernizar, em evoluir, mas não pode aceitar os injustos ataques de que vem sendo vítima.
Ao contrário do que pensam alguns, o Judiciário Trabalhista não foi estruturado para atender apenas ao trabalhador, mas à relação capital-trabalho. Sua principal função não é tutelar o trabalhador, propriamente, mas civilizar o confronto natural entre os que trabalham e os que precisam do trabalho de outrem, o que, ao contrário do que proclamam os desavisados, deu e dará sempre muito certo!
LORIVAL FERREIRA DOS SANTOS Desembargador Presidente do Colégio de Presidentes e Corregedores da Justiça do Trabalho – COLEPRECOR e do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª RegiãoPEC 55 e a Justiça do Trabalho: escolha seu apelido
Por Rodrigo TrindadeApelido é coisa séria no Brasil. Não tem país que dê mais importância para alcunhas que o nosso. E não só para pessoas, também acontecimentos: golpe de 64 ou redentora, Revolução Federalista ou Revolta da Degola, apelidamos fatos históricos conforme nossa interpretação de causas e, principalmente, das consequências.
A gente acompanha meio de longe manifestações pro e contra a PEC 55 (PEC 241 na Câmara dos Deputados), mas alguns cognomes já aparecem: PEC do Fim do Mundo, PEC do Teto, PEC da Salvação, PEC da Maldade. Em alguns anos estará batido o martelo para o melhor apelido, mas por enquanto podemos pensar nas atuais causas das opções de nomes.
A medida, planejada pelo atual governo, limita o aumento das despesas federais à inflação apurada pelo IPCA. Os ministros do Planejamento e Casa Civil — bem apoiados no Congresso — falam de agudo desequilíbrio fiscal, com efeito de déficit de até R$ 170 bilhões anuais. De fato, a dívida pública já alcança quase 80% do PIB e só a PEC para oferecer “salvação” a tamanho descontrole.
Os movimentos sociais argumentam que o projeto privilegia pagamento de dívidas, achata salário mínimo e benefícios previdenciários, condena os serviços públicos ao sucateamento e pode extinguir saúde e educação pública da forma como as conhecemos hoje. Daí que carrega todos para o “Fim do Mundo”.
Amplas análises conjunturais são tarefas para políticos, economistas e palpiteiros de egos bem mais inflados. Mas podemos fazer pequena reflexão sobre os efeitos no "mundinho” da Justiça do Trabalho, caso a PEC (recorte e cole aqui sua alcunha preferida) seja aprovada.
O momento de referência de orçamento da Justiça do Trabalho é o pior da história. No começo do ano, tivemos demolidor corte na peça orçamentária. Um deputado muy amigo achou que cumpríamos bem demais nossas tarefas e, para estrangular e mandar repensar, decepou vários milhões de reais. Só não fechamos as portas, em razão de aporte emergencial no segundo semestre. Na forma como está a proposta, o orçamento “congelado” é o do começo do ano, sem nem mesmo a complementação que nos permitiu encerrar o ano respirando.
A restrição geral de despesas primárias usa chicotinho e roupa de vinil. A PEC 55 estabelece limitação de todos os gastos do Judiciário Trabalhista e impõe concorrência entre diversas rubricas do orçamento. Algo do tipo “quem corta mais”. Chegará um tempo em se que haverá de optar entre pagar a conta de luz ou os contratos dos terceirizados.
Todos sabemos do permanente crescimento de ajuizamentos de ações trabalhistas. Só em Porto Alegre, a cada ano há 5% a mais de processos e faz muito tempo que não vemos criação de varas e cargos de juízes. O congelamento orçamentário impede que estrutura minimamente acompanhe demanda. Ou seja, os processos ficarão mais longos, capengas e ineficazes.
Cumprir a Constituição devia ser coisa séria. O comprometimento geral dos direitos sociais previstos no artigo 6º é difícil de ser cogitado, não só porque pagar tanto imposto, e ter menos retorno a cada ano, é duro de engolir, como em razão de afrontar objetivos fundamentais da República. Ocupamos um vergonhoso 75º lugar no ranking de desenvolvimento humano da ONU e a tendência é ir ladeira abaixo. Chegar em 2036 com dívida zerada e população miserável é — como disse Leandro Karnal — salvar o Titanic apenas para aportar em Nova Iorque com todos os passageiros mortos.
