Justiça do Trabalho suspende norma coletiva que previa a redução, durante a pandemia, de verbas rescisórias do setor de bares e restaurantes

O Exmo. Desembargador Alexandre Nery de Oliveira, nos autos de Ação Anulatória de Cláusula Convencional, ajuizada pelo MPT, acolheu o pedido do parquet, que questiona a cláusula de Convenção Coletiva do Trabalho do ramo de bares e restaurantes do DF, e que permitia a redução das verbas rescisórias durante o período de pandemia.

Compreendeu o MM. Desembargador que houve vício formal na celebração do termo aditivo que previu essa redução de verbas, pois realizada apenas pelos dirigentes sindicais, sem qualquer consulta ou deliberação da categoria profissional.

É uma decisão de grande impacto, já que notícias têm destacado o grande número de empregados despedidos nesse segmento.

Conheça abaixo o inteiro teor da decisão:

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA DO TRABALHO

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO

Gabinete Desembargador Alexandre Nery de Oliveira

AACC 0000601-07.2020.5.10.0000

AUTOR: Ministério Público do Trabalho

RÉU: SINDICATO DE HOTEIS, RESTAURANTES, BARES E SIMILARES DE

BRASILIA, SINDICATO DE EMP NO COM HOT REST BARES LANCHONETES

PIZZARIAS CHUR BOITES COZINHAS IND EMP FORNEC DE REFEICOES – ECT

 

D E C I S Ã O

(PEDIDO LIMINAR – DEFERIMENTO)

                       MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO ajuizou ação anulatória de cláusula convencional em face do SINDICATO DE HOTÉIS, RESTAURANTES, BARES E SIMILARES DE BRASÍLIA – SINDHOBAR e SINDICATO DOS EMPREGADOS NO COMÉRCIO HOTELEIRO, RESTAURANTES, BARES, LANCHONETES E SIMILARES DO DISTRITO FEDERAL – SECHOSC,devidamente qualificados, onde postula a declaração de nulidade do termo aditivo à CCT 2020/2022 convencionado entre os Sindicatos supramencionados, por vício formal insanável, diante da ofensa ao art. 612/CLT, ou mesmo em razão da previsão de redução de direitos rescisórios trabalhistas em decorrência da Pandemia da COVID-19 (supressão do aviso prévio e redução da multa de 40% do FGTS). Pugna pela concessão de liminar em tutela de urgência. Deu à causa o valor de R$ 10.000,00.

                                                                                                                                                     R e l a t a d o s .                                                         

Deci do :

A discussão envolve os termos aditivos à CCT 2020/2022 firmados pelas

entidades sindicais Rés, buscando o pedido inicial, em sede liminar, por invocada nulidade formal ou material, a imediata suspensão do primeiro Termo Aditivo, ou ao menos dos parágrafos 2º a

4º da respectiva Cláusula 1ª, com perda consequente da eficácia do segundo Termo Aditivo.

A CCT-2020/2022 foi firmada em março/2020, enquanto o primeiro Termo

Aditivo,    em     07/04/2020,   e    o  segundo   Termo Aditivo, em       10/08/2020.

Inicialmente, observo que a MP 927/2020, de 22/03/2020, teve vigência encerrada em 19/07/2020, conforme Ato Declaratório 92/2020, de 30/07/2020, do Presidente do Congresso  Nacional .

A MP 936/2020, de 01/04/2020, por sua vez, resultou convertida na Lei nº 14.020/2020.

Por partes.

A MP 927/2020, enquanto vigorou, estipulou condições que, conquanto inseridas no Termo Aditivo à CCT/2020 firmado pelas entidades Rés, sucumbe como justificativa à adoção da norma coletiva referida .

A MP 936/2020, por sua vez convertida na Lei nº 14.020/2020.

