O MM. Juiz do Trabalho Marcos Ulhoa Dani, em atuação na 13ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, apreciou pedidos de ação trabalhista formulados por jogadora de futebol profissional.
Em sua sentença, o Juiz afastou o registro do contrato na carteira de trabalho da jogadora - onde constou que ela seria atleta não profissional -, explicando que ela recebia salário e tinha rotina de treinos e jogos. Explicou também que pela Lei 9.615/98, artigo 94, não existe a figura do atleta autônomo para modalidades coletivas como o futebol.
A sentença reconheceu o acidente de trabalho da jogadora profissional, em razão de lesão no joelho contraída durante um treinamento. Consequentemente, lhe assegurou o direito à garantia provisória de emprego e indenização correspondente.
A decisão ainda trata da natureza do alojamento fornecido à atleta, haja vista o pedido de reconhecimento do salário in natura. Quanto a esse pedido, o indeferiu, por reconhecer que a moradia foi ajustada como essencial para o deslocamento da trabalhadora para Brasília. Mesmo entendimento foi adotado em relação à alimentação.
A sentença trata ainda de outros temas.
O MM. Juiz Marcos Ulhoa Dani é especialista no tema do direito desportivo, tendo obras publicadas nessa área.
A íntegra da sentença segue abaixo. Vale a leitura!
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO
13ª Vara do Trabalho de Brasília - DF
ATOrd 0000328-86.2020.5.10.0013
RECLAMANTE: BRUNA ANGELICA DA SILVA SANTOS
RECLAMADO: CLUBE REC ESP DOS SUBTENENTES E SARGENTOS DA PMDF
Relatório
SENTENÇA
Ao dia 18/11/20, na 13ª Vara do Trabalho de Brasília, de ordem do Exmo. Sr. Juiz do Trabalho, MARCOS ULHOA DANI, que ao final assina, tem-se sentença relativa aos autos nº 0000328-
86.2020.5.10.0013, entre as partes:
RELATÓRIO
BRUNA ANGELICA DA SILVA SANTOS ajuíza ação em face de CRESSPOM: Clube Recreativo e Esportivo de Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar do Distrito Federal pelas razões que aduz em inicial. Alega que manteve contrato especial de trabalho desportivo com a parte reclamada, que não teria sido reconhecido formalmente pelo clube reclamado. Argumenta que não recebeu uma série de direitos trabalhistas e fundiários. Aduz que sofreu acidente de trabalho típico a serviço da parte reclamada, fazendo jus a indenização. Diz que ficou sem nenhum auxílio da empregadora, quando de sua contusão. Argumenta pelo reconhecimento de salários “in natura”. Denuncia atrasos, bem como requer multas e indenizações, além de outras causas de pedir que lista na inicial. Junta documentos e dá à causa o valor de R$60.000,00. Apresentou emenda, após intimação do juízo. Em virtude da Pandemia, houve a adoção do rito do art. 335 do CPC. Apresentada defesa e documentos. Apresentada réplica.
Em virtude da Pandemia da COVID-19, foi aberto prazo para que as partes
dizerem se ainda tinham interesse na prova oral; ambas as partes manifestaram interesse e capacidade de fazer a audiência de forma telepresencial, o que foi feito. Na referida audiência, partes e advogados presentes, foram ouvidos os litigantes e uma testemunha.
Sem mais provas, fiz os autos conclusos para decisão.
Conciliação frustrada.
É o relatório.
Fundamentação
PRELIMINARES
IMPUGNAÇÕES
As impugnações são genéricas ou dizem respeito ao mérito da demanda, que será analisado no momento adequado. O valor da causa é condizente com o potencial econômico da demanda, sendo que a procedência ou não dos pedidos é matéria afeta ao mérito, devendo ser lá analisada. Os documentos juntados terão o valor que lhe atribuir o juízo, a seu sentir. Rejeito.
VALOR DA CAUSA
A parte reclamante requereu que fosse dado à causa o valor de R$60.000,00. Todavia, verifico, na fl. 39, que somente com os pedidos de alíneas “f”, “g” e “l” do rol de pedidos já superam, em muito, o valor sugerido.
Modifico, desta forma, de ofício, o valor da causa, eis que o valor da ação não corresponde ao potencial econômico da demanda, que já pode ser aferido pela quantificação dos pedidos pretendidos.
Com efeito, diz o art. 292 e parágrafos do CPC:
“Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será:
(...)
V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido;
(...)
- 3oO juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes.“
Desta forma, modifico, de ofício, o valor da causa para R$120.000,00 (valor de cento e vinte mil reais).
PERDA PARCIAL DE OBJETO
A parte reclamante requereu, nas alíneas “n” e “p” do rol de pedidos, a condenação da parte reclamada em custas de deslocamento, passagens e hospedagem da autora a Brasília, para participar das audiências do processo. Ocorre que, conforme se vê dos autos, em razão da Pandemia da COVID-19, foi adotado o rito do art. 335 do CPC, não tendo havido audiências presenciais no foro trabalhista de Brasília. Só houve uma audiência no feito, de instrução, realizada de modo telepresencial, não havendo, por consequência, gastos de deslocamento, hospedagem ou passagem da autora. Assim, de ofício (art. 485, §3o, do CPC), extingo, sem julgamento do mérito, os pedidos de alíneas “n” e “p” do rol de pedidos (fl. 39), por falta de interesse processual, nos termos do art. 485, VI, do CPC.
PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA
Incontroverso o fato da reclamante não mais prestar serviços para a parte reclamada, não se sabendo quais são seus atuais rendimentos. Em atividade, é incontroverso que ganhava menos de 40% do teto previdenciário. Assim, defiro a justiça gratuita à autora, nos termos do art. 790, §3o, da CLT.
DO MÉRITO
CONTRATO. SALÁRIO. VERBAS RESCISÓRIAS E FUNDIÁRIAS. ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA. INDENIZAÇÕES. CTPS.
A parte reclamante alega que teve contrato de trabalho de atleta profissional de futebol com a parte reclamada, a partir de 01/03/18 para a temporada daquele ano. Alega que sofreu acidente de trabalho em 24/11/18.
De início, verifico que é incontroverso que a parte reclamante entabulou um contrato com a parte reclamada. Na fl. 43 dos autos, percebe-se que as partes assinaram um contrato de “atleta não profissional”. Não há falar em contrato de atleta “não profissional”. É incontroverso que a reclamante se submetia a uma rotina de treinos e jogos na parte reclamada, recebendo uma remuneração de R$1.500,00 mensais, valor este que representa montante superior a ajudas de custo ou bolsa aprendizagem. Como visto nos autos, na época dos fatos, além dos valores recebidos ultrapassarem os gastos para a prática do desporto, o futebol era a principal fonte de renda da reclamante, o que demonstra, também por este aspecto, o seu viés profissional. Tanto assim o é que é incontroverso nos autos que a reclamante residia em São Paulo, tendo se mudado para a Capital Federal em decorrência da oportunidade profissional que se apresentou no desporto. Ocorre que o contrato de atleta, sob o viés profissional é obrigatório para o futebol de campo. Com efeito, diz o art. 94 da Lei 9.615/98 (Lei Pelé):
“Art. 94. O disposto nºs arts. 27, 27-A, 28, 29, 29-A, 30, 39, 43, 45 e nº § 1º do art. 41 desta Lei será obrigatório exclusivamente para atletas e entidades de prática profissional da modalidade de futebol.”