Esse mecanismo de compensação de gastos tem outras perversidades. Com a limitação geral de despesas, e para suportar demandas urgentes, gera-se opção de cortes em outros setores, como previdência pública. A Reforma Previdenciária que se aproxima (qual será o apelido?), com seus novos instrumentos precarizantes, gera tendência de agravamento para os funcionários públicos.
Especialmente preocupa essa monologia utilitarista. A Justiça do Trabalho é instrumento de civilização, cumpre função de distribuição de direitos fundamentais, injeta recursos na microeconomia, segura a onda de conflitos entre capital e trabalho e restringe a marginalização. Nada disso é coisa para ser medida em planilhas de fluxo de caixa.
Mas se o economicismo financista é como o anel de Sauron do Senhor dos Aneis (my precious!), o corte de estrutura é ainda um baita erro. Em artigo recente, o juiz Daniel Nonohay e eu mostramos como a Justiça do Trabalho Brasileira dá lucro para todo o país (leia aqui), mas aí vai um dado de paróquia: o orçamento do TRT do Rio Grande do Sul em 2015 foi de R$ 1,46 bilhão. Os valores pagos em condenações e acordos foi maior: R$ 1,77 bilhão. A isso somam-se R$ 297,7 milhões em arrecadações e outros muitos milhões em imposto de renda e contribuições previdenciárias sobre salários de funcionários e magistrados. Não há sentido — nem mesmo financeiro — em cortar estrutura de órgão que arrecada e enche os cofres da União.
Berthold Brecht, o dramaturgo alemão, já disse que há nada mais simplista e errado para fugir de uma discussão que dizer que algo é indeclinável, inexorável. Muita gente séria cita medidas substitutivas à PEC, a partir da ideia de preservar não apenas o navio, mas essencialmente os passageiros. Fala-se de restringir excessivas benesses ao capital financeiro, repensar renúncias fiscais, estabelecer teto para pagamento de juros, aumentar o número de faixas-alíquota de imposto de renda, combater efetivamente corrupção e sonegação de impostos, taxar dividendos remuneratórios de sócios de empresas, auditar a dívida pública. Enfim, há diversas alternativas à sedução simplista da guilhotina decepatória de quem já recebe tão pouco do Estado.
Em 30 anos, a PEC 55 terá seu apelido consolidado. Mas, é claro, para isso, teremos de estar por aqui. E respirando.
Rodrigo Trindade é Juiz do Trabalho da 4ª Região – Rio Grande do Sul e presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (AMATRA IV). O artigo também foi publicado no CONJUR: http://www.conjur.com.br/2016-nov-16/rodrigo-trindade-pec-55-justica-trabalho-escolha-apelido?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebookDiante de tantas informações desencontradas e sob uma campanha que esconde a verdadeira finalidade da PEC 55/2016, também chamada de “PEC DO FIM DO MUNDO”, os Juízes do Trabalho, Germano Siqueira, atual Presidente da ANAMATRA e Guilherme Guimarães Feliciano, Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, escreveram artigo sobre o tema intitulado: “A PEC Nº 55 e o conto do vigário”, explicando os detalhes do Projeto e as mazelas que ele pode causar a toda sociedade brasileira.
O artigo foi publicado no site:
http://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2016/11/12/o-teto-de-gastos-e-o-conto-do-vigario/
Conta-se que a expressão “conto do vigário”, de uso disseminado no Brasil e em Portugal, deva-se a uma antiga disputa oitocentista, entre os vigários das paróquias de Pilar e da Conceição (em Ouro Preto), por uma mesma imagem de Nossa Senhora. O vigário de Pilar teria então proposto que “Deus” decidisse a refrega: a imagem seria amarrada em certo burro, que por sua vez seria deixado à própria sorte, entre as duas igrejas; e a imagem então pertenceria àquela paróquia para a qual rumasse espontaneamente o animal. Como o burro tomou a direção da igreja de Pilar, ali permaneceu a imagem. O que, porém, o vigário da Conceição não sabia é que aquele burro não era um animal qualquer, mas o de estimação do vigário de Pilar (de modo que, afinal, só fez mesmo voltar para casa). “Conto do vigário” designaria, desde então, engodo, ilusão, artifício. O grande Fernando Pessoa contava as histórias de Manuel Peres Vigário, que vivia de trapaças. E o próprio adjetivo “vigarista” derivou desses contextos.
