8 de março - Dia Internacional da Mulher - Artigo de Juíza do Trabalho destaca o papel da educação para a transformação da sociedade e efetiva participação e inclusão da mulher

A Juíza Natalia Queiroz Cabral Rodrigues redigiu um artigo sobre a importância da educação na formação das mulheres e de uma sociedade mais inclusiva. Com o título "Dia 8 de Março: comemorar, refletir, agir, transformar", a Magistrada discorre sobre as várias lutas que precederam o reconhecimento de direitos básicos às mulheres, como o direito ao voto, a estudar, a trabalhar, a fazer esportes. A Magistrada destaca o papel fundamental da educação para que as mulheres tenham efetiva inserção na sociedade, e destaca: "Comemorar o dia 08 de março é transformar a sociedade, sepultando qualquer violência praticada contra a mulher por motivo de defesa da honra masculina, é transformar privilégio em divisão de poder; é transformar ódio e dominação em parceria; é transformar escola em local de acolhimento, pluralidade e profusão de conhecimento; é transformar o medo e a angústia em empoderamento e autoestima; é transformar homens e mulheres em parceiros".

Parabenizamos todas as Mulheres pelo Dia Internacional da Mulher, destacando a importância de que esta data, muito além de comemoração, seja uma data de reflexão e principalmente de transformação, para que, de fato, a mulher possa ser respeitada e tenha igualdade de direito com os homens. 

Segue o artigo: 

 

Dia 08 de Março: comemorar, refletir, agir, transformar![1]

Natália Queiroz Cabral Rodrigues[2]

O dia internacional em homenagem as mulheres remonta às origens da luta de muitas mulheres para compartilharem com os homens o direito ao voto.

Dentre as muitas teses, destacamos uma iniciativa do Partido Socialista da América, em 20/02/1909, em Nova Iorque, responsável pela organização de uma manifestação pela igualdade de direitos civis e direito ao voto, além da iniciativa havida ainda na Rússia Imperial de uma passeata de mulheres clamando contra o desemprego e as condições adversas de subsistência no país.

O movimento, iniciado em 08/03/1917, por mulheres russas ganha força com a adesão de operários e se prolonga por vários dias e acaba por precipitar a Revolução Russa de 1917, já que foi brutalmente reprimido.

A partir de então, o movimento socialista passa a comemorar, anualmente, junto com outros países do bloco soviético, o dia 08 de março como o Dia da Mulher e em 1975 foi instituído pelas Nações Unidas como Dia Internacional da Mulher, e hoje comemorado em mais de 100 países.

Merece relevo também o incêndio ocorrido na fábrica da Triangle Shirtwaist Company, em Nova Iorque, ocorrido em 25/03/1911 que ceifou a vida de 146 trabalhadores, dentre eles 125 mulheres e 21 homens e incendiou além de vidas, a luta das mulheres

O breve relato histórico serve para nos situar sobre a necessária atividade combativa empreendida por tantas mulheres para criar um marco de obtenção de direitos mínimos, e para pensar em obter direitos, é preciso participar das decisões: era preciso votar.

Aquele que detém qualquer tipo de privilégio dele não abrirá mão com facilidade, de bom grado, sem tentar manter sua condição posta e até hoje não vivemos num cenário diferente: o empregador não oferece direitos ao empregado, o pai não oferece direitos ao filho, o homem não oferece direitos a mulher. Estes direitos precisam ser conquistados.

Ao pensar sobre a fruição de direitos (ou restrição deles) pelas mulheres, reporto-me a uma autora desconhecida de muitos, que viveu de 1810 a 1815, de nome Dionísia Gonçalves Pinto, porém mais conhecida como Nísia Floresta, autora de muitos feitos, dentre eles o livro “Direito das mulheres e injustiça dos homens”[3], pioneira na defesa incessante para que a educação feminina no Brasil fosse oferecida às mulheres em iguais condições aos homens.

A autora rompeu a redoma do lar, quebrou o teto de vidro e voou, como uma borboleta. Foi uma educadora, escritora e poetisa brasileira e, também por isso, hoje será lembrada neste artigo para homenagear as muitas mulheres que ainda estão presas ou com as asas quebradas.

No século XIX somente eram oferecidas aulas de “sinhazinha” para as mulheres, o que foi motivo de críticas por Nísia Floresta que escreveu artigos e ensaios sobre o tema. O termo sinhazinha era utilizado por Nísia para exemplificar o tipo de educação oferecido às moças (brancas e de classe média alta) que podiam ter acesso à educação. Não se ensinava álgebra ou filosofia para as moças, mas música, bons modos e religião.

À época, uma das lutas de Nísia era que o ensino oferecido às moças não estivesse restrito ao ambiente doméstico, como era o costume, ela defendia ser premente a construção de escolas para meninas, assim como existiam escolas para meninos e com currículos compatíveis com a inteligência e capacidade que as mulheres sempre tiveram.

No Século XXIX, em tempos de pandemia, o Estado Brasileiro nega qualquer oferta de aulas, para todas as crianças que dependem do ensino público, o que revela a pouca importância que a educação detém.