O art. 28-A, em seu parágrafo terceiro, do mesmo Diploma Legal, também é claro ao dizer que não existe a figura do atleta autônomo nas modalidades coletivas como o é o futebol. O vínculo empregatício é claro, na modalidade profissional, sendo que a reclamante cumpria todos os requisitos do art. 2o e 3o da CLT, eis que é incontroverso que a reclamante se submetia à rotina de jogos e treinos, recebia salário mensal para além dos gastos com a prática do desporto, atuava com pessoalidade e com não eventualidade. Com efeito, já nos manifestamos neste sentido, em nossa obra, Transferências e Registros de Atletas Profissionais de Futebol – Responsabilidades e Direitos, 2a Edição, Ltr:
“Não podemos conceber, diante da realidade dos fatos, que, por exemplo, jogadores de futebol, vôlei e basquete, que se submetem a uma rotina de treinos, jogos e viagens, recebendo valores para tanto, e que cumpram os requisitos dos arts. 2o e 3o da CLT, e também os requisitos de idade da Lei Pelé e da CRFB-1988, não sejam considerados profissionais só por não terem formalizado, eventualmente, um contrato de trabalho desportivo escrito. Tais atletas são, a rigor, federados, inscritos e registrados perante ligas ou entidades de organização do desporto, e disputam competições oficiais. A própria Lei Pelé, em seu art. 43, veda a participação em competições desportivas profissionais de atletas não profissionais com idade superior a 20 anos. Há, na prática, um contrato de trabalho desportivo, mesmo na forma tácita ou verbal. (...) A questão do profissionalismo, no que tange especialmente aos atletas profissionais do futebol, ficou muito ligada à existência de um contrato de trabalho desportivo escrito e registrado, pois com tal registro seria possível verificar, com maior clareza, a existência dos valores para estabelecimento, por exemplo, dos montantes para as cláusulas indenizatórias e compensatórias desportivas. Todavia, a ausência de tal formalidade, na esteira do princípio do contrato realidade, não impedirá o eventual reconhecimento judicial de um contrato de atleta profissional, mesmo na ausência de contrato desportivo escrito, desde que se verifiquem os cumprimentos dos requisitos legais de idade, dos arts. 2o e 3o da CLT, além de se constatar, faticamente, que o atleta tem na atividade desportiva a sua principal renda, sendo que os rendimentos auferidos ultrapassam, em muito, a mera ajuda de custo ou os valores de uma bolsa aprendizagem (arts. 3o, I e II, do RNRTAF).” (pgs. 57 e 59/60)
Ou seja, resta claro que houve um vínculo de emprego desportivo trabalhista entre as partes litigantes, ficando o mesmo assim declarado. É cristalino que, até pelo ajuste de fl. 43 e pelos termos da inicial e da defesa, que o contrato de trabalho perdurou de 01/03/18 até 31/12/18, quando houve a chegada ao termo final do contrato.
Todavia, restou provado que, em 24/11/18, a reclamante teve um acidente de trabalho típico, ao lesionar seu joelho em um treinamento na parte reclamada. A parte ré negou, em sua defesa, que o acidente tivesse ocorrido durante o vínculo entabulado entre as partes. Entretanto, tal tese foi afastada pela confissão do preposto e pela testemunha ouvida.
Disse o preposto:
“que a reclamante teve uma contusão enquanto atuava pelo reclamado, sendo que o depoente, se não se engana, acha que a contusão foi no joelho; que depois da contusão da reclamante, a mesma não atuou mais pelo clube até o fim do seu contrato, em decorrência da contusão;”
Disse, ainda, a testemunha THAMIRES:
"que começou a atuar no reclamado em março de 2015; que conheceu a reclamante; que a reclamante se contundiu em um treino no reclamado; que a reclamante não voltou a atuar no clube após a contusão;”
Ficou robustamente comprovado que a reclamante se acidentou a serviço no reclamado. Tratase de acidente de trabalho típico, nos termos do art. 19 da lei 8.213/91:
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
Como visto na confissão do preposto e no depoimento da testemunha THAMIRES, a reclamante, em decorrência da contusão que teve no serviço, não atuou mais para o reclamado. Ou seja, tratou-se de um sinistro ocorrido no labor, pelo exercício do trabalho, que provocou lesão corporal. Tal lesão implicou na redução temporária de atuação da reclamante. Com efeito, disse a própria obreira, em depoimento:
“que no dia 24/11/2018, a depoente se lesionou durante o treinamento na reclamada, rompendo o ligamento; que fez a cirurgia para resolver a lesão em março de 2019; que foi liberada para os treinamentos e jogos pelo médico, após a cirurgia;”
O documento médico de fl. 52, datado de 13/09/19, comprova que a reclamante já estava apta para os treinos, eis que lhe foi receitado o complemento “EXTIMA”, que se traduz em colágeno hidrolisado (https://www.apsen.com.br/extima/?
gclid=EAIaIQobChMI7uL0xdOM7QIVUgmRCh3QMQ7OEAAYASAAEgIOV_D_BwE – acesso em 18/11/20), na dosagem de um sachê “após o treino” para auxiliar no fortalecimento muscular. Ora, se já lhe era receitado um sachê do produto “após o treino”, fica claro que, em 13/09/19, a reclamante já estava recuperada e apta para as suas atividades profissionais desportivas, o que se confirmou pela própria confissão obreira.
Concluo, portanto, que a reclamante, após o desligamento da parte reclamada, ainda ficou afastada de sua atividade profissional desportiva por cerca de mais nove meses, tendo se submetido, inclusive, a procedimento cirúrgico em março de 2019, conforme comprovam os documentos médicos juntados aos autos, a exemplo dos de fls. 49 a 51 dos autos. Tal afastamento se deu, exatamente, por sua lesão no joelho, ocorrida durante os trabalhos em prol da reclamada. Nesta situação, caracterizou-se o acidente de trabalho típico. A reclamante, portanto, não poderia ter sido desligada do contrato de emprego, pois, mesmo em um contrato de prazo determinado, a jurisprudência consolidada do TST determina a suspensão do contrato de trabalho e a garantia provisória no emprego desportivo, mesmo porque o vínculo de emprego desportivo pode ter uma duração de até cinco anos, de acordo com o art. 30 da Lei Pelé. Neste sentido, a Súmula 378, II e III, do TST:
Súmula nº 378 do TST
ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº 8.213
/1991. (inserido item III) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
- - É constitucional o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidadeprovisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado. (ex-OJ nº 105 da SBDI-1 - inserida em 01.10.1997)
- - São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e aconseqüente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego. (primeira parte - ex-OJ nº 230 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)
- – O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantiaprovisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no n no art. 118 da Lei nº
8.213/91.
Como não houve qualquer indicativo da parte reclamada em reintegrar a parte reclamante, e já tendo sido exaurido o prazo estabilitário de 12 meses após a restauração de capacidade da trabalhadora (recuperação em 13/09/19), não há outra solução jurídica que não seja a indenização substitutiva à reclamante. No caso em concreto, destaco que o fato da reclamante não ter recebido auxílio-doença acidentário não é impeditivo para a incidência do art. 118 da Lei 8.213/91, que garante a estabilidade, pois a culpa pela ausência de recebimento, pela reclamante, dos benefícios previdenciários se deram por culpa exclusiva da parte reclamada, que não registrou o vínculo de emprego com a parte reclamante em CTPS, como era de sua obrigação. Não tendo feito tal registro, mesmo presentes os elementos caracterizadores do vínculo de emprego, a reclamante deixou de ser cadastrada no INSS como segurada, por culpa da reclamada, que incidiu em ato ilícito, nos termos do art. 186 do CC. Assim, deve a parte reclamada ser responsabilizada por sua negligência, nos termos do art. 927 do CC e até pela incidência da Súmula 378, item II, do TST, transcrita acima. Neste sentido, o TST:
"AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO RÉU. LEI 13.467/2017 . ESTABILIDADE PROVISÓRIA. DOENÇA OCUPACIONAL. ATLETA PROFISSIONAL. REGISTRO FÁTICO DE INCAPACIDADE TEMPORÁRIA, COM AFASTAMENTO DAS ATIVIDADES POR 70 DIAS. NEXO CAUSAL COMPROVADO. DESNECESSIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, PARA RECONHECIMENTO DO DIREITO. SÚMULA Nº 378, II, DO TST. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CONSTATADA. A tese recursal, no sentido de ser imprescindível a concessão do auxílio-doença acidentário para fins de reconhecimento da correspondente estabilidade provisória no emprego, está superada pela jurisprudência cristalizada nesta Corte, expressa na Súmula nº 378, II. O fato de se tratar de atleta profissional e de ter havido pagamento dos salários durante o afastamento não elide a aplicação do verbete. Inviável, portanto, o processamento do recurso de revista. Agravo de interno conhecido e não provido" (Ag-AIRR-10173-68.2016.5.18.0011, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 23/10/2020). - grifei
A culpa da reclamada no infortúnio e no sinistro da reclamante é densificada pela confissão do preposto nos seguintes termos:
“que o clube não tinha departamento médico, sendo que o depoente não sabe responder se houve fornecimento de plano de saúde para a reclamante; que pelo que sabe o reclamado não contratou seguro de vida e acidentes pessoais para a reclamante”
O desconhecimento do preposto implica em confissão, nos termos dos arts. 843, §1o, da CLT e 385, §1o, do CPC. Assim, verifica-se que a parte reclamada não contratou seguro de vida e
acidentes pessoais para a reclamante, nem tinha departamento médico ou plano de saúde fornecido à atleta, obrigações que lhe competiam, nos termos dos arts. 34, II e III e 45 da Lei Pelé.