Pois bem. Dito isso, vamos ao ponto.
No dia 15 de junho deste ano – atente-se para a data −, o ainda vice-presidente da República apresentou à Câmara dos Deputados o que viria a ficar conhecido como a “PEC do teto de gastos”, ou “PEC do fim do mundo”. Falamos da PEC nº 55/2016 – que tramitou na Câmara dos Deputados sob o número 241/2016 −, destinada a “[a]ltera[r] o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal”, aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal no último dia 9 de novembro.
Já aprovada na Câmara dos Deputados em dois turnos, ela agora segue para o Plenário do Senado. E é ela que, entre outras medidas, limitará a despesa primária total para o exercício de 2017 pelo equivalente à despesa primária realizada no exercício de 2016, corrigida pela variação do IPCA, e nada mais; e determinará que assim se proceda, sucessivamente, pelos próximos vinte anos, manietando qualquer possibilidade real de melhorias substantivas em áreas estratégicas como saúde, educação e segurança pública (que obviamente requerem investimentos extraordinários, além dos atuais, ou estaríamos já no melhor dos mundos).
O rigor fiscal vai ainda além e, no caso de descumprimento daqueles limites, suspender-se-ão os efeitos do artigo 37, X, da Constituição, instando-se os servidores públicos a suportarem pessoalmente todas as perdas inflacionárias do período, sem possibilidade de qualquer reposição; e, da mesma maneira, vedar-se-á a criação de novos cargos, empregos ou funções, como também a contratação de pessoal e a própria realização de concursos, estagnando-se o serviço público, que paulatinamente perderá fôlego ante as acumuladas vacâncias não repostas (com exceção honrosa para os cargos efetivos; mas, mesmo assim, a critério de um administrador premido pela ideologia das contenções).
Justificando-a, os Ministros do Planejamento e da Casa Civil registravam, entre outros pontos, a existência de um “agudo desequilíbrio fiscal que se desenvolveu nos últimos anos” , refletido na “deterioração do resultado primário nos últimos anos, que culminará com a geração de um déficit de até R$ 170 bilhões este ano, somada à assunção de obrigações, (que) determinou aumento sem precedentes da dívida pública federal”.
E prosseguia, na exposição de motivos da proposta, pontificando que, “[d]e fato, a Dívida Bruta do Governo Geral passou de 51,7% do PIB, em 2013, para 67,5% do PIB em abril de 2016 e as projeções indicam que, se nada for feito para conter essa espiral, o patamar de 80% do PIB será ultrapassado nos próximos anos”. Ao assinalar esses pontos, defendeu a urgência de medidas de severas contenções de despesas, generalizadas e indiscriminadas, cuja implementação aumentaria a previsibilidade da política macroeconômica e fortaleceria a confiança dos agentes financeiros, “eliminando a tendência de crescimento real do gasto público, sem impedir que se altere a sua composição, reduzindo o risco-país”.
A nós, cidadãos, resta então saber se um regime tão intenso de restrições, jamais visto em outra parte do mundo – não com duração vintenária −, é de fato contingente e necessário. Ou se apenas realiza um projeto político de desconstrução do Estado social e de subalternização do funcionalismo público (desimportante nos Estados mínimos); projeto que, sob o novo governo, viria de todo modo. É dizer: a PEC n. 55/2016 é mesmo a solução emergencial para todos as males, como tem alardeado a grande imprensa? Ou, ao revés, é apenas o “burro” que placidamente caminha na direção daquilo que o Governo e o seu establishment querem?
Vejamos, com alguns dados recentes.
Chamávamos a atenção, há pouco, para a data de propositura da então PEC 241 (15/6). É que no dia 24 daquele mesmo mês (quase dez dias depois, portanto), esse mesmo Governo fez publicar uma Nota Pública, a propósito do plebiscito no Reino Unido (o “Brexit”) e dos seus impactos econômicos, comunicando o seguinte à comunidade internacional (e comunicando-o com verdade, havemos de crer, ou se arriscaria a perder a credibilidade):
“A situação do Brasil é de solidez e segurança porque os fundamentos são robustos. O país tem expressivo volume de reservas internacionais e o ingresso de investimento direto estrangeiro tem sido suficiente para financiar as transações correntes. As condições de financiamento da dívida pública brasileira permanecem sólidas neste momento de volatilidade nos mercados financeiros em função de eventos externos. O Tesouro Nacional conta com amplo colchão de liquidez. A dívida pública federal é composta majoritariamente de títulos denominados em reais. Além disso, o governo anunciou medidas fiscais estruturantes de longo prazo. A recente melhora nos indicadores de confiança e na percepção de risco do país reflete essas ações. Nesse contexto, o Brasil está preparado para atravessar com segurança períodos de instabilidade externa”.
