Novo Oriente x Independência: quando a “Porronca” foi derrotada na bola, perdeu a guerra e acabou na cadeia

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Grijalbo Fernandes Coutinho

Autor Associado da Amatra 10

 

Cena I : a origem de todas as guerras

  

1. Novo Oriente um dia pertenceu à Independência e desde quando deixou de ser colônia da “Porronca”, antiga “terra do pau que ronca”, em 10 de outubro de 1957, nunca mais as coisas se acertaram para o lado da cidade mãe!

 

2. Diminuiu o PIB “porronca” gerado pela alta produção da Terra do Milho e do Feijão; aumentou a tensão entre as duas potências, com o início da “guerra fria” mais quente do sertão do Ceará!

 

3. O velho esporte bretão foi meticulosamente escolhido para medir o poder bélico de Irã e Iraque dos Sertões dos Inhamuns, uma parte dessa região hoje denominada geograficamente e politicamente de Sertões de Crateús!

 

4. Quando os dois selecionados municipais de futebol se encontravam chovia canivete, faca, peixeiras, tapas, murros, bofetes e sopapos!

 

6. Singular Complexo de Édipo inhamuense(microrregião) florescia entre os jogadores de Independência a cada partida de futebol, na mistura de amor(admiração) e ódio(inveja) pelos seus filhos da periferia perdida com a emancipação de Novo Oriente, uma gente qualificada como “bruta” ou ignorante daquele diminuto lugarejo no meio do nada, que era muito mais roça do que cidade nos anos 1970!

 

7. Perder para os filhos de outrora, os bárbaros matutos de Novo Oriente, era a maior humilhação imposta à vaidosa Independência!

 

8. Diante da grave crise diplomática entre Novo Oriente e Independência, os seus selecionados de futebol deixaram de medir forças durante “seculares” três anos!

 

9. Ambos os selecionados entraram em profunda crise depressiva em razão da abstinência do clássico do Milho e do Feijão contra o Bode!

 

10. Após a intervenção de seus prefeitos, da igreja e dos cartórios, houve inesperado acordo celebrado na Barriguda, distrito de Novo Oriente, ocorrendo ali contagiante festa durante vinte e quatro horas ininterruptas regada à cachaça em abundância, acompanhada da apetitosa buchada de bode, tudo isso para saudar o retorno do maior clássico do futebol mundial dos Sertões dos Inhamuns: Novo Oriente X Independência ou a Terra do Milho e do Feijão x a Terra do Bode!

 

11. Foi o clássico da paz marcado para meados dos anos 1970 sob as bençãos da inigualável Lagoa do Tigre do Capitão sem patente militar Rodrigo Alves da Silva, ainda mais charmosa do que a Lagoa do Oficial de Cavalaria Rodrigo de Freitas da cidade maravilhosa !

 

12. Sem o encantamento de suas águas superiores às do Rio Branco do Norte do país, sem a sua diplomacia invulgar -Lagoa do Tigre -, não haveria acordo de paz com Independência!

 

13. Conforme Pacto da Barriguda, distrito situado pouco além da Lagoa do Tigre, Independência exigiu, para jogar dentro de Novo Oriente mais uma vez, que os jogadores e a torcida da cidade anfitriã fossem proibidos da ida a campo e às arquibancadas do chão batido da terra portando quaisquer revólveres, facas, peixeiras, canivetes ou outros objetos cortantes!

 

14. Dias depois do grande acordo, alertada pela “capital” da Região, Crateús, coube à Independência reclamar a celebração de tratado complementar ao pacto originário, com base na injusta fama atribuída à cidade de Novo Oriente, no sentido de que o seu povo ordeiro ou desordeiro costumava interromper o jogo de futebol a partir de batalha campal seguida da prisão dos visitantes na cadeia municipal, toda vez que a disputa não corria bem para o time local!

 

16. Celebrou-se na Palestina, o mais icônico distrito rural da “Terra do Milho e do Feijão ”, o “Tratado de Não Agressão, Retaliação ou Prisão”, devidamente assinado por Novo Oriente e Independência sob o fiel testemunho sisudo do bigode da grande figura denominada Caneco, sempre acompanhado ele do seu inseparável cigarro caro, entre uma tragada e outra!

 

17. Novo Oriente teve um mês para arrumar a sua seleção e a urbe inteira com vistas ao gigante clássico de futebol!

 

18. O escrete de ouro de Novo Oriente teve que largar o antigo campo de futebol localizado na parte central da cidade, ao lado da Prefeitura, no quadrado fechado pela rua São Francisco, para onde restou transferida  parte da feira dominical, além da posterior concentração dos açougues e, por último, do novo mercado municipal e de toda a feira!