Da mesma forma, apesar da parte ré alegar que pagou verbas rescisórias e fundiárias, verifico que a parte reclamada não comprovou os pagamentos rescisórios e fundiários do período de 01 /03/18 a 31/12/18, ônus que lhe competia, nos termos dos arts. 464 e 818, II, da CLT e da Súmula 461 do TST. Destaco que os recibos juntados pela reclamada, datados de fevereiro de 2018, além de se traduzirem em valores pagos antes do início da contratualidade, foram confessados pela ré, em defesa, que foram a título de ajuda de custo para que a reclamante se deslocasse ao DF para o início dos trabalhos. Assim, nada tem a ver com verbas rescisórias ou fundiárias.
Assim o sendo, nos limites dos pedidos, e considerada a base de cálculo de R$1.500,00 mensais, condeno a parte reclamada a pagar à reclamante as seguintes verbas rescisórias típicas:
- 10/12 de trezenos proporcionais referentes ao ano de 2018, nos termos do art. 1o, §2o, da lei4.090/62;
- 10/12 de férias proporcionais+1/3 referentes ao ano de 2018, nos termos do art. 146, parágrafoúnico, da CLT.
Destaco que os documentos de fls. 164/165 dos autos comprovam que a reclamante recebeu o salário completo de dezembro de 2018.
Além das verbas rescisórias típicas, condeno, ainda, a parte reclamada a pagar à reclamante, FGTS referente ao período de 01/03/18 a 31/12/18, à razão de 8% de R$1.500,00 ao mês, mês a mês, no período da condenação.
Não há falar, todavia, em reconhecimento do elastecimento do contrato de trabalho para além da data de 31/12/18. O fato é que, em que pese as disposições legais e sumulares a respeito, houve o desligamento da reclamante. A situação se resolve, como visto, até pela falta de manifestação conjunta pela continuidade do vínculo, pela via indenizatória. Conforme argumentação pregressa, deverá haver a indenização de período de estabilidade não concedido, o que não tem o condão de estender o contrato de trabalho, mantendo-se a terminação do mesmo em 31/12/18. Assim, improcedentes os pedidos de reconhecimento de vínculo para além de 31/12/18.
Por outro lado, devidas indenizações substitutivas, eis que caracterizado o acidente de trabalho e a incapacidade laboral até 13/09/19 (fl.52). Assim, como a parte reclamada não emitiu CAT, não registrou o contrato de trabalho e nem fez contribuições previdenciárias, deve arcar com o período de incapacidade da autora, como se tivesse sido mantido o vínculo, nos termos do art. 927 do CC. Também é devida a indenização substitutiva da estabilidade de um ano da reclamante, a partir de 13/09/19, nos termos dos arts. 118 da lei 8.213/91, da Súmula 378 do TST e do art. 927 do CC. Assim, condeno a parte reclamada a pagar indenização substitutiva de salários mensais de R$1.500,00, mês a mês, no período de 01/01/19 até 13/09/20 (fim do período estabilitário); indenização de férias+1/3 do período 01/01/19 até 13/09/20 (fim do período estabilitário), o que representa 12/12 de 2019 e 08/12 de 2020, observada a base de cálculo de R$1.500,00 mensais e o disposto no parágrafo único do art. 146 da CLT; indenização de FGTS, à razão de 8% de R$1.500,00 ao mês, mês a mês, de 01/01/19 até 13/09/20.
É incontroverso que não houve a assinatura da CTPS obreira.
Assim, considerada as premissas e conclusões acima, nos termos do art. 39, §2o, da CLT, quando do trânsito em julgado, determino, e em oito dias da intimação para tanto, que a parte reclamada anote a CTPS da parte autora, constando a data de admissão em 01/03/18, e saída em 31/12/18, com salário mensal de R$1.500,00 e função de atleta profissional de futebol, sob pena de multa de R$50,00 por dia de atraso, limitada a R$500,00, nos termos dos arts. 139, IV e 536 do CPC. Ultrapassado o prazo, as anotações serão feitas pela Secretaria da Vara, com ofício à SRTE e ao INSS (art. 631 da CLT), inclusive para eventuais retificações de cadastros. Em vista da suspensão das atividades presenciais neste TRT, o cumprimento da obrigação de anotação de CTPS poderá se dar de duas formas: com a determinação de que a reclamante se encaminhe diretamente à sede da parte reclamada (antigo local de serviço) para as devidas anotações, em período fixado pelo juízo, após o trânsito em julgado, OU, quando do retorno das atividades presenciais neste tribunal (no momento em que os jurisdicionados já tiverem acesso às dependências do TRT), via secretaria, com a parte autora entregando o documento em secretaria, em 05 dias da determinação para tanto, após o trânsito em julgado e o retorno das atividades presenciais. OBSERVE A SECRETARIA.
MULTA DO ART. 467 DA CLT
As verbas rescisórias são controversas, pois a parte reclamada requereu a improcedência total dos pedidos, alegando pagamentos. Improcede a multa.
MULTA DO ART. 477 DA CLT
Conforme visto em capítulos pregressos, aos quais me remeto, ainda não houve o pagamento das verbas rescisórias. Assim, condeno a parte reclamada a pagar à reclamante o valor de R$1.500,00, a título de multa do art. 477, §8o, da CLT.
SALÁRIO “IN NATURA” E REFLEXOS
A parte reclamante requer o reconhecimento de salários “in natura” e integração dos mesmos aos salários pagos, à razão de R$375,00 a título de auxílio-moradia e R$300,00 a título de alimentação, valores estes considerados na base de cálculo mensal.
É incontroverso que a parte reclamante recebia alimentação e moradia. Residia nas dependências do clube. Ocorre que há particularidades na situação.
A reclamante, em depoimento, no que se refere ao tema da moradia disse:
“que ganhava R$ 1.500,00 reais por mês na reclamada; (...) que residia nos alojamentos do clube reclamado e também fazia todas as refeições no clube; que se o clube não tivesse oferecido o alojamento para a depoente, a mesma não conseguiria ter vindo atuar pelo clube reclamado, em brasília, a não ser que tivesse obtido um salário maior para alugar uma quitinete;” (grifei)
Como se vê do depoimento da reclamante, a mesma confessa que, se não tivesse recebido alojamento nas dependências do clube reclamado, não conseguiria ter vindo jogar no clube reclamado, considerando o salário mensal recebido de R$1.500,00. Conclui-se que o fornecimento do alojamento era indispensável para a execução do trabalho, ainda mais se considerando o salário mensal percebido. Nestas condições, o alojamento (auxílio-moradia) ganha nítido caráter instrumental, afastando-se a sua natureza salarial. Em outras palavras, caso não tivesse recebido a oportunidade de ficar no alojamento do clube reclamado, a reclamante não teria conseguido vir atuar no clube reclamado, nesta capital federal. Ou seja, há confissão real de que a reclamante recebia um instrumento para trabalhar, qual seja, o alojamento, pois, caso contrário, financeiramente, a prestação laboral restaria impossível.
Já tive a oportunidade de me manifestar a respeito do tema na obra Transferências e Registros de Atletas Profissionais de Futebol – Responsabilidades e Direitos, 2a Edição, Ltr:
“O art. 28, §4o, da Lei Pelé, estabelece que ao atleta profissional de futebol, ressalvadas as particularidades da Lei do Desporto mencionada, devem se aplicar as leis trabalhistas e de seguridade social:
- 4º Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes desta Lei (...)
Assim, silente a lei especial a respeito, aplica-se a legislação trabalhista geral, no caso, a CLT. Ou seja, em que pese ser um contrato especial de trabalho, o atleta profissional de futebol também é atingido pela aplicação das normas gerais da legislação trabalhista, uma vez que, além de atleta, também era empregado. Desta forma, é necessário verificar o art. 458 da CLT, que estabelece como salariais as parcelas de alimentação e habitação fornecidas ao empregado.
