NOTA PÚBLICA SOBRE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO DOS(AS) MAGISTRADOS(AS) E MEMBROS(AS) DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A FRENTAS – FRENTE ASSOCIATIVA DA MAGISTRATURA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO, constituída pelas entidades ao final subscritas, que congregam mais de 40 mil magistrados(as) e membros(as) do Ministério Público em todo o país, considerando as reiteradas notícias de instauração de procedimentos disciplinares em face dos(as) integrantes das carreiras, a partir de limites impostos à liberdade de expressão, vem a público reiterar os princípios e as premissas que norteiam a atuação associativa em defesa da democracia e, por extensão, de prerrogativas essenciais à valorização e ao fortalecimento da Magistratura e do Ministério Público nacionais.
Em seus arts. 5º, IV e IX, e 220, a Constituição da República assegura a liberdade de manifestação do pensamento, de expressão e de crítica, que, como corolário da cidadania, é ampla e inclui não apenas as informações e opiniões inofensivas, indiferentes ou elogiáveis, mas também, e sobretudo, as que possam causar alguma inquietação ou incômodo, já que a liberdade conforma a opinião pública e é um pilar fundamental da democracia, do controle social das instituições e da correta atuação de seus agentes. Integrar carreiras relevantíssimas de Estado, na Magistratura e no Ministério Público, não diminui ou elimina a liberdade inerente ao pleno exercício da cidadania.As mídias representam, atualmente, dimensão central em todos os segmentos da vida social, propiciando um fluxo inédito de informações e a formação de pensamento crítico, bem como estabilizando narrativas sobre fatos e eventos.
As instituições, incluindo as do sistema de justiça, devem compreender os novos espaços de interação e interlocução, a todos os(as) cidadãos(ãs) franqueados(as), inclusive avaliando os riscos para a democracia caso dele se distanciem os(as) membros(as) da Magistratura e do Ministério Público, que efetivamente precisam compreender a realidade em que vivem aqueles(as) que suscitarão o exercício de suas atribuições.
Os “Princípios de Bangalore de Conduta Judicial” – independência, imparcialidade, integridade, idoneidade, igualdade, competência e diligência – arrolados pelo Grupo de Integridade Judicial, constituído no âmbito da Organização das Nações Unidades, são absolutamente compatíveis com os fundamentos da República Federativa do Brasil, objeto do art. 1º da Constituição, entre os quais ora se destacam a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político.
Por sua vez, entre os “Princípios Orientadores da Função dos Magistrados do Ministério Público”, aprovados no 8º Congresso das Nações Unidas para Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Havana em 1990, está o reconhecimento do direito de livre expressão do pensamento (Regra 8:“Os membros do Ministério Público têm, como os demais cidadãos, liberdade de expressão, de crença, de associação e de reunião. Têm o direito de tomar parte em debates públicos sobre a lei, a administração da justiça e a promoção da proteção dos direitos do homem”).
A denominada integridade judicial, cujo conceito se estende ao Ministério Público, dada a sua essencialidade à administração da Justiça, depende muito claramente da prática construtiva de valores democráticos que devem ser assimilados por todas as instituições e revelam um falso dilema na contraposição dos indigitados princípios, inclusive de matriz internacional, à liberdade de expressão de magistrados(as) e membros(as) do Ministério Público.
O pluralismo político e de ideias fortalece a democracia e não se pode confundir, quanto aos(às) membros(as) da Magistratura e do Ministério Público, o pensamento crítico acerca de fatos e eventos com o engajamento em atividade político-partidária, este sim objeto de vedação constitucional, que naturalmente não comporta interpretação que lhe amplie demasiadamente o alcance.
Magistrados(as) e membros(as) do Ministério Público estão constitucionalmente autorizados(as) tanto a congregar-se em associações regularmente constituídas, que da defesa de seus interesses se encarreguem, quanto ao exercício da docência, como professores(as), pesquisadores(as) e doutrinadores(as), em favor dos(as) quais se deve reconhecer liberdade científica e de cátedra. É o que se extrai dos arts. 95, parágrafo único, I, 128, § 5º, II, “d”, e 207, todos da Constituição da República.
Malfere o princípio da isonomia, insculpido no caput do art. 5º da Constituição da República, qualquer tentativa de se impor apenas a professores(as), pesquisadores(as) e doutrinadores(as), que cumulem tais condições à de magistrado(a) ou de membro(a) do Ministério Público, restrições aos(às) demais não extensíveis, manifestamente comprometedoras da dignidade da profissão e da excelência no seu desempenho.
No que concerne aos(às) dirigentes das entidades associativas, é imperioso que se garanta a imunidade necessária ao livre exercício do mandato, sem a qual impedidos(as) ficarão de usar a própria voz na defesa impessoal e coletiva dos interesses dos(as) associados(as), a despeito de serem cada vez mais recorrentes as ofensas e ataques infundados, comumente provenientes de quem alega, para justificá-los, exatamente o referido atributo.
Nas carreiras públicas, a premissa, pertinente e adequada aos valores democráticos constitucionalmente tutelados, é a da compatibilidade entre a liberdade de expressão e os deveres do cargo, que, em atenção ao princípio da reserva legal, necessariamente são fixados em lei e na Constituição. Não é razoável, portanto, que Corregedorias se convertam em meros órgãos censores, utilizando-se indiscriminadamente de instrumentos e procedimentos disciplinares, para, por exemplo, definir parâmetros de utilização de redes sociais.
Nada justifica o estabelecimento de restrições por atos normativos e regulamentares genéricos, quando se sabe que possíveis excessos no exercício do direito de expressão devem ser apurados individualmente, com análise conjuntural mais ampla do rol de deveres do cargo ocupado, das vedações constitucionais e infraconstitucionais aos quais seus(suas) titulares efetivamente estão submetidos(as), do conteúdo do ato impugnado e do contexto em que praticado, com absoluto respeito aos princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e, se for o caso, da compatibilidade da sanção cabível com a natureza, a extensão e os efeitos da infração.
A sistemática abertura de procedimentos disciplinares de ofício, normalmente vinculados à repercussão de opiniões e críticas, possui nítido propósito intimidador e não se coaduna com a cautela necessária à preservação de direitos e garantias fundamentais dos quais magistrados(as) e membros(as) do Ministério Público também são titulares. A toda evidência, a ideia de restringir para controlar e intimidar é incompatível com o Estado Democrático de Direito.
A FRENTAS, em consonância com os princípios e valores constitucionais, convicta de que apenas práticas democráticas poderão legar instituições fortes e efetivamente preparadas para o enfrentamento dos novos tempos e demandas sociais, reafirma o compromisso de defender firme e intransigentemente, por todas as vias e em todos os foros disponíveis, as prerrogativas dos(as) magistrados(as) e membros(as) do Ministério Público, bem como os direitos e garantias fundamentais inerentes à sua condição de cidadãos(ãs).
Brasília-DF, 29 de julho de 2020.
Manoel Victor Sereni Murrieta
Presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) Coordenador da FRENTAS