 

19. No estádio “Baratão”, então cravado no segundo quadrado mais imponente da cidade, ao lado da casa da Dona Terezinha e do Seu Antônio Barata, a seleção de Novo Oriente se formou como anfitriã imbatível, inexpugnável, encantadora, cujos domingos depois da feira transformavam aquele espaço em lindo teatro encantador de multidões, entre o final dos anos 1950 e o início dos anos 1970!

 

20. A cidade crescia vertiginosamente rumo à rua São Francisco, motivo pelo qual o campo “Baratão” foi demolido, para a tristeza dos amantes do futebol arte da Seleção de Novo Oriente, tendo sido erguido em outro lugar, exatamente para ser inaugurado em grande estilo durante o clássico contra o “Bode”, estádio novo que restara levantado fora da cidade, no meio de uma mata parcialmente fechada, também denominado o portentoso campo de “Poeirão do Rodrigo”!

 

21. Nem a demolição do velho Wembley, na Inglaterra, causou tamanha comoção entre os seus aficionados como se deu com o fim do mitológico “Baratão” em Novo Oriente do início dos anos 1970!

 

22. Era necessário enfrentar os oponentes em outra arena, longe da cidade, para os padrões de distância à época, fazendo do “Poeirão” o calvário de todos os times convidados! 

 

23. O ilustre independenciano Manoel Edilson, adversário em algumas partidas, conhece a história da gloriosa Seleção de Futebol de Novo Oriente, ainda que movido por angustiante sofrimento !

 

24. Novo Oriente no Ceará sempre foi um celeiro de craques, desde o dia  no qual um certo capitão Rodrigo, vindo de longe, dizem que de Pernambuco ou da Paraíba(narrativa distinta de professora pesquisadora informa que aquele sujeito que viria ser capitão político nordestino nasceu pertinho de Novo Oriente, na região da Várzea Grande, Várzea Comprida e Sítio Escuro, sendo portugueses os seus pais criadores de gado). Teria ele aportado no que depois viria ser a linda cidade coberta por colinas e morros na companhia de alguns irmãos, entre o final do século XIX e início do século XX, para enfrentar à unha o tigre(onça pintada), um devorador silencioso de touros, vacas e bezerros na lagoa coberta por vasta e densa vegetação, a fantástica e insuperável Lagoa do Tigre!

 

25.Capitão Rodrigo fundou o povoado Novo Oriente no meio do nada, ao erguer logo em sua chegada, naquela terra fértil coberta de mato, a igreja São Francisco, a primeira rua de casas para a sua numerosa família, além da Casa Paroquial, formando ali o famoso “Quadro da Igreja”, que anos depois receberia as principais residências da novel elite burguesa municipal, além de construir o velho forasteiro, em áreas mais distantes, o cemitério e o cacimbão, tudo isso sendo possível pela valentia, doçura e companheirismo de sua esposa Dona Quinôa, a Joaquina, filha do pioneiro Francisco Pinheiro Castelo Branco, este último oriundo da região da Serra de Baturité!

 

26. Os adversários das pelejas de futebol, derrotados nos grandes jogos, alegavam que a altitude de Novo Oriente, com 333 metros acima do nível do mar, era o fator de instabilidade durante as partidas, diante da falta de oxigênio ou fôlego para reagir à dureza do segundo tempo!

 

27. Também alegavam os desafiados que Novo Oriente não sabia perder !

 

28. Por isso mesmo, era necessário ir armado, muito bem armado para jogar naquela terra que matava um no turno da manhã e deixava o outro amarrado para matar à tarde, bradavam eles, perdedores ruins!

 

29. Nos anos 1970 a Seleção da vizinha Independência, município o qual Novo Oriente integrou como Distrito até 10 de outubro de 1957, aceitou o desafio e voltou a jogar na famosa “ Vietnã do Norte” da região, como o nosso velho “New Orient” era apelidado pejorativamente pela elite alienada imperialista ianque da “metrópole” Crateús, tantos eram os assassinatos dominicais durante a feira novorientense, entre os anos 1960 e 1970, além da fama de “cabra ruim” de seus homens violentos os quais usavam a longa faca afiada na cintura como parte da indumentária obrigatória do dia a dia. Os detratores, no entanto, não conheciam as verdadeiras razões da Guerra do Vietnã, muito menos conseguiam identificar os reais vilões invasores!