Há, todavia, a Súmula 367, I, do TST, que dispõe:
Súmula nº 367 do TST
UTILIDADES "IN NATURA". HABITAÇÃO. ENERGIA ELÉTRICA. VEÍCULO. CIGARRO. NÃO INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 24, 131 e 246 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
I - A habitação, a energia elétrica e veículo fornecidos pelo empregador ao empregado, quando indispensáveis para a realização do trabalho, não têm natureza salarial, ainda que, no caso de veículo, seja ele utilizado pelo empregado também em atividades particulares. (ex-Ojs da SBDI-1 nºs 131 - inserida em 20.04.1998 e ratificada pelo Tribunal Pleno em
07.12.2000 - e 246 - inserida em 20.06.2001) - grifei
A posição jurisprudencial consolidada revela que a caracterização de parcelas como salário, como se vê, dependem da caracterização, ou não, da indispensabilidade da parcela para a realização do trabalho. Nestes casos, incide o antigo questionamento: a parcela e o benefício eram fornecidos PARA a consecução do trabalho ou PELA consecução do trabalho? No caso da habitação fornecida aos atletas profissionais de futebol, deve-se averiguar se a habitação fornecida seria indispensável para a realização do serviço, pela ausência de outra hipótese de moradia na localidade sede do clube (casas ou apartamentos disponíveis para aluguel, em valores condizentes com o salário recebido pelo atleta) ou por circunstâncias excepcionais que levassem à conclusão que o fornecimento de habitação seria situação indispensável para a realização do serviço.” (grifei)
Ou seja, no caso em concreto, fica claro que o fornecimento de habitação para a reclamante era indispensável para a realização do serviço. Se não houvesse a habitação fornecida pelo clube reclamado, a autora não poderia, conforme confessado, vir trabalhar no reclamado em Brasília, haja vista os valores percebidos a título de salário que não permitiam outros gastos da obreira. Nestas condições, a moradia ganha feição instrumental, ou seja, trata-se de instrumento PARA o trabalho, incidindo a hipótese da Súmula 367, I, do TST. Desta forma, afasto a feição salarial da moradia fornecida pela parte reclamada. Julgo, pois, improcedentes os pedidos de inserção do valor da moradia no salário, bem como seus consectários reflexos pretendidos.
Da mesma maneira entendo em relação à alimentação fornecida. Neste particular, trago, novamente, trecho de nossa obra Transferências e Registros de Atletas Profissionais de Futebol – Responsabilidades e Direitos, 2a Edição, Ltr, que uso como razões de decidir:
“No caso, entende-se que a alimentação fornecida nos refeitórios ou nas viagens a trabalho dos clubes detêm a clara feição de prover um meio necessário para a boa prestação de serviços dos jogadores, haja vista que, indiscutivelmente, o labor de atleta profissional de futebol demanda uma boa condição física do jogador, o que implica em alimentação regular, regrada e sadia. A utilidade aqui fornecida é um instrumento indispensável para a boa prestação laboral do atleta e não uma benesse fornecida somente para retribuir o trabalho prestado. A alimentação regular fornecida em refeitório dos clubes, ou em viagens para jogos, é um instrumento de trabalho para o atleta profissional, uma vez que o jogador precisa de uma alimentação balanceada e equilibrada para desempenhar bem a sua profissão. Nos clubes de elite do futebol brasileiro, é normal a existência de um profissional de nutrição para a garantia que a alimentação fornecida seja controlada, balanceada e direcionada a favorecer a melhor performance física e técnica dos atletas dentro do campo de jogo, sempre mirando o objetivo de se alcançarem melhores resultados para a equipe. É de sabença notória e pública que uma alimentação regular e sadia implica em evitar lesões e doenças, o quê, ao fim e ao cabo, implicará em um ganho desportivo em prol do trabalho desenvolvido. O intuito final da prestação desportiva do atleta é, sempre, o bom desempenho dentro do campo de jogo. Assim, respeitadas as opiniões em contrário, a alimentação fornecida aos atletas revela-se, a rigor, em um instrumento para o trabalho e para a melhor performance do atleta e não um acréscimo salarial pelo trabalho prestado. Não havendo caráter salarial da parcela, não há a integração da mesma ao salário.” (grifei)
Julgo, pois, improcedente também a pretensão de inclusão da alimentação fornecida à atleta como salário, bem como seus consectários reflexos.
DANO MORAL
A parte reclamante alega que sofreu danos morais pelo não recebimento tempestivo das verbas rescisórias e pelo fato de não ter recebido tratamento adequado pela sua lesão física/acidente do trabalho.
Configura-se o dano moral quando há tensa aos atributos da personalidade do indivíduo, tais como honra, intimidade, vida privada e imagem, quer a subjetiva, quer aquela projetada na sociedade, no ambiente familiar ou no profissional.
No que tange à celeuma rescisória descrita (atrasos e não recebimentos) é situação que ocorre no dia a dia das pessoas, não configurando um fato excepcional a gerar indenização por dano moral, nem constituindo abalo grave aos direitos da personalidade do indivíduo, estes sim capazes de gerar indenização. A situação é corriqueira, apesar de indesejável, no mundo contemporâneo capitalista.
JOSE CAIRO JUNIOR afirma que "(...)é necessário, pois, fixar limites, sob pena
de admitir que toda violação de direitos ou interesses, de natureza contratual ou não, teria cunho de ofensa moral (...) Por isso, o inadimplemento contratual deve vir acompanhado de uma ação ou omissão, que caracterizaria o plus ofensivo, necessário para a constatação de uma ofensa moral indenizável." (Curso de Direito do Trabalho. Editora JusPodivm 11ª ed., p. 953)
Dissabores do dia a dia das pessoas não geram dano moral indenizável, sob
pena de se banalizar o instituto e lançar uma “cortina de fumaça” sobre as situações em que há, de fato, verdadeiro abalo aos direitos da personalidade.
Eventual falta da parte reclamada já foi corrigida por esta decisão.
Não se pode, via de regra, cogitar indenização, por danos morais, nesse
contexto, sobretudo quando inexiste nos autos comprovação de constrangimento perante terceiros, eventualmente vivenciada pela parte reclamante.
Neste sentido, o TRT da 3a Região e o TRT da 10a Região:
EMENTA: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS. NÃO CONFIGURADO. Malgrado constitua procedimento reprovável o não cumprimento de obrigações trabalhistas, tal como o não pagamento pelas horas extras trabalhadas, esta conduta faltosa não se afigura dotada de gravidade suficiente para dar ensejo à indenização por dano moral, que se configura quando há ofensa direta aos direitos da personalidade, seja no tocante à integridade física, moral ou intelectual. Mero dissabor, aborrecimento, desconforto emocional ou mágoa, ou mesmo o simples melindre de um espírito mais sensível não gera agravo moral indenizável, sob pena de banalização do instituto. (TRT da 3.ª Região; Processo: 00838-2013-153-03-00-3 RO;
Data de Publicação: 09/06/2014; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Convocada
Rosemary de O.Pires; Revisor: Fernando Antonio Viegas Peixoto; Divulgação: 06/06 /2014. DEJT/TRT3/Cad.Jud. Página 360)
DANO MORAL. ATRASO NO PAGAMENTO DAS VERBAS RESCISÓRIAS. O dano moral apto a ensejar indenização deve causar constrangimento e sofrimento à vítima, além de repercutir perante terceiros, pois a irradiação dos fatos danosos é que denigre a imagem da pessoa em seu convívio social. Para tal prova, é mister que tenha havido alguma repercussão do fato capaz de expor o trabalhador a constrangimentos perante seus semelhantes, de tal modo que o sofrimento causado tenha reflexos conhecidos e sabidos por seus pares. In casu, o autor não logrou êxito em comprovar a ocorrência de dano moral perpetrado por atitudes de seu empregador. Recurso ordinário conhecido e desprovido. (Processo nº 01399-2013-014-10-00-7 RO, Acordão 3ª
Turma, Rel. Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro, 07/11/2014 no DEJT/DF)
NÚMERO CNJ: 0001282-40.2017.5.10.0013
REDATOR: GILBERTO AUGUSTO LEITAO MARTINS
DATA DE JULGAMENTO: 12/09/2018
DATA DE PUBLICAÇÃO: 20/09/2018
EMENTA: 1. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA. ATRASO NO PAGAMENTO DE VERBAS TRABALHISTAS. REPARAÇÃO INDEVIDA. A condenação em dano moral demanda a demonstração de três elementos caracterizadores da responsabilidade civil: existência de ato ilícito, do dano e do nexo de causalidade entre este e aquele. A conduta narrada não implica grave violação à honra ou imagem da reclamante. Ademais, os direitos e créditos trabalhistas inadimplidos são ressarcidos pela via própria, prevista em lei, e o ressarcimento compreende não apenas a correção monetária dos valores não pagos mas também multas e juros.
2. Recurso ordinário conhecido e desprovido.
Nesse sentido, nada a deferir à parte reclamante.
Outra é a situação, entretanto, em relação à ausência da parte reclamada no auxílio à reclamante no tratamento de sua lesão.