A estranheza é inevitável. Ou bem estamos sob “agudo desequilíbrio fiscal ”, com o “aumento sem precedentes da dívida pública federal”, ou bem estamos em uma situação financeira “de solidez e segurança”, em que “as condições de financiamento da dívida pública brasileira permanecem sólidas” e “o Tesouro Nacional conta com amplo colchão de liquidez”. Ou alguém sustentará a absurda contradição de que estamos “muito bem” externamente e “muito mal” internamente, no pressuposto surreal de que o endividamento externo não interfere com a economia interna (e vice-versa)? Se o país é incapaz de manter a política de valorização do salário mínimo, se não consegue honrar os direitos constitucionais dos seus servidores públicos (artigo 37, X, CF), se não pode prover segurança jurídica para os atuais e futuros aposentados e pensionistas e, mais grave, se confessa publicamente a sua incapacidade de fazer mais investimentos em saúde e educação pública, será capaz de honrar, a tempo e modo, com o serviço da dívida pública externa.
Ou, para usar os exemplos pedestres do discurso oficial recente (algo como “a dona de casa não pode gastar mais do que recebe”, na fantástica presunção de que as nossas casas refletem o ambiente macroeconômico do país), o pai de família que já não consegue honrar com os compromissos assumidos dentro de casa, que não tem condições de oferecer aos filhos um plano de saúde ou uma escola melhor, poderá fidedignamente dizer aos seus vizinhos que está tudo bem, e que não há qualquer risco de que o dinheiro vultoso a ele emprestado deixe de ser devolvido com os juros prometidos?
Essas contradições – ao lado de outras tantas − revelam, afinal, os reais motivos da PEC n. 55. Na verdade, bem longe das razões propagandeadas de forma intensiva pela grande mídia − sem dar voz efetiva, diga-se, aos muitos que pensam de forma contrária −, o que se busca com essa proposta é a inidônea revisão do modelo constitucional do Estado social brasileiro, tal como concebido pelo constituinte de 1987-1988.
Não se trata, pois, de uma “contingência”. Trata-se de uma escolha política. Trata-se daquela escolha política descrita por Zigmunty Bauman, não sem certa dose de ironia, como a do “Estado de Bem-estar social para os ricos que, ao contrário de seu homônimo para os pobres, nunca viu questionada a sua racionalidade”. Mas essa é uma escolha política que, todavia, já não pode haver – não, ao menos, em um ambiente genuinamente democrático −, sem o concurso de uma nova assembleia nacional constituinte. Saúde e educação, por exemplo, são direitos sociais fundamentais insculpidos no artigo 6º da Constituição. E, nessa condição, têm de estar acima dos compromissos com os serviços da dívida pública. Nada mais retilíneo, do ponto de vista jurídico.
Mas a retórica impenetrável da PEC n. 55 permite torcer prioridades, sob os insistentes aplausos da grande imprensa. Com efeito, enquanto os limites do “Novo Regime Fiscal” não se flexibilizam para os necessários investimentos em saúde e educação, excetuam-se por completo para as “despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes” (texto proposto para o artigo 102, §6º, V, do ADCT). Não haverá óbices, portanto, a que o Tesouro aumente o capital de empresas como Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Petrobras e, de forma ainda mais perigosa, nessa mesma categoria, empresas estatais que emitem debêntures, com garantia pública, ferindo diversos dispositivos do art.167 da Constituição. Os projetos de lei PLS 204/2016, PLP 181/2015 e PL 3337/2015 visam “legalizar” esse esquema, que resultará em aumento da dívida pública, provocando enorme rombo nas finanças estatais.