 

30. Dizia-se que aquele seria o jogo da paz entre as duas cidades dos Sertões dos Inhamuns, depois de todas as partidas anteriores terem terminado a partir de algum tipo de incidente em campo ou nas arquibancadas, desde 10 de outubro de 1957!

 

31. O Jogo da Paz, o Jogo do Século, o Jogo das Nações dos Sertões de Crateús, foi meticulosamente organizado para acontecer em um domingo de meados dos anos 1970, no “Poeirão do Rodrigo”, dentro da roça desmatada tão somente para receber o recém-construído teatro do futebol de Novo Oriente, localizado na grande região da Piçarra do cabaré de Ana Caé, quase ao lado do novel cabaré do Raimundo Guilherme!

 

32. Para tanto, o Jogo do Século confrontaria Novo Oriente e Independência em dose dupla, começando com a preliminar entre os juvenis até chegar o ápice do futebol dos profissionais!

 

33. Até os bodes e as cabras da região não falavam em algo diferente do Jogo da Paz entre Novo Oriente e Independência!

 

34. O grande dia chegou para a glória dos aficionados por guerra e futebol!

   

Cena II : Independência cruzou o Rubicão e enfrentou a Ágora em domingo de feira em Novo Oriente 

 

35. A Seleção de Futebol de Independência ingressou em Novo Oriente por volta das dez horas da manhã daquele domingo de feira, em meados dos anos 1970!

 

36. Violando ostensivamente o “Pacto da Barriguda” e o “Tratado da Palestina”, Independência adentra Novo Oriente em dois caminhões transportando cerca de 60 a 70 pessoas, entre jogadores e torcedores, soltando bombas, bombinhas, rojões, como se houvesse acabado de descobrir a pólvora !

 

37. Parecia uma declaração de guerra !

 

38. Padre Geraldino, vigário de Novo Oriente, discípulo do combativo Dom Fragoso de Crateús, celebrava a missa dominical dirigida aos povos do interior. Assustado, o missionário dedicado à causa da justiça social assim interpretou o som ensurdecedor que invadiu a igreja : “meus fiéis, eles estão aqui para me prender ou torturar; é a ditadura militar chegando à cidade de Novo Oriente; não deixem de lutar e orem por mim, irmãos e irmãs."

 

39. Não bastasse o barulho das bombas jogadas ao céu o tempo todo, Independência estacionou os seus caminhões nas duas faixas da rua da praça Sargento Hermínio, fechando totalmente a entrada e a saída da cidade, entoando o seguinte canto: “Novo Oriente, ô fim do mundo quente, estamos aqui para tomar todas e surrar a sua gente”.

 

40. Os dois atos provocativos de Independência suscitaram múltiplas interpretações por parte do povo de Novo Oriente, que não parava de chegar ao lugar do provável conflito!

 

41. Mestre Santo, proficiente em latim, javanês, novorientês e tupi-guarani, além de dominar as outras 273 línguas dos povos originários da terra brasilis, sendo ele o autor do primeiro tratado oral sobre oralitura, considerado, por 999 razões comprovadas, o mais sábio entre os sábios de Novo Oriente, segundo, aliás, atestou o Oráculo consultado a esse respeito no velho chafariz, estava ele, no exato momento da invasão, ministrando a sua aula aberta na praça Sargento Hermínio, a Ágora de Novo Oriente, vez que nenhum prédio ou sala do complexo da coletoria à delegacia comportava sequer um centésimo da plateia inebriada pelos ensinamentos do professor da trajetória de marcante cátedra desde os anos 1940 sertões afora !

 

42. Usando extensa lousa, giz e antena fina extraída do Jeep Willis, o  Professor Mestre Santo, durante o suplício na praça, flutuava em sua aula aberta multidisciplinar de Geometria, Filosofia, Latim, Línguas Originárias, Literatura de Virgílio a Machado de Assis, História da Arte e História da Antiguidade, tendo o velho corcunda de tanto acúmulo de conhecimento registrado o seguinte: “meus alunos, sejam efetivos, circunstanciais ou oportunistas pelo saber clássico irretocável, anotem, por favor, o que lhes digo; Independência, ao atravessar a ponte que dá acesso à cidade, a ponte da rua e quase ao lado da casa do Major, com os seus ameaçadores rojões, definitivamente, cruzou o Rubicão, declarando guerra ao nosso Novo Oriente; foi muito além, aliás; o grande guerreiro Júlio César, à época rompido com Roma, cruzou o rio Rubicão na companhia de suas tropas, recuando logo em seguida para atrair o genro Pompeu ao sangrento combate em outras terras, cuja batalha final seria no Egito não fosse o intrépido adolescente Ptolomeu, irmão e rival de Cleópatra, ávido por entregar cabeças em bandeja; Júlio César, porém, jamais adentrou Roma a desafiando como faz o forasteiro festeiro  porronca contra Novo Oriente; aqui, explico novamente, não houve recuo; Independência está nos conclamando à guerra total; aprendei-vos com a história, meus diletos e também, dirijo-me nesse momento singular da história, a alguns indesejáveis relapsos alunos, pois não excluo do compartilhamento da minha sapiência qualquer ser vivo estudioso ou curioso.”