Como visto, em capítulo pregresso ao qual me remeto, a parte reclamante sofreu acidente de trabalho típico, consistente em uma lesão no joelho. A parte reclamada não afastou a obreira pelo INSS, uma vez que, por sua culpa, não registrou um contrato de trabalho desportivo claro e não fez os recolhimentos previdenciários devidos. Em que pese o contrato dever ter sido suspenso, isto não ocorreu. Houve a terminação do mesmo em 31/12/18. Sem o devido registro e recolhimentos previdenciários, o que se deu pela negligência da parte reclamada, a autora, sem rendimentos, ficou à mercê de sua própria sorte. Teve que retornar ao estado de São Paulo, onde tem residência, e se submeter a cirurgia e tratamentos em rede pública, sem qualquer recebimento de qualquer tipo de renda no período, ficando, ainda, sem poder praticar sua profissão desportiva. A reclamada nada fez para auxiliar a obreira, o que foi confessado pelo desconhecimento do preposto (art. 385, §1o do CPC) e até por confissão real:
“Depoimento pessoal do preposto do(s) reclamado(s)(s): "que a reclamante teve uma contusão enquanto atuava pelo reclamado, sendo que o depoente, se não se engana, acha que a contusão foi no joelho; que depois da contusão da reclamante, a mesma não atuou mais pelo clube até o fim do seu contrato, em decorrência da contusão; que o clube oferece para as atletas que não têm residência fixa no DF, alojamento e refeições, o que foi feito com a reclamante; que o clube não tinha departamento médico, sendo que o depoente não sabe responder se houve fornecimento de plano de saúde para a reclamante; que pelo que sabe o reclamado não contratou seguro de vida e acidentes pessoais para a reclamante; que não sabe responder se houve algum contato ou atitude do clube após a operação da reclamante em relação à sua contusão; que não sabe dizer se a reclamante foi chamada para a prorrogação do seu contrato após a recuperação; que não tem conhecimento se o clube ressarciu ou pagou algo à reclamante após a operação; Nada mais." (grifei)
Fica comprovado que a parte reclamada, pela confissão do preposto, que a reclamada em nada auxiliou a obreira após 31/12/18, mesmo sabendo que sua incapacidade temporária para o exercício da profissão de atleta tinha sido em decorrência de acidente de trabalho típico. A parte reclamada, inclusive, não contratou seguro de vida e acidentes pessoais para a jogadora, ônus que lhe competia, nos termos do art. 45 da Lei Pelé. Não forneceu plano de saúde e também não ofereceu atendimento médico, mesmo quando o contrato estava ativo, pois a parte ré não tem departamento médico.
Some-se a isto que, além das culpas constatadas acima, destaca-se que a atividade de jogadora de futebol é uma atividade de risco, haja vista a grande ocorrência de lesões e contusões, o que atrai, da mesma forma, a responsabilidade objetiva da parte ré, nos termos do artigo 927, parágrafo único, do CC. Neste sentido, o TST:
"RECURSO DE REVISTA. ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. ACIDENTE DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL . 1. O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, não obstante reconhecer que o acidente ocorreu enquanto o autor desenvolvia sua atividade profissional em benefício do clube réu, bem como que, em virtude do infortúnio, o atleta não teve condições de voltar a jogar futebol profissionalmente, concluiu que a entidade desportiva não teve culpa no acidente de trabalho, além de haver adotado todas as medidas possíveis para tentar devolver ao autor a capacidade para o desenvolvimento de suas atividades como atleta profissional, não sendo possível a sua recuperação porque a medicina ainda não tinha evoluído ao ponto de permitir a cura total. Razões pelas quais a Corte a quo rejeitou o pedido de indenização por dano material e dano moral. 2. Ocorre, todavia, que, conforme o disposto nos arts. 34, III , e 45 , da Lei nº 9.615/98, são deveres da entidade de prática desportiva empregadora, em especial, submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos necessários à prática desportiva, e contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos. 3. Em tal contexto, incide, à espécie, a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, segundo o qual, haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 4. Dessa orientação dissentiu o acórdão recorrido. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido" (RR-39360047.2007.5.12.0050, 1ª Turma, Relator Ministro Walmir Oliveira da Costa, DEJT 07/03/2014). -
grifei
Nos termos dos artigos 186 e 927 do CC, surge o dever de indenizar quando, por ação ou omissão voluntária, dolosa ou culposa, comete-se ato ilícito, violando direito e causando dano, material ou moral, a outrem. Não é difícil imaginar a sensação de angústia e dor íntima da parte reclamante ao ter sua imagem e honra, na feição objetiva (perante a sociedade) e subjetiva (internamente), atingidas pelo fato de ter sido deixada à própria sorte, sem renda de qualquer natureza ou mesmo auxílio do reclamado, sendo que a origem de tal situação de penúria ocorreu pela ausência de registros e recolhimentos previdenciários por parte do réu, além do fato da reclamante ter se lesionado enquanto trabalhava para o réu, sem ter tido qualquer contratação de seguros obrigatórios em lei e sem a prestação de atendimentos médicos, obrigações que tinha a parte ré (arts. 34, II e III e 45 da Lei Pelé). Tudo isto causou dificuldades extremas à reclamante, impedindo-a, inclusive de praticar sua profissão desportiva no período de recuperação e ter acesso a benefícios previdenciários que seriam de seu direito, caso os registros devidos tivessem sido feitos a tempo e modo. A existência do dano moral no caso presente é percebido in re ipsa, ou seja, por simples presunção do que ordinariamente ocorreria ao homem médio na mesma situação.
Presentes os requisitos para indenização, quais sejam, culpa da parte reclamada e de seus representantes, pelas obrigações não cumpridas e constrangimentos criados, o nexo causal e dano íntimo à parte reclamante, a autora faz jus a indenização. Assim, considerada a gravidade dos atos praticados pela parte reclamada, o nexo causal e o tamanho do dano moral (art. 927 do CC) experimentado pela parte reclamante, bem como a capacidade econômica das partes, o tempo de exposição, o não enriquecimento sem causa, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, defiro indenização por dano moral que ora arbitro em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor que considero dentro dos parâmetros reparatórios do agravo sofrido, nos termos dos artigos 5º, V e X da CRFB-88 e 944 do CC.
Destaco que este juízo entende inconstitucional os critérios de fixação de danos do §1o, do art. 223-G, da CLT, pois aqueles parâmetros se chocam com os artigos constitucionais citados, na medida em que não é possível mensurar a dor por critérios valorativos calcados no salário médio da vítima. O §1o, do art. 223-G da CLT, portanto, é declarado inconstitucional, em controle difuso de constitucionalidade, por afronta à isonomia constitucional, uma vez que o art. 5o, V e X, da CRFB-88, garante indenização por dano moral “proporcional ao agravo” sofrido, sendo que a dor moral não podem ser mensurada pelo salário do ofendido e sim pela extensão dos eventuais danos. A nova interpretação do legislador ordinário, com a devida vênia, poderia levar, teratologicamente, a pensar, por exemplo, que a dor moral de um auxiliar de limpeza (que recebe R$1.500,00 mensais) que perde o braço em um acidente de trabalho é menor do que a dor moral de um chefe de seção (que recebe R$6.000,00 mensais) que também perde o braço em um mesmo acidente de trabalho, pelo simples fato daquele primeiro trabalhador ganhar menos do que o último. O parágrafo legal e seus incisos (§1o, e incisos, do art. 223-G da CLT) é, portanto, inconstitucional, uma vez que afronta a isonomia, pois atrela as indenizações às faixas salariais e não à extensão dos danos (agravos sofridos) em si, sendo este o critério constitucional estabelecido e que foi afrontado pelo legislador ordinário.
INDENIZAÇÃO DO VALOR DAS DESPESAS COM TRATAMENTO
A parte reclamante alega que teve despesas com o tratamento para a recuperação da lesão. Ocorre que, no particular, verifico que todos os documentos médicos juntados aos autos dão conta de tratamentos da obreira em instituições públicas, em que as despesas, como é público e notório, correm por conta do Estado e dos contribuintes. É o que se constata, exemplificativamente, do documento de fl. 51 dos autos. Ou seja, não houve, portanto, gastos da obreira na cirurgia e na recuperação da mesma, eis que os procedimentos médicos e fisioterápicos, segundo os documentos juntados pela própria autora, se deram na rede pública de atendimento. A reclamante não comprovou, documentalmente, ou por outra forma, que tenha recebido tratamento em instituição particular, com recibos ou notas fiscais que comprovassem gastos pessoais da obreira, ônus que lhe competia, nos termos do art. 818, I, da CLT. Destacase que houve a recuperação completa da autora em setembro de 2019, conforme comprova o documento de fl. 52 dos autos. A ação foi ajuizada em março de 2020, razão pela qual a reclamante já poderia ter juntado eventual documentação comprobatória de gastos com a recuperação. Não o fez, estando preclusa a oportunidade, nos termos do art. 787 da CLT.
