VALORIZAÇÃO DO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO

Conselheiro do CNJ - Rubens Curado

Valorização do primeiro grau é desafio para o Conselho Nacional de Justiça

21 de agosto de 2015, 11h41
Por Rubens Curado Silveira
Os dados do Poder Judiciário mostram uma alarmante sobrecarga de trabalho sobre a primeira instância, que se traduz para a sociedade sob a forma da morosidade processual. Basta dizer que 95% dos casos pendentes (estoque) estão no primeiro grau, responsável por uma taxa de congestionamento de 77%, 30 pontos percentuais superiores à de segundo grau (47%). A carga de trabalho dos magistrados de primeiro grau é, pasmem, de 6.383 casos por juiz, o dobro da imposta aos de segundo grau. O peso sobre os ombros dos servidores da primeira instância é igualmente maior: 488 casos contra 227 em segunda instância. Esse fato, por si só, revela o desequilíbrio na distribuição da força de trabalho. Vale dizer: existem muitos servidores onde há poucos processos e, proporcionalmente, poucos servidores onde se concentram quase todos os processos. Esse acúmulo de acervo pode ser explicado, em grande medida, pela má estruturação histórica da primeira instância, representada por comarcas e unidades jurisdicionais desprovidas de recursos mínimos para atender a demanda processual. Em contraposição, é visível a concentração de investimentos na cúpula dos tribunais. Como resultado de uma inversão cultural de prioridades, sedes suntuosas e apinhadas de servidores dividem o cenário com casebres abarrotados de processos, conduzidos por um quadro funcional mínimo e desqualificado, no mais das vezes composto por servidores requisitados dos Municípios. É uma clara demonstração de que a obra “Casa-grande & Senzala”, do sociólogo Gilberto Freire, representativa da formação sociocultural da sociedade brasileira e do modo de organização social e política do Brasil colônia, marcado pelo patriarcalismo e patrimonialismo, ainda encontra ressonância no Judiciário atual. Esse preocupante cenário incentivou o CNJ a instituir, em maio de 2014, a Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição, que fomenta o direcionamento de recursos — de pessoal, orçamento, de infraestrutura e tecnologia — e esforços para a primeira instância. Estruturada em 9 linhas de atuação, essa política incorpora a cultura de resultados ao prever a criação de indicadores, metas, programas, projetos e ações para monitorar permanentemente os avanços que se busca alcançar. Dentre essas linhas de atuação, destaque-se a “equalização da força de trabalho”, vista não apenas como a distribuição de servidores entre primeiro e segundo graus, proporcionalmente à demanda de processos, mas também a alocação correspondente de cargos em comissão e funções de confiança. O CNJ também estabeleceu diretrizes para a distribuição equitativa de orçamento entre primeiro e segundo graus. A partir de agora, os recursos destinados a cada instância devem ser previstos e identificados nas propostas orçamentárias ou em quadro de detalhamento de despesas, tendo como norte, entre outros critérios, a demanda processual. Devem, também, ser publicados nos sítios eletrônicos dos tribunais, juntamente com o mapa demonstrativo da execução orçamentária, garantindo assim a imprescindível transparência e prestação de contas. O grande desafio, agora, é tirar essa política do papel, fazendo chegar melhorias estruturais concretas à primeira instância. Só há um caminho: o CNJ monitorar de perto essa verdadeira transformação cultural, certo de que a Casa Grande, incomodada, não economizará armas para resistir.

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