Essas são as chamadas “empresas não dependentes”, i.e., aquelas empresas estatais controladas que não recebem do ente controlador recursos financeiros para pagamento de pessoal ou para despesas de custeio ou de capital. Poderão, todavia, ser “financiadas” de outro modo ou servir para que o Estado esteja a serviço de interesses privados, desde que o Tesouro lhes “engorde” o capital, sem limite (inclusive daquelas que sofreram ataques de corruptos e corruptores ao longo de anos). É, a rigor, manobra destinada a facilitar a operações de venda de ativos, depois de devidamente revalorizados com dinheiro público. Fosse séria a tal PEC de gastos, essas torneiras estariam fechadas, mas não estão. Ao contrário.
Fecham-se as portas para os interesses da sociedade com gastos em educação e saúde (que terão idênticas repercussões no desaparelhamento do sistema de Justiça), ao mesmo passo em que se abrem os portões para os interesses do poder econômico. E, de fato, a Petrobras já anuncia vendas de algumas de suas empresas (Liquigás, Ultrapar ) e alguns campos de produção de petróleo em terra. O Banco do Brasil também comunica a demissão de 18 mil empregados. São iniludivelmente realidades conexas, se imaginarmos um futuro possível de virtuais privatizações em condições generosas.
O economista François Bourguignon, ex-vice-presidente do Banco Mundial, assinala que importante para o Brasil é dar um sinal de que vai controlar melhor as contas públicas, alertando que se a taxa de gastos em relação ao PIB ficar em torno de 15%, o país vai se equiparar a países bem menos desenvolvidos, como os africanos, enquanto o professor Luiz Gonzaga Belluzo (professor titular do Instituto de Economia da Unicamp), em artigo na Folha, sustenta que “o déficit público não resulta de gastança, mas de queda de arrecadação, logo a inflação não resulta de excesso de demanda pública a controlar com juros altos. Segundo, os juros elevados e inexplicáveis são o principal determinante da ampliação da dívida pública, gerando custos que a austeridade do gasto social e do investimento público é incapaz de controlar, tanto mais porque os cortes limitam o crescimento do PIB”. E conclui, quanto à PEC n. 55: “Politicamente, é uma impostura: pesquisas de opinião mostram que a imensa maioria da população (até 98%) aprova a universalidade e a gratuidade da saúde e da educação pública. No mundo acadêmico, além de injusta, a austeridade é vista como contraproducente tecnicamente. O maior risco atual à democracia brasileira é que instituamos uma ditadura de tecnocratas que legitimam, com retórica cientificista, mudanças no pacto social inscrito na Constituição Federal com base em argumentos desatualizados empírica e teoricamente”. Curiosamente (ou congruentemente), pesquisa divulgada há pouco (18.10.2016) pela agência de comunicação Isobar Brasil, com base em 59 mil menções diretas à PEC do teto de gastos nas redes sociais, revela que um percentual muito semelhante àquele (94% dos internautas pesquisados) tem posição contrária à PEC n. 55, quando ainda tramitava como PEC n. 241…
Trata-se, pois, de expedientes retórico-políticos que pretendem impor às instituições brasileiras uma agenda de regressão civilizatória e constitucional, dita “inevitável”, sob a liderança de alguns capitães–do-mato que agora se apresentam como vozes da decência, mas cujos comportamentos recentes pouco ou nada revelam no campo da austeridade fiscal.
E, se ruinosas do ponto de vista econômico, serão tais mudanças ao menos admissíveis do ponto de vista jurídico?
Tampouco.
No campo da saúde, p.ex., as estimativas são de que, à mercê de um “congelamento” de vinte anos no respectivo orçamento, voltemos à condição que o Sistema Único de Saúde apresentava no início da década passada; a rigor, se o “Novo Regime Fiscal” estivesse em vigor entre 2003 e 2015, não teriam sido aplicados no SUS cerca de 135 bilhões de reais, a preços médios de 2015 (o que corresponderia a uma perda superior a tudo o que será empenhado, nesse segmento, em todo o ano de 2016). Com efeito, pesquisas internas do próprio Conselho Nacional da Saúde revelam que, para manter o padrão de investimentos de 2014, o governo deveria destinar cerca de R$ 119 bilhões para a Saúde em 2017 v., e.g., http://epoca.globo.com/vida/noticia/2016/10/o-que-pec-241-muda-na-saude.html); e, no entanto, se aprovada a PEC n. 55, serão aplicados aproximadamente R$ 113,7 (queda estimada de 5% , portanto, já no primeiro ano de vigência da emenda).