Nesta situação, não há comprovação de dano, no particular. Ausente o dano, nos termos do art. 927 do CC, a parte reclamante não faz jus à indenização neste capítulo, pois, para a configuração de possibilidade de indenização civil, há a necessidade de comprovação dos três elementos legais de modo concomitante, quais sejam: culpa, nexo causal e dano.
Improcedentes os pedidos deste capítulo.
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Não vislumbro má-fé de nenhuma das partes, que somente exerceram seus direitos constitucionais de ação e de defesa, dentro dos limites da razoabilidade (art. 5o, XXXV, LIV e LV da CRFB-88). A verdade dos autos é formal, eis que trabalha sobre fatos reconstituídos, só cabendo a aplicação de multa de litigância de má-fé em claro abuso dos direitos mencionados e clara incidência das hipóteses legais para a multa, o que não é o caso dos autos.
HONORÁRIOS DE ADVOGADO
A ação foi ajuizada na vigência da lei 13467-17. Houve sucumbência recíproca, atraindo o arbitramento, nos termos do art. 791-A, §3º, da CLT, inclusive de ofício. Assim, considerada a complexidade diminuta da causa e o trabalho dos advogados, defiro, nos termos do art. 791-A da CLT, honorários de sucumbência para os advogados de ambas as partes, à razão de 10% do valor líquido da condenação, no que tange aos pedidos procedentes, em favor dos advogados da parte reclamante; e 10% do valor líquido dos pedidos improcedentes, em favor dos advogados da parte reclamada, tudo conforme se apurar em liquidação. No particular, aplico, por analogia, a Súmula 326 do STJ, para considerar que, em havendo procedência parcial de um determinado pedido individualmente considerado, não haverá sucumbência recíproca. Em suma, só serão devidos honorários aos advogados da parte reclamada quando um pedido for COMPLETAMENTE improcedente. Neste sentido, o E. TRT, na lavra autorizada do Exmo. Juiz Convocado Denílson Bandeira Coelho:
NÚMERO CNJ: 0000996-28.2018.5.10.0013
REDATOR: DENILSON BANDEIRA COELHO
DATA DE JULGAMENTO: 17/07/2019
DATA DE PUBLICAÇÃO: 23/07/2019
EMENTA:
(...) 4. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. AÇÃO AJUIZADA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. RECIPROCIDADE. INAPLICABILIDADE SOBRE PARCELA DEFERIDA AINDA QUE NÃO NA AMPLITUDE PEDIDA
Fica vedada a compensação de honorários, nos termos do §3º, do art. 791-A da CLT. Não cabe outra espécie de honorários no caso, haja vista o regramento específico. Não há honorários sobre os pedidos e causas de pedir extintos sem julgamento do mérito, por ausência de sucumbência material. Destaco que os valores devidos aos advogados da parte reclamada deverão ser transferidos dos valores líquidos devidos à parte reclamante, na condenação, nos termos da lei (791-A, §4º, da CLT). Neste sentido, o TST:
"HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA - CLT, ART. 791-A, § 4º - DECISÃO REGIONAL LIMITADORA A CRÉDITOS DE NATUREZA NÃO ALIMENTÍCIA TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA - VIOLAÇÃO À LITERALIDADE DO PRECEITO -
PROVIMENTO. 1. Uma das alterações mais simples e impactantes que a reforma trabalhista de 2017 introduziu no Processo do Trabalho foi a imposição do pagamento de honorários advocatícios também por parte do trabalhador reclamante (CLT, art. 791-A). 2. A inovação seguiu na linha evolutiva do reconhecimento amplo do direito à percepção de honorários sucumbenciais por parte dos advogados, tanto à luz do novo CPC quanto das alterações da Súmula 291 do TST, reduzindo as restrições contidas na Lei 5.584/70, que os limitavam aos casos de assistência judiciária por parte do sindicato na Justiça do Trabalho. 3. Por outro lado, um dos objetivos da mudança, que implicou queda substancial das demandas trabalhistas, foi coibir as denominadas "aventuras judiciais", nas quais o trabalhador pleiteava muito mais do que efetivamente teria direito, sem nenhuma responsabilização, em caso de improcedência, pelo ônus da contratação de advogado trazido ao empregador. Nesse sentido, a reforma trabalhista, em face da inovação, tornou o Processo do Trabalho ainda mais responsável. 4. No caso do beneficiário da Justiça Gratuita, o legislador teve a cautela de condicionar o pagamento dos honorários à existência de créditos judiciais a serem percebidos pelo trabalhador, em condição suspensiva até 2 anos do trânsito em julgado da ação em que foi condenado na verba honorária (CLT, art. 791-A, § 4º). 5. Na hipótese dos autos, o 21º Regional entendeu por ampliar essa cautela, ao ponto de praticamente inviabilizar a percepção de honorários advocatícios por parte do empregador vencedor, condicionando-a à existência de créditos de natureza não alimentícia. Como os créditos trabalhistas ostentam essa condição, só se o empregado tivesse créditos a receber de ações não trabalhistas é que poderia o empregador vir a receber pelo que gastou. 6. Portanto, a exegese regional ao § 4º do art. 791A da CLT afronta a sua literalidade e esvazia seu comando, merecendo reforma a decisão, para reconhecer o direito à verba honorária, mesmo com a condição suspensiva, mas não limitada aos créditos de natureza não alimentícia. Recurso de revista provido" (RR-780-
77.2017.5.21.0019, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, DEJT 27/09/2019).
“[...] II) RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO – RITO SUMARÍSSIMO - CONDENAÇÃO DA BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS – COMPENSAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA COM OS
CRÉDITOS OBTIDOS EM JUÍZO, AINDA QUE EM OUTRO PROCESSO - COMPATIBILIDADE DO ART. 791-A, § 4º, DA CLT COM O ART. 5º, CAPUT, XXXV, LIV e LV, DA CF TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. 1. Nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT, constitui transcendência jurídica da causa a existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista. 2. In casu, o debate jurídico que emerge do presente processo diz respeito à possibilidade de se compensar os honorários advocatícios sucumbenciais, arbitrados à Parte beneficiária da justiça gratuita, com os créditos que lhe foram deferidos na presente ação, consoante previsto no § 4º do art. 791-A da CLT, introduzido pela Lei 13.467/17, questão nova e que oferece reflexos de natureza jurídica. 3. Conforme se extrai do acórdão recorrido, o Regional, considerando a decisão plenária do TRT de declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da expressão ‘desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa’, constante do § 4º do art. 791-A da CLT, determinou que os honorários advocatícios devidos pela Reclamante, que litiga sob o pálio da justiça gratuita, arbitrados em R$ 432,00 pelo Juízo de origem, permanecessem em condição suspensiva de exigibilidade, nos termos do citado art. 791-A, § 4º, da CLT, sem nenhuma compensação com seus créditos. 4. Como é cediço, a Reforma Trabalhista, promovida pela Lei 13.467/17, ensejou diversas alterações no campo do Direito Processual do Trabalho, a fim de tornar o processo laboral mais racional, simplificado, célere e, principalmente, responsável, sendo essa última característica marcante, visando coibir as denominadas ‘aventuras judiciais’, calcadas na facilidade de se acionar a Justiça, sem nenhum ônus ou responsabilização por postulações carentes de embasamento fático. 5. Não se pode perder de vista o crescente volume de processos ajuizados nesta Justiça Especializada, muitos com extenso rol de pedidos, apesar dos esforços empreendidos pelo TST para redução de estoque e do tempo de tramitação dos processos. 6. Nesse contexto foram inseridos os §§ 3º e 4º no art. 791-A da CLT pela Lei 13.467/17, responsabilizando-se a parte sucumbente, seja a autora ou a demandada, pelo pagamento dos honorários advocatícios, ainda que beneficiária da justiça gratuita, o que reflete a intenção do legislador de desestimular lides temerárias, conferindo tratamento isonômico aos litigantes. Tanto é que o § 5º do art. 791-A da CLT expressamente dispôs acerca do pagamento da verba honorária na reconvenção. Isso porque, apenas se tiver créditos judiciais a receber é que terá de arcar com os honorários se fizer jus à gratuidade da justiça, pois nesse caso já não poderá escudar-se em pretensa insuficiência econômica. 