Sabemos que a pandemia do corona vírus exige sacrifícios de todos, mas a situação de emergência e exceção na qual estamos inseridos mostra a clareza das desigualdades sociais e deixa a ferida exposta, em carne viva, quando se observa que a fenda se transforma em fosso, se o tema é a oportunidade de crescimento educacional e profissional destinado às mulheres.

As meninas que dependem de aulas ministradas por escolas públicas (e são a maioria da população brasileira) estão nas ruas, ou em casa cuidando do serviço doméstico, para permitir que suas mães saiam para trabalhar e todo este coletivo feminino se presta a cuidar do outro, cuidar da casa, da alimentação, da ferida, da dor, da reprodução e, também, se presta a pensar para o outro.

Comemorar o dia 08 de março é comemorar o dia no qual as mulheres alcançaram o direito de :

            1 - votar (no Brasil, em 24/02/1932, por meio de um decreto do Presidente Getúlio Vargas), se candidatar a cargos públicos (Alzira Soriano, de 32 anos, em Lajes/RN, foi a primeira prefeita mulher que o Brasil conheceu, antes de ser possível votar, ela foi a mais votada);

            2- trabalhar sem autorização do marido, abrir uma conta num banco ou viajar (até 1962 não eram atividades possíveis);

            3 - usar o nome de solteira mesmo casada (até 1962, com o advento do estatuto da mulher casada deixou de ser obrigatório);

            4 - jogar futebol (o decreto de 3199/1940, no artigo 54 proibia o esporte por inadequado à natureza feminina, o que somente foi revogado em 1979 e o esporte somente regulamentado de forma oficial em 1983.

Direitos que parecem inseridos num passado distante, mas nem tanto.

Ainda permanece o preconceito no universo da política e apenas 15% dos representantes escolhidos pelo povo são mulheres, ainda que sejamos mais de 50% da população. Ainda permanece o subemprego ou o não emprego para as mulheres, ainda permanece uma quantidade maciça de mulheres que adotam o nome do marido ao casar, ainda permanece o preconceito com o futebol feminino (no dia 03/03/2021 pela primeira vez uma mulher – Édina Alves batista - apitou um jogo clássico entre Palmeiras e Corinthias).

Comemorar o dia 08 de março é refletir sobre as inúmeras dificuldades que as mulheres ainda enfrentam, ao pretender dizer o que pensam, ao pretender trabalhar no ofício que lhes dá mais prazer e sofrer preconceitos, ao fazer escolhas premidas pela necessidade e não pela livre manifestação de vontades, é identificar o preconceito de gênero como uma cobertura espessa que afeta a todas as mulheres, mas também identificar que além deste, a cor da pele, a etnia, a classe, a escolha sexual ao gênero se sobrepõe e intensifica o preconceito. É refletir sobre a necessidade de sermos ouvidas e, ainda, sermos votadas, sermos escolhidas.

Comemorar o dia 08 de março é agir para ser possível viver numa sociedade na qual a relação entre homens e mulheres reflita a igualdade e a solidariedade descritas na Constituição Federal. Para agir, não bastam leis. Para agir, é preciso educar meninos e meninas, é preciso que as meninas possam ocupar os espaços nos bancos escolares do mesmo modo que os meninos e durante  o mesmo tempo. Para agir, é imprescindível que a evasão escolar seja totalmente banida e permitir as mulheres serem senhoras de seus corpos e suas vontades.

Comemorar o dia 08 de março é transformar a sociedade, sepultando qualquer violência praticada contra a mulher por motivo de defesa da honra masculina, é transformar privilégio em divisão de poder; é transformar ódio e dominação em parceria; é transformar escola em local de acolhimento, pluralidade e profusão de conhecimento; é transformar o medo e a angústia em empoderamento e autoestima; é transformar homens e mulheres em parceiros.

A educação é a ferramenta, é o instrumento, é o mecanismo possível para mudar os ocupantes dos espaços de poder. Parafraseando uma menina incrível, uma paquistanesa cheia de energia e luz para guiar os caminhos de tantas outras meninas: um livro, um professor e uma criança, juntos, bastam para mudar o mundo.

A coragem de Nísia Floresta, no interior do Brasil no século XXIX e a coragem de Malala, no vale do Swat/Paquistão, no século XXI, são a prova de que a educação é capaz de promover mudanças em qualquer parte do mundo e de que as mulheres, de qualquer parte do mundo, tem inteligência e capacidade para desempenharem qualquer papel na sociedade.

O dia 08 de março nos serve para muitas reflexões, talvez a maior delas seja o direito de fazermos escolhas livres, e a condição para escolher livremente é ter conhecimento.

 

[1]     O título foi inspiração da querida amiga Audrey Chocair Vaz, que além de me inspirar com o título, me inspira para a vida.

[2]     Juíza do Trabalho Auxiliar da 22ª Vara do Trabalho de Brasília/DF. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-Minas, Diretora da Escola Judicial da Amatra X. Presidente da Comissão Amatra Mulheres da Amatra 10.

[3]     Direito das mulheres e injustiça dos homens, Nísia Floresta Brasileira Augusta, Editora Moiras, 2019, 112 páginas.

 


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