NOTA PÚBLICA EM DEFESA DA INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL E DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
NOTA PÚBLICA EM DEFESA DA INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL E DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
Anamatra e Amatras 4, 6 e 15 criticam atos da Presidência do TST e da Corregedoria Nacional de Justiça
A Anamatra, juntamente com as Amatras 4 (RS), 6 (PE) e 15 (Campinas e Região) divulgaram na tarde desta sexta (2/6) nota pública em defesa da independência funcional e da liberdade de expressão.
A iniciativa das entidades foi tomada após atitudes da Presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e da Corregedoria Nacional de Justiça contra alguns magistrados.
NOTA PÚBLICA EM DEFESA DA INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL E DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), ao lado da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (Amatra IV), da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 6ª Região (Amatra VI) e da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV), vêm a público manifestar-se sobre recente decisão da Corregedoria Nacional de Justiça.
1. O Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, apresentou reclamações disciplinares em face dos juízes Valdete Souto Severo (4ª Região) e Jorge Luis Souto Maior (15ª Região). Centraram-se em artigo doutrinário intitulado “Mais uma do Ives: rifando Direitos Fundamentais e a Justiça do Trabalho”, assinado por ambos magistrados e publicado no sítio de internet “Justificando”.
Em paralelo, a Corregedoria Nacional de Justiça, Ministro João Otávio de Noronha, solicitou abertura de procedimento administrativo em face do juiz Hugo Cavalcanti Melo Filho, da 6ª Região, em razão de despacho por ele proferido no dia 28 de abril p.p., em diversos processos, nos quais redesignava as audiências com a mesma finalidade de conscientizar e mobilizar a comunidade pernambucana quanto aos riscos das Reformas Trabalhista (PLC n. 38/2017) e Previdenciária (PEC n. 287/2016).
Inicialmente, as reclamações foram encaminhadas às respectivas Corregedorias Regionais. No âmbito da 4ª Região, decidiu-se por arquivar o expediente, pois das condutas dos magistrados não se verificou qualquer violação de deveres funcionais. Especialmente registrou-se que, tal como diversos Ministros de Tribunais Superiores vêm fazendo, os juízes de 1º grau também possuem direito de manifestação sobre os temas das reformas previdenciária e trabalhista. Já no âmbito da 6ª Região, a Corregedoria Regional entendeu por bem dar seguimento ao procedimento, como requisitado.
No caso da 4ª Região, de forma surpreendente, a Corregedoria Nacional de Justiça desconsiderou o ato regional e deliberou processar em conjunto as reclamações, determinando a instauração de Reclamação Disciplinar em conjunto em desfavor dos juízes da 4ª e 15ª Regiões. Já em relação ao magistrado da 6ª Região, segue sobre si, no plano regional, o pêndulo da censura.
O conceito de liberdade, que se espraia como direito fundamental, é conquista secular das civilizações; e o seu alargamento, assim como o das respectivas garantias, ampliam-se na medida em que tal conceito evolui. No Brasil, a Constituição Federal da República garante a liberdade de manifestação do pensamento, nos exatos termos do artigo 5º, IV a todos os cidadãos, sem qualquer distinção. Prevê, ainda, em seu artigo 5º, VI, a liberdade de consciência e crença e a de convicção religiosa e no artigo 5º, VIII a liberdade de crença religiosa e de convicção política ou filosófica.
À luz da garantia constitucional da liberdade de manifestação ampla, a albergar as liberdades de expressão e opinião, é inadmissível transigir com a punição a cidadãos que se limitaram a expressar sua opinião, com fundamentos jurídicos bastantes. Tanto menos se poderia admitir a punição disciplinar de agentes públicos que assim procedam, notadamente em sede de artigo científico ou manifesto público, independentemente de suas classes, profissões, funções ou individualidades.
Aos juízes, em particular, é garantida constitucionalmente a independência funcional (artigo 95, CR), para que, no exercício de sua função jurisdicional, observe a sua consciência, à luz da Constituição e das leis, na solução dos conflitos sociais que lhe são submetidos. Tais garantias estão em consonância com os Princípios Básicos Relativos à Independência da Magistratura, endossados pela Assembleia Geral das Nações Unidas (Resoluções 40/32 e 40/146, de 1985): “a independência da magistratura será garantida pelo Estado [...]” (item 1); e, mais veementemente, “[...] os magistrados gozam, como os outros cidadãos, das liberdades de expressão, convicção, associação e reunião” (item 8).
No ordenamento nacional, o artigo 41 da Lei Complementar 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura) prevê, de forma expressa, que o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir. De outro turno, a norma prevista no artigo 36 da Lei Complementar nº 35/79, que veda ao magistrado opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, não abrange a manifestação do Magistrado em obras técnicas ou no exercício do magistério, como tampouco poderia abranger seus manifestos públicos. Assim, por qualquer ângulo que se analise, não há qualquer violação legal a desafiar instauração de procedimentos disciplinares.
À vista disso, as entidades subscritoras externam, desde logo, a sua solidariedade aos juízes Jorge Luiz Souto Maior, Hugo Cavalcanti Melo Filho e Valdete Souto Severo, Magistrados e professores da mais ilibada reputação e de notório saber jurídico, cujas publicações sempre tiveram por único escopo a oferta de contribuições aos estudos e debates sobre o Direito e a Justiça do Trabalho, mesmo quando refiram altas autoridades que, por convicções pessoais, estiveram pessoalmente envolvidas na defesa das reformas em questão. Afinal, a liberdade de convicção e de expressão tanto deve permitir a manifestação ou atuação em um dado sentido, como também noutro.
Registram, ademais, a sua apreensão quanto ao possível manejo inapropriado de instrumentos correcionais, originariamente voltados à garantia do jurisdicionado, da moralidade pública e do devido processo legal, para o cerceamento das garantias constitucionais das liberdades de expressão e de opinião, legitimamente exercidas por juízes do Trabalho, ou de qualquer outra competência, em seus artigos, manifestos e ensaios. É curial que o Poder Judiciário, antes mesmo que todos os outros, saiba preservar e garantir a expressão de opiniões divergentes e, bem assim, o livre debate democrático.
As subscritoras registram, enfim, que seguirão velando, vigilante e intransigentemente, pela defesa das prerrogativas dos magistrados do Trabalho e, antes disso, pelas suas liberdades e garantias constitucionais, a bem da Democracia e do Estado de Direito.
Brasília/Porto Alegre/Recife/Campinas, 2 de junho de 2017.