7. Percebe-se, portanto, que o art. 791-A, § 4º, da CLT não colide com o art. 5º, caput, XXXV, LIV e LV, da CF, ao revés, busca preservar a jurisdição em sua essência, como instrumento responsável e consciente de tutela de direitos elementares do ser humano trabalhador, indispensáveis à sua sobrevivência e à da família. 8. Ainda, convém ressaltar não ser verdadeira a assertiva de que a imposição de pagamento de honorários de advogado àquele que se declara pobre na forma da lei implica desvio de finalidade da norma, onerando os que necessitam de proteção legal, máxime porque no próprio § 4º do art. 791-A da CLT se visualiza a preocupação do legislador com o estado de hipossuficiência financeira da parte vencida, ao exigir o pagamento da verba honorária apenas no caso de existência de crédito em juízo, em favor do beneficiário da justiça gratuita, neste ou em outro processo, capaz de suportar a despesa que lhe está sendo imputada, situação, prima facie, apta a modificar a sua capacidade financeira, até então de miserabilidade, que justificava a concessão de gratuidade, prestigiando, de um lado, o processo responsável, e desestimulando, de outro, a litigância descompromissada. 9. Por todo o exposto, merece reforma o acórdão regional, a fim de estabelecer que os honorários advocatícios decorrentes da sucumbência da Autora, beneficiária da justiça gratuita, primeiramente sejam compensados dos créditos obtidos em juízo, ainda que em outro processo, e, tão somente na hipótese dos ganhos serem insuficientes ou inexistentes, incida a condição suspensiva de exigibilidade prevista no art. 791-A, § 4º, da CLT. Recurso de revista provido.” (TST-RR20556-23.2018.5.04.0271, 4ª Turma, rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, julgado em 6/5/2020)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO -RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DAS LEIS N. 13.015/2014, 13.105/2015 E 13.467/2017 -HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS -AÇÃO AJUIZADA APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017 CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 791-A, § 4º, DA CLT . 1. A Reforma Trabalhista, implementada pela Lei nº 13.467/2017, sugere uma alteração de paradigma no direito material e processual do trabalho. No âmbito do processo do trabalho, a imposição pelo legislador de honorários sucumbenciais ao reclamante reflete a intenção de desestimular lides temerárias. É uma opção política. 2. Por certo, sua imposição a beneficiários da Justiça gratuita requer ponderação quanto à possibilidade de ser ou não tendente a suprimir o direito fundamental de acesso ao Judiciário daquele que demonstrou ser pobre na forma da Lei. 3. Não obstante, a redação dada ao art. 791, § 4º, da CLT, demonstrou essa preocupação por parte do legislador, uma vez que só será exigido do beneficiário da Justiça gratuita o pagamento de honorários advocatícios se ele obtiver créditos suficientes, neste ou em outro processo, para retirá-lo da condição de miserabilidade.Caso contrário, penderá,por dois anos, condição suspensiva de exigibilidade. A constatação da superação do estado de miserabilidade, por óbvio, é casuística e individualizada. 4. Assim, os condicionamentos impostos restauram a situação de isonomia do atual beneficiário da Justiça gratuita quanto aos demais postulantes . Destaque-se que o acesso ao Judiciário é amplo, mas não incondicionado . Nesse contexto, a ação contramajoritária do Judiciário, para a declaração de inconstitucionalidade de norma, não pode ser exercida no caso, em que não se demonstra violação do princípio constitucional de acesso à Justiça . Agravo de instrumento conhecido e desprovido" (AIRR-2054-06.2017.5.11.0003, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira ,
3ª Turma, DEJT de 30/05/19. (Grifo nosso) Inteiro teor: (http://aplicacao5.tst.jus.br /consultaunificada2/inteiroTeor.do?
action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=AIRR%20-%20205406.2017.5.11.0003&base=acordao&rowid=AAANGhABIAAAV6EAAH&dataPublicacao=31/05 /2019&localPublicacao=DEJT&query=)
Destaco, também, que eventual posição do E. TRT a respeito da matéria não é vinculante ao juízo, pois a única declaração de inconstitucionalidade de lei que vincula as outras instâncias da justiça é aquela exarada pelo Plenário do STF, em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Ademais, lembro que, nos termos do art. 8o, §2o, da CLT, os tribunais não podem editar enunciados de jurisprudência que restrinjam direitos legalmente previstos, sendo que não houve declaração de inconstitucionalidade sobre aquele artigo da CLT, incidindo a vedação do art. 97 da CRFB-88. Finalmente, pontuo, com a devida e máxima vênia, que não é possível a declaração de inconstitucionalidade para somente “suprimir” uma “expressão” do §4o, do art. 791-A, da CLT, uma vez que a norma detém caráter unívoco, que não admite outras interpretações. Neste sentido, o STF, na lavra autorizada do Exmo. Ministro Moreira Alves:
“Impossibilidade, na espécie, de se dar interpretação conforme à Constituição, pois essa técnica só é utilizável quando a norma impugnada admite, dentre as várias interpretações possíveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o sentido da norma é unívoco, como sucede no caso presente. Quando, pela redação do texto no qual se inclui a parte da norma que é atacada como inconstitucional, não é possível suprimir dele qualquer expressão para alcançar essa parte, impõe-se a utilização da técnica de concessão da liminar `para a suspensão da eficácia parcial do texto impugnado sem a redução de sua expressão literal', técnica essa que se inspira na razão de ser da declaração de inconstitucionalidade `sem redução do texto' em decorrência de este permitir `interpretação conforme à Constituição"." (ADI 1.344-MC, rel. min. Moreira Alves, julgamento em 18-121995, DJ de 19-4-1996.)”
Neste particular, cabe dizer que o Poder Judiciário não se presta ao papel de legislador positivo, função anômala ao seu mister. Não se pode, a partir da supressão seletiva de expressões do texto legal, criar-se uma outra regra legal que vai contra ao intuito material do legislador. Neste sentido, o STF, na lavra autorizada do Exmo. Ministro Celso de Mello:
“SUSPENSÃO SELETIVA DE EXPRESSÕES CONSTANTES DA NORMA LEGAL CONSEQÜENTE ALTERAÇÃO DO SENTIDO DA LEI - IMPOSSIBILIDADE DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AGIR COMO LEGISLADOR POSITIVO (...)O STF como legislador negativo: A ação direta de inconstitucionalidade não pode ser utilizada como o objeto de transformar o Supremo Tribunal Federal, indevidamente, em legislador positivo, eis que o poder de inovar o sistema normativo, em caráter inaugural, constitui função típica da instituição parlamentar. Não se releva lícito pretender, em sede Federal, a partir da supressão seletiva de fragmentos do discurso normativo inscrito no ato estatal impugnado, proceda a virtual criação de outra regra legal, substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu próprio legislador. (…) Ação direta de inconstitucionalidade e impossibilidade jurídica do pedido: não se declara a inconstitucionalidade parcial quando haja inversão clara do sentido da lei, dando que não é permitido ao Poder Judiciário agir como legislador positivo “. (Ação direta de inconstitucionalidade nº 1.063-8 – Medida liminar – Relator: Ministro Celso de Mello. DJU 27.04.2001, SEÇÃO 1, p. 57) - grifei.
Por não se tratarem de parcela trabalhista típica, o termo inicial dos juros aplicáveis aos honorários deferidos será o trânsito em julgado da decisão, nos termos do art. 397 do CC.
Atribuo, para o fim de honorários, o valor de R$15.000,00 para os pedidos não liquidados que foram julgados totalmente improcedentes.
JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA
A análise de juros e correção fica remetida à eventual fase de execução, nos termos autorizativos da Súmula 211 do TST.
DEDUÇÃO/COMPENSAÇÃO
Não há, eis que as parcelas da condenação não foram pagas.