Já no âmbito da educação, cenários projetados no âmbito da Câmara dos Deputados sinalizam que, se a PEC n. 55 estivesse em vigor entre 2010 e 2016, a área da educação teria recebido, a cada ano, algo entre 9,6% e 18% daquilo que efetivamente recebeu. No que toca ao Plano Nacional de Educação (PNE), talvez o mais fundamental programa de governo nesse segmento (por justamente envolver metas para todas as etapas da educação básica, atendendo à primeira infância e capacitando os respectivos professores), é certo que a aprovação da PEC n. 55 comprometerá a chamada “meta n. 20”, que propõe o investimento de 10% do PIB na área (isto porque, a bem da verdade, o atual Governo quer romper com quaisquer vínculos entre investimento e crescimento do PIB, pela suposta relação errática que se estabelece entre esse crescimento e a própria arrecadação fiscal). Também haverá provável redução dos investimentos para fins de expansão do número de creches e de repasse às escolas integrais.
E nem se responda a esses números com a tíbia afirmação – que os canais oficiais têm insistentemente reproduzido – que “a PEC não estabelece teto, mas piso”, seja para a saúde, seja para a educação.
O fato é que a PEC n. 55 não apresenta, a rigor, qualquer marco financeiro setorial, seja para mais, seja para menos (os “pisos”, hoje, estão dados pela própria Constituição – v. EC n. 59/2009 e EC n. 86/2015; a PEC apenas prevê que esses “pisos” serão, nos próximos vinte anos, unicamente corrigidos pela inflação). Por outro lado, os “limites individualizados para despesas primárias” da PEC estabelecer-se-ão para os gastos globais, por poder e/ou instituição pública da União (v. artigo 102 do ADCT, na redação da PEC: Poder Executivo, STF, STJ, CNJ, Justiça do Trabalho, Justiça Federal, Justiça Militar da União, Justiça Eleitoral, Justiça do Distrito Federal e Territórios, Senado Federal, Câmara dos Deputados, Tribunal de Constas da União, Ministério Público da União, Conselho Nacional do Ministério Público e Defensoria Pública da União). Essa constatação reforça o vaticínio de que, na prática, dar-se-á a efetiva retração dos investimentos em saúde e educação: certas despesas orçamentárias fixas, ainda se consideradas por unidade ou instituição (e não por área de aplicação), deverão inexoravelmente aumentar; tal é o caso, por exemplo, das despesas com a previdência pública, seja no Regime Geral da Previdência Social, seja ainda nos Regimes Próprios de Previdência Social.
É que as projeções atuariais indicam que a população brasileira em idade ativa (de 16 a 59 anos), como proporção da população total, alcançará o seu pico em cinco anos, quando corresponderá a 64,7% do total; já a partir de 2021, entrará em queda constante, ainda dentro do primeiro terço do período de vigência da PEC n. 55 (v. Projeções Atuariais para o Regime Geral de Previdência Social – RGPS, Ministério da Previdência Social, Secretaria de Políticas de Previdência Social, março de 2013). Logo, haverá naturalmente mais gastos e menos recursos para custeá-los, especialmente em razão do aumento da expectativa de sobrevida e da diminuição da taxa de fecundidade. E a anunciada “reforma da previdência” – a terceira em pouco menos de vinte anos, contando-se a partir da EC n. 20/1998 – não conseguirá fazer frente a tais aumentos; quando muito, minorará a taxa de crescimento dessas despesas fixas. Consequentemente, se tais despesas vão necessariamente aumentar (ainda que a menor taxa), outras rubricas do “bolo” – como, p. ex., os investimentos em saúde, educação e segurança pública – tendencialmente estacionarão, se é que não sofrerão efetivos cortes (já que atualmente tais inversões estão acima dos pisos constitucionais, ao menos no âmbito da União).
Daí que, que em áreas socialmente sensíveis, como notadamente em saúde e educação públicas, haverá irretorquível retrocesso, com restrições de ordem econômico-orçamentária que impactarão no planejamento político e na tecnologia jurídica. Em o fazendo, o Brasil estará, desde logo, violando o compromisso assumido com a Organização dos Estados Americanos, desde 1992 (Decreto n. 678), com a ratificação do Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos), cujo artigo 26 dispõe que “[o]s Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados” (g.n.).
