Oportunismo em tempos de crise.
Discursos em defesa de uma reforma trabalhista ganharam força recentemente, já que a proposta é vista como possível remédio para a crise econômica. É verdade que mudanças são às vezes importantes, mas também é certo que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) não exige necessariamente reforma só por causa da longevidade de sua aplicação.
Aliás, o velho decreto-lei 5.452/43 já sofreu vários ajustes, sem comprometer a sua essência. O Brasil também já experimentou momentos promissores economicamente ou não, no decorrer de sua história, com a legislação trabalhista que aí está.
Discutir mudanças nas leis em tempos de crise, reduzindo direitos, como se os trabalhadores fossem entraves para o desenvolvimento, representa uma total inversão nos padrões dos debates travados hoje no mundo.
Por ocasião da Conferência da ONU para o Desenvolvimento Sustentável, em 2015, foi adotada oficialmente por todos os chefes de Estado e de governo a Agenda 2030, que estabelece um plano de ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade.
Do ponto de vista do aprimoramento das relações laborais, foi firmado o compromisso de propiciar trabalho decente para todos, inclusive erradicando a labuta forçada e infantil, criando condições para um crescimento sustentável, inclusivo e economicamente ajustado.
Já na 105ª Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizada entre 30 de maio e 10 de junho deste ano, discutiu-se o tema da justiça social para uma globalização equitativa, com debates que se encaminharam na linha de rejeitar as formas de precarização das relações de trabalho das cadeias produtivas, importante desafio de nosso tempo.
As equivocadas políticas traçadas sob a ruinosa pauta do Consenso de Washington, criticadas há anos por acadêmicos das universidades de Harvard e Yale e também por estudiosos no Brasil, foram recentemente reconhecidas como deletérias por interlocutores do Fundo Monetário Internacional (FMI), ao afirmarem que, "em vez de gerar crescimento, algumas políticas neoliberais aumentaram a desigualdade, colocando em risco uma expansão duradoura", prejudicando "o nível e a sustentabilidade do crescimento".
O discurso vai na mesma linha da argumentação do economista francês Thomas Piketty ao analisar a crise americana. Ele afirmou que o aumento da desigualdade "contribuiu para fragilizar o sistema financeiro, tendo como consequência uma quase estagnação do poder de compra das classes populares e médias nos Estados Unidos".
A redução de garantias sociais, portanto, é uma prática do capitalismo atrasado, sendo absolutamente importante que o Brasil articule uma discussão de matérias legislativas que encarem a prosperidade como um valor humano, e não apenas corporativo.
A qualquer tempo, e especialmente em tempos de crise, é inoportuno encaixar pautas que, na verdade, não contribuirão para o crescimento do país e se distanciam dos compromissos em torno do trabalho digno.
Projetos no Parlamento brasileiro, como a terceirização indiscriminada negociada sobre o legislado e outros que dificultam o acesso à Justiça do Trabalho, são iniciativas na contramão das exigências globais.
É preciso ter claro que a degradação de direitos sociais não alavancará a economia; ao contrário, será fonte de infortúnios e do aumento da desigualdade, o que deve ser combatido por todos.
GERMANO SIQUEIRA é presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e juiz titular da Terceira Vara do Trabalho de Fortaleza