Análise da competência da Justiça do Trabalho para os servidores com vínculo jurídico-administrativo
Autores: Noemia Porto e Marco Antonio Freitas
O Estado brasileiro é um importante tomador de serviços e mantém diversas relações, algumas de índole contratual, com os
trabalhadores dedicados à implementação de políticas públicas ou à prestação de serviços.
Essas relações laborais são disciplinadas por diferentes regimes, como os vínculos empregatícios, regidos pela CLT, os cargos
públicos, de natureza estatutária, e os vínculos administrativos. Há, ainda, as hipóteses em que, sem prestar concurso público
ou processo seletivo, a vinculação se estabelece entre trabalhador e Administração Pública violando norma constitucional
(art. 37, II). Mas, em todos os casos, tem-se, inevitavelmente, relação de trabalho.
A Emenda Constitucional (EC) nº 45, promulgada em 30 de dezembro de 2004, modi?cou sensivelmente a competência da
Justiça do Trabalho estabelecida no art. 114 da CF/1988, ampliando o espectro de abrangência das causas a ela submetidas.
Abandonou-se a ideia de que ali somente seriam resolvidos os con?itos que envolviam empregados e empregadores,
acrescentando-lhe diversas outras matérias antes decididas pelos outros ramos do Poder Judiciário.
A alteração mais substancial veio por meio do inciso I do art. 114, ao prever a competência laboral para as ações oriundas da
relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios. A premissa jurídica para a competência especializada foi estabelecida tendo
como norte as relações de trabalho, e não apenas as relações de emprego.
O método de interpretação literal desse dispositivo constitucional nunca permitiu outra conclusão senão a de que qualquer
con?ito surgido entre a Administração Pública federal, estadual ou municipal e seus servidores deveria ser dirimido na Justiça
do Trabalho. Observe-se que na regra promulgada não existe ressalva, para ?ns de de?nição da competência, quanto ao
regime jurídico ou a forma de contratação desses trabalhadores.
Porém, logo após a promulgação do novo texto, já em 25 de janeiro de 2005, foi protocolada a ADI 3395, em que foi deferida
liminar que, sob a lógica do método histórico de hermenêutica jurídica, adotou, para ?ns de controle de constitucionalidade, a
técnica da “interpretação conforme”, para de?nir o alcance mais restritivo do inc. I do art. 114 da CF/88.
A decisão suspendeu a possibilidade de qualquer entendimento no sentido de que caberia à Justiça do Trabalho a apreciação
de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem
estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.
A partir daí, a construção da jurisprudência infraconstitucional se deu a partir
da delimitação das expressões “relação de ordem estatutária” e “relação de
caráter jurídico-administrativo”, isto é, se seriam sinônimos ou indicariam
situações jurídicas diferentes.
A primeira delas não demandou muita discussão, já que se tratava da hipótese de servidor (em sentido estrito), selecionado
em certame público, nomeado para ocupar cargo que se sujeitava a um regime jurídico instituído por meio de lei federal,
estadual ou municipal que estatui regras próprias para a categoria (isto é, um estatuto). Nesses casos, a competência seria da
Justiça Comum. Até aqui a questão contemplava certo consenso interpretativo acerca do alcance da decisão vinculante do
STF.
Já quanto à segunda, a consolidação do que seria uma relação jurídico-administrativa do servidor público aconteceu
primordialmente a partir da interpretação do STF e, em seguida, do STJ.
Com efeito, o STF decidiu, com repercussão geral, que a competência seria da Justiça Comum para as ações de trabalhador
temporário, submetido a regime especial, nos moldes do art. 37, IX, da CF/1988 (RE 573.202/AM).
Ocorre que esse trabalhador, para se inserir no regime especial, submete-se a processo seletivo público. O mesmo
entendimento foi aplicado pelo STJ (CC 160644/PR, 2018), que ainda estendeu o conceito de relação jurídico-administrativa
para o servidor contratado verbalmente sem concurso público (CC 14417/MS, 2016) e o servidor terceirizado que alegava a
nulidade da interposição de sua mão de obra e pleiteava o reconhecimento do vínculo direto com a Administração Pública (CC
135523, 2014).
O TST, por sua vez, tem súmula de jurisprudência (nº 363), que foi rati
NOEMIA PORTO – Juíza do Trabalho e Presidente da Anamatra. Pesquisadora do Grupo Percursos, Narrativas e Fragmentos: História do Direito e do
Constitucionalismo (CNPq/UnB)
MARCO ANTONIO FREITAS – Juiz do Trabalho e Diretor de Prerrogativas e Assuntos Jurídicos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho (ANAMATRA).