Dispositivo
POR TODO O EXPOSTO, nos autos da Ação Trabalhista em epígrafe, rejeito as impugnações; retifico, de ofício, o valor da causa; de ofício (art. 485, §3o, do CPC), extingo, sem julgamento do mérito, os pedidos de alíneas “n” e “p” do rol de pedidos (fl. 39), por falta de interesse processual, nos termos do art. 485, VI, do CPC; defiro a justiça gratuita à autora; reconheço o vínculo de emprego desportivo conforme fundamentação; E, no mérito, nos termos da fundamentação, que integra este dispositivo, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, para que a parte reclamada pague à parte reclamante, as seguintes parcelas, após o trânsito em julgado, nos limites dos pedidos, observadas as bases de cálculo da fundamentação:
- 10/12 de trezenos proporcionais referentes ao ano de 2018, nos termos do art. 1o, §2o, da lei4.090/62;
- 10/12 de férias proporcionais+1/3 referentes ao ano de 2018, nos termos do art. 146, parágrafoúnico, da CLT;
- FGTS referente ao período de 01/03/18 a 31/12/18, à razão de 8% de R$1.500,00 ao mês, mêsa mês, no período da condenação;
- indenização por danos morais de R$5.000,00;
- multa do art. 477, §8o da CLT: R$1.500,00;
- indenização substitutiva de salários mensais de R$1.500,00, mês a mês, no período de 01/01 /19 até 13/09/20 (fim do período estabilitário); indenização de férias+1/3 do período 01/01/19 até 13/09/20 (fim do período estabilitário), o que representa 12/12 de 2019 e 08/12 de 2020, observada a base de cálculo de R$1.500,00 mensais e o disposto no parágrafo único do art. 146 da CLT; indenização de FGTS, à razão de 8% de R$1.500,00 ao mês, mês a mês, de 01/01/19 até 13/09/20.
Assim, considerada as premissas e conclusões acima, nos termos do art. 39, §2o, da CLT, quando do trânsito em julgado, determino, e em oito dias da intimação para tanto, que a parte reclamada anote a CTPS da parte autora, constando a data de admissão em 01/03/18, e saída em 31/12/18, com salário mensal de R$1.500,00 e função de atleta profissional de futebol, sob pena de multa de R$50,00 por dia de atraso, limitada a R$500,00, nos termos dos arts. 139, IV e 536 do CPC. Ultrapassado o prazo, as anotações serão feitas pela Secretaria da Vara, com ofício à SRTE e ao INSS (art. 631 da CLT), inclusive para eventuais retificações de cadastros. Em vista da suspensão das atividades presenciais neste TRT, o cumprimento da obrigação de anotação de CTPS poderá se dar de duas formas: com a determinação de que a reclamante se encaminhe diretamente à sede da parte reclamada (antigo local de serviço) para as devidas anotações, em período fixado pelo juízo, após o trânsito em julgado, OU, quando do retorno das atividades presenciais neste tribunal (no momento em que os jurisdicionados já tiverem acesso às dependências do TRT), via secretaria, com a parte autora entregando o documento em secretaria, em 05 dias da determinação para tanto, após o trânsito em julgado e o retorno das atividades presenciais. OBSERVE A SECRETARIA.
A ação foi ajuizada na vigência da lei 13467-17. Houve sucumbência recíproca, atraindo o arbitramento, nos termos do art. 791-A, §3º, da CLT, inclusive de ofício. Assim, considerada a complexidade diminuta da causa, defiro, nos termos do art. 791-A da CLT, honorários de sucumbência para os advogados de ambas as partes, à razão de 10% do valor líquido da condenação, no que tange aos pedidos procedentes, em favor dos advogados da reclamante; e 10% do valor líquido dos pedidos improcedentes, em favor dos advogados da parte reclamada, tudo conforme se apurar em liquidação. No particular, aplico, por analogia, a Súmula 326 do STJ, para considerar que, em havendo procedência parcial de um determinado pedido individualmente considerado (por exemplo, FGTS e os trezenos), não haverá sucumbência recíproca. Em suma, só serão devidos honorários aos advogados da parte reclamada quando um pedido for COMPLETAMENTE improcedente. Fica vedada a compensação de honorários, nos termos do §3º, do art. 791-A da CLT. Não cabe outra espécie de honorários no caso, haja vista o regramento específico. Destaco que os valores devidos aos advogados da parte reclamada deverão ser transferidos dos valores líquidos devidos à parte reclamante, na condenação. Não há honorários sobre os pedidos extintos sem julgamento do mérito. Os juros sobre os honorários, por não serem parcela trabalhista, incidem após o trânsito em julgado, como termo inicial, na esteira do art. 397 do CC.
Liquidação por cálculos, limitada aos valores da inicial, nos termos do art. 840, §1º da CLT. Ou seja, não se poderá extrapolar os valores indicados na inicial liquidada, com exceção de juros, correções, honorários advocatícios ou eventuais multas aplicadas pelo juízo para adimplemento do feito. Eventual extrapolação é considerada renúncia.
Juros e correção serão analisados em eventual fase de execução, nos termos
autorizativos da Súmula 211 do TST.
As contribuições previdenciárias incidirão sobre as seguintes parcelas: 13º
salários do ano de 2018, conforme art. 28 da Lei nº 8.212/91, autorizada a dedução dos valores devidos pela empregada.
Os recolhimentos previdenciários deverão ser efetuados e comprovados na
forma da Lei n° 11.941/09 e dos Provimentos CGJT nºs 01/96 e 02/93 e da Súmula 368 do TST, sob pena de execução direta pela quantia equivalente (artigo 114, inciso VIII, da CR/88).
Autoriza-se, também, a retenção do Imposto de Renda na fonte, sendo que os
descontos fiscais deverão ser recolhidos e comprovados conforme a Lei nº 12.350/10 e Instrução Normativa n. 1500/14, sob pena de expedição de ofício à Receita Federal.
Ressalte-se que os juros de mora não configuram renda e proventos de qualquer
natureza, mas meros componentes indissociáveis do valor total da indenização, motivo pelo qual devem ser excluídos da incidência do imposto de renda, diante de sua natureza indenizatória, conforme previsto no art. 404 do CC 2002 e na OJ 400 da SDI-I do TST.
Também friso que o fato gerador para a contribuição previdenciária, especialmente para efeito de juros, é o pagamento do débito trabalhista, após a liquidação da sentença, na forma do art. 195, I, a, da CRFB-88, sendo que, na visão do juízo, a súmula 368, a IN 1500/14 e o art. 195, I, a, são complementares e não dissidentes.
Expeçam-se ofícios à SRTE, à CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e à Receita Federal, com cópia da decisão, após o trânsito em julgado desta decisão, para a adoção das medidas que aquelas autoridades entenderem cabíveis (art. 631 da CLT e 536 do CPC). Por celeridade processual, a presente sentença já terá força de ofício. OBSERVE A SECRETARIA.
Os recolhimentos serão feitos pela parte reclamada, autorizada a retenção da quota-parte da reclamante, pois entendimento em contrário implicaria em enriquecimento sem causa da parte autora, o que é vedado pelo art. 884 do CC. A controvérsia sobre a responsabilidade pelo pagamento das cotas previdenciárias e fiscais deve obedecer à orientação consubstanciada na Súmula nº 368 do TST, não havendo falar em responsabilidade exclusiva do empregador. Ocorre que há determinação legal imposta ao empregador de recolhimento de parcela correspondente ao imposto de renda e à contribuição previdenciária, cabendo ao empregado a obrigação pelo pagamento dos tributos, sem a transferência desse ônus para o reclamado, pois os sujeitos da obrigação tributária são os empregadores e empregados, razão pela qual cada um deles, diante do crédito trabalhista, responderá por sua cota-parte. Ademais, essa é a diretriz da orientação jurisprudencial nº 363 da SDI-1 do Colendo TST. Friso que não é competência desta Especializada a Contribuição Previdenciária de Terceiros. Friso, ainda, que a cota-parte do empregador deverá obedecer ao disposto no art. 22, §6º, da Lei nº 8.212/91 que prevê que a retenção de 5% sobre todas as receitas recebidas pelo Clube substitui a cota-parte do exempregador devida ao INSS em relação a seus prestadores de serviços. Assim, tal particularidade deverá ser observada em liquidação, devendo o reclamado, tão só, comprovar as
retenções do art. 22, §6o, da Lei 8.212/91 para se eximir do recolhimento de sua cota-parte no caso concreto, sob pena de ter que arcar com os recolhimentos regulares devidos, caso não comprove o cumprimento de suas obrigações previdenciárias.
Custas pela parte reclamada no valor de R$ 1.000,00, calculadas sobre o valor
ora arbitrado provisoriamente à condenação de R$ 50.000,00.
Advirto as partes sobre a necessidade de não se usar os embargos de
declaração fora das hipóteses legais, sob pena de atrair as cominações do art. 1026 do CPC.
Ante a antecipação da prolação da sentença, intimem-se as partes por meio de seus advogados.
Encerro.
BRASILIA/DF, 18 de novembro de 2020.
MARCOS ULHOA DANI
Juiz do Trabalho Substituto