A rigor, porém, o Estado brasileiro passa a fazer o contrário. Por via legislativa – a própria PEC n. 55 −, compromete intensivamente a capacidade de investimento no campo social (notadamente em saúde e educação, mas também em ciência e cultura), reservando, nos próximos vinte anos, todo o excedente em relação aos limites do art. 102, §1º, do ADCT, na redação da PEC, para a amortização dos juros da dívida pública. Uma opção socialmente retrocessiva, a despeito de seu compromisso internacional. Nada mais, nada menos. E, ao agredir o compromisso derivado do artigo 26 do Pacto de San José, agride-se também a Constituição da República, já que a vedação do retrocesso social é um princípio constitucional pétreo implícito, derivado dos artigos 5º, §2º, e 6º, c.c. 60, §4º, IV, da Constituição (como, aliás, já reconheceu o STF; v., p.ex., ARE n. 727.864 AgR, j. 4.11.2014; RE n. 398.041, j. 3.11.2006).
Mas não será apenas essa a eiva constitucional. A PEC n. 55 padece de outras inconstitucionalidades ainda mais patentes.
Ela fere a autonomia do Poder Legislativo e do Poder Judiciário – e, portanto, o princípio de independência do artigo 2º da Constituição −, na medida em que confere ao Poder Executivo da União, na fixação dos limites globais de gastos e no controle financeiro-orçamentário dos outros Poderes, uma primazia sem precedentes.
A usurpação iniciou-se já com a própria iniciativa legislativa (o Executivo, ao remeter à Câmara dos Deputados a PEC n. 241, desconsiderou os demais Poderes) − e termina com a sua interpretação hegemônica para os vários conceitos abertos do texto sugerido. Com efeito, pelo teor do texto, caberá ao Poder Executivo, sozinho, calcular, interpretar e impor, aos demais Poderes da República, os limites globais de despesas de cada um. Se é certo que o parágrafo 1º do artigo 102 do ADCT, como proposto na PEC, minudenciará a forma de cálculo de tais limites, a partir de 2017, também é certo que alguns conceitos e hipóteses exigirão interpretação e adequação à realidade de cada instituição (como, p.ex., “demais operações que afetam o resultado primário”, “compensação entre os limites individualizados dos órgãos elencados em cada inciso” etc.).
Na prática, qualquer perspectiva de ampliação material ou funcional do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público ou da Defensoria Pública fica vedada, nos próximos vinte anos, a despeito do que entendam, por suas cúpulas administrativas, tais instituições; nesse sentido, aliás, caminhou a Nota Técnica PGR/SRI n. 82/2016, da Secretaria de Relações Institucionais da Procuradoria-Geral da República, que apontou tal inconstitucionalidade. Daí que, para preservar a independência entre os Poderes da República, nos termos do artigo 2º da Constituição, é imprescindível inserir a presente ressalva, de modo que os Poderes encaminhem ao Executivo as suas propostas, já adequadas ao Novo Regime Fiscal, e, a seguir, o Executivo apenas as consolide.
A esse propósito, aliás, a pedido da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, o Senador Paulo Paim apresentou, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, em 9.11.2016, a emenda n. 59 à PEC n. 55, que ressalvaria a autonomia dos Poderes da República no próprio artigo 102. Essa emenda, porém, não foi acolhida, como, de resto, nenhuma das outras apresentadas.
A PEC n. 55 também violenta obliquamente a regra do artigo da Constituição, que constitui a chamada “regra de ouro” do Direito Financeiro brasileiro. Com efeito, dispõe o artigo 167, III, da Constituição, que é vedada “a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta”.
Noutras palavras, não deve haver endividamento público – i.e., o Estado não poderá fazer empréstimos − para custear despesas correntes, ou seja, despesas de custeio e manutenção das atividades e serviços públicos (p. ex., itens de consumo, diárias, passagens, folhas de pagamento, juros da dívida etc.); o endividamento, se necessário, deve servir para investimentos patrimoniais e para a amortização da dívida pública correspondente (que são despesas de capital, dentro da categoria das despesas de transferência de capital, nos termos do artigo 12, §6º, da Lei n. 4.320/1964). Isto porque o Estado deve custear despesas correntes com fontes contínuas de receita; não com empréstimos. Nada mais salutar.