A inicial do Ministério Público invoca a nulidade formal total do primeiro Termo Aditivo, sob manto de irregularidade formal à luz do artigo 612 da CLT, inclusive considerando que quando da pactuação em 07/04/2020 já vigorava o artigo 17, II, da MP 936/2020 que asseverou a possibilidade de uso de meios eletrônicos para o atendimento aos requisitos alusivos à convocação, deliberação, decisão, formalização e publicidade de convenção ou de acordo coletivo de trabalho, enquanto no caso teria sido adotada fórmula de aprovação apenas pelos dirigentes sindicais signatários.

Sucessivamente, o Ministério Público invoca haver, quando menos, nulidade material do contido na Cláusula 1ª, §§ 2º a 4º do referido primeiro Termo Aditivo à CCT 2020 /2022 quando afastou (1) a multa do artigo 479 da CLT, (2) reduziu a indenização compensatória por demissão imotivada correspondente à metade do valor do FGTS (assim 20% invés de 40% do valor do saldo fundiário devido) e (3) considerou não ser devido pagamento de aviso prévio i n d e n i z a d o .

Por fim, considerando o aspecto decorrente, busca a perda de eficácia do segundo termo aditivo à CCT 2020/2022, ou quando menos do considerando que indicaria atuação    proativa  do procurador    do trabalho referido.

O artigo 30 da MP 927/2020 asseverava que “Os acordos e as convenções coletivos vencidos ou vincendos, no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor desta Medida Provisória, poderão ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo de noventa dias, após o termo final deste prazo.” Nesse efeito, o que se permitia não era a prorrogação indistinta das normas coletivas, mas sua consideração de prorrogação a critério dos próprios empregadores, como cláusulas aderidas “pro tempore” aos contratos individuais de trabalho. Nada, assim, a considerar-se em relação à prorrogação indistinta para toda a categoria, mas apenas no âmbito das relações individuais de trabalho e a critério, repita-se, dos próprios empregadores.

Ademais, a questão contida na adoção do primeiro Termo Aditivo à CCT 2020 /2022 não envolveu prorrogação de efeitos, mas estipulação de novos normativos.

Nesse sentido, já encontrou a adoção do referido Termo Aditivo o regramento contido no artigo 17, II, da MP 936/2020, inclusive por anterior à própria subscrição do aditivo descrito, verbis:

Art. 17. Durante o estado de calamidade pública de que trata o art. 1º desta Lei:

(…)

II – poderão ser utilizados meios eletrônicos para atendimento aos requisitos formais previstos no Título VI da CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, inclusive para convocação, deliberação, decisão, formalização e publicidade de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho;

(…)”

A manifestação do sindicato patronal, então em sede de inquérito civil instaurado pelo MPT, já evidencia que não houve uso de meios eletrônicos para a convocação e deliberação das categorias, situando-se o Termo Aditivo em confessada atuação restrita de seus dirigentes, fora, assim, das exigências legais, que não foram revogadas pela legislação excepcional do período de pandemia.

Tenho, nesse efeito, como configurado o fumus boni iuris e o periculum in mora para a concessão da tutela provisória requerida pelo Parquet, eis que inequivocamente a persistência do primeiro Termo Aditivo resulta efeitos por norma firmada fora de padrões estabelecidos, com risco à segurança jurídica para toda a categoria envolvida.

Concluindo, em exame inaudita altera pars, e sem prejuízo de posterior reexame quando apresentadas as defesas, DEFIRO O PEDIDO LIMINAR para imediatamente suspender a validade e eficácia do primeiro Termo Aditivo à CCT-2020/2022 firmada pelos Sindicatos Réus, consequentemente assim restado suspensa igualmente a eficácia do segundo Termo Aditivo, até final decisão no processo decorrente da presente ação anulatória de normas coletivas, nos termos da fundamentação.

Intime-se o Autor.

Citem-se os Réus, cientificando-os, ainda, do deferimento do pedido liminar, para, querendo, contestar, no prazo de 15 (quinze) dias, os pedidos formulados pelo Autor, assim devendo acompanhar o instrumento de citação, além da contrafé da exordial, também o inteiro teor  desta decisão.

 

Brasília-DF, 17 de agosto de 2020.

ALEXANDRE NERY DE OLIVEIRA

Desembargador do Trabalho


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