Todavia, entrando em vigor a PEC n. 55, essa regra será burlada. É que, ao permitir que todo e qualquer recurso excedente do “limite de gastos” reverta para o pagamento da dívida pública, o seu texto pereniza algo que já vem sendo praticado no Brasil desde o Plano Real (com a abolição da atualização monetária automática): a parcela da atualização monetária dos juros da dívida pública, que deveria integrar a própria rubrica dos juros nominais (que não podem ser pagos a partir da emissão de títulos), é deslocada da categoria das despesas correntes e passa a ser computada como amortização da dívida pública, que se compreende entre as despesas de capital. Elide-se, assim, a proibição de que despesas correntes sejam financiadas com empréstimos, e parte das despesas correntes – exatamente a atualização dos juros – passa a ser financiada como despesa de capital.
Mantido esse “modus operandi” e aprovada a PEC n. 55, toda a receita acumulada acima dos tetos de gastos públicos será destinada à quitação dessas “despesas de capital” que, na prática, têm travestido parte das despesas correntes. Ora, se o propósito declarado da PEC é “conter a expansão da dívida pública”, mas se, ao revés, ela potencializará a capacidade de pagamento de despesas de capital que mascaram financiamento de parte dos juros nominais da dívida pública (a parte equivalente à sua atualização monetária), estimulando essa expansão para exclusiva finalidade financeira, resta evidente que a proposta encerra uma contradição interna que, para efeitos constitucionais, malfere os próprios princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Seguindo, com Robert Alexy e outros, o clássico tríptico da proporcionalidade − necessidade, adequação, proporcionalidade em sentido estrito −, conclui-se que a PEC n. 55 imporá grandes sacrifícios à população, mas não é adequada para o fim a que se destina. E, portanto, não pode vicejar.
Tudo, afinal, a revelar que esta PEC n. 55 – como também a nova PEC da Previdência, que virá logo em seguida, montada em déficit nebuloso e tendente a repetir a tragédia chilena (que privatizou o seu modelo previdenciário, ao mais bom gosto neoliberal, e hoje não consegue sequer pagar aposentadorias de salário mínimo) − trará infortúnios irreversíveis às atuais e futuras gerações.
A esta altura, porém, a pergunta óbvia haveria de vir: se não o teto de gastos, o que então caberia fazer?
O debate público tem sugerido diversas alternativas, como a restrição das renúncias fiscais (essas mesmas que serão, ao fim e ao cabo, mantidas), a taxação dos dividendos distribuídos por empresas comerciais, a implementação da taxação constitucional de grandes fortunas (entendendo-se como tais, p.ex., os capitais financeiros que, ociosos, alcancem a ordem das dezenas de milhões), o aumento do número de faixas-alíquotas de imposto de renda, a limitação do crescimento dos gastos primários da União com base na soma entre a inflação do ano anterior e o crescimento estimado da população (mantendo-se ao menos os gastos primários – inclusive aqueles com saúde e educação − constantes em termos per capita), e assim sucessivamente. Podem ser suficientes ou não. O fato é que as alternativas disponíveis devem ser as menos onerosas e que atendam as maiorias. E, em todo caso, nenhuma que possa seriamente padecer dos vícios da inconstitucionalidade e da inconvencionalidade.
Nos últimos tempos temos visto vários ataques à Justiça do Trabalho. Ataques que têm sido fomentados por membros do Poder Judiciário, que parecem não compreender a função constitucional desta Justiça Especializada.
Agora começaram a “monetarizar” a Justiça do Trabalho, como se os Poderes da República existissem para dar lucro à nação. Assim como hospitais públicos e universidades públicas, o Poder Judiciário existe para atender a população, para que o cidadão tenha acesso aos seus direitos e a garantia de que eles sejam respeitados.
Embora não seja objetivo da Justiça do Trabalho dar lucro, mesmo assim é ela a responsável pela reinserção na economia de valores sonegados pelos empregadores, que não cumprem a Lei.
Sobre esse tema a Juíza do Trabalho e Presidente da AMATRA V (Bahia), Rosemeire Lopes Fernandes, escreveu artigo publicado também em outros veículos de comunicação.
Confira!!!