 

43. Outro mestre da Antiguidade de Novo Oriente, Professor Antônio Gregório, estava na praça Sargento Hermínio no ato do conflito, dando aula aos seus jovens alunos originários do interior do interior, todos eles estudantes do internato edificado no Alto da Colina. Era um rica aula patriótica sobre o herói da cidade que dava nome àquela praça, ao lado do famoso busto, assim se manifestando o Professor Gregório: “como lhes apresentei antes, queridos alunos, o nosso conterrâneo Sargento Hermínio, neto do capitão Rodrigo, morreu no campo de batalha, em Monte Castelo na Itália, no ano de 1944, lutando contra terríveis nazistas e fascistas, enquanto nós, lamentavelmente, podemos padecer agora sem ao menos estarmos em guerra por uma causa justa; o medo corrói todas as minhas energias.”

 

44. Apresentando instigante aula de matemática naquele espaço público do saber, da alegria e do namoro, também estava na praça a jovem irrequieta Professora Maria do Liquêta, reconhecida pelo seu talento na missão de ensinar, pela sua bravura e pela capacidade de jamais ser esquecida por qualquer um de seus alunos mundo afora, na qualidade de primeira professora da casa da calçada alta, de sorriso cativante, dotada de uma rigidez incomparável!

 

45. Situada na posição central da praça, entre o Mestre Santo e o Professor Antônio Gregório, com a sua aula normal em curso, a Professora Maria do Liquêta conseguiu ouvir as intervenções anteriores de seus dois colegas a respeito da invasão de Novo Oriente por Independência, chamando-os à atenção a partir de relevantes advertências : “não haverá guerra e se houver, claro, os derrotaremos; Independência não aprendeu nada de matemática básica; eles são 70, enquanto nós somos 1575 pessoas adultas somente dentro da cidade; também eles nada sabem de história, com a desconsideração do poder de peixeiras nas mãos de mulheres, como fizeram outras libertárias do século XVIII durante a invasão do palácio real em ato preparatório da gigante Revolução Francesa; em Novo Oriente temos mulheres valorosas, peixeiras à vontade para enfrentar machos guiados por um Pirro da Porronca; calma, quietos, meninos, sábios longevos, Professor Mestre Santo e Professor Antônio Gregório, devo avisar-lhes,  antes de tudo, que gosto de matemática, português, história e, nas horas vagas, adoro brincar de guerra.”

 

46. Com a entrada e a saída da cidade bloqueadas pelos caminhões de independência, o irrequieto cobrador fumante de cigarros de palha, Alonso, empregado informal da Expresso São Francisco, a única que fazia o trajeto diário entre Novo Oriente e Crateús, desce  muito nervoso do ônibus para pedir passagem, sem que os invasores tomassem conhecimento de seus apelos !

 

47. O “tomar todas” do canto de guerra de Independência foi entendido por maridos, namorados, apaixonados e os cornos de toda espécie como guerra de Independência para tomar todas as suas amadas. E assim o foi porque, apavorado, um dos machos inseguros de Novo Oriente, curioso admirador da mitologia grega, lembrou rapidamente do espartano Menelau, do roubo de Helena por Páris, o terrível sedutor de Tróia, para assim espalhar rapidamente a versão de que todas as mulheres adultas de Novo Oriente fugiriam ineludivelmente para a Porronca!

 

48.  Chico Budú, filósofo da mímica, havia acabado de deixar o xilindró, uma apertada cadeia originariamente localizada quase defronte à bodega do melhor refresco com pão doce do mundo servido às tardes por Mané Bibiu. Ainda curtindo ressaca enorme rumo à praça agitada, Budusão foi mais direto e objetivo quanto à intenção de Independência, ao entender que os invasores queriam tomar as 1575 garrafas de cachaça existentes em todos os bares e casas de Novo Oriente, uma por habitante adulto. Enfurecido, Budú avançava em direção aos "estrangeiros" com passinhos de frevo, pronunciando uma língua budusiana somente por ele compreendida !

 

49. Cuscuzeiro, senhor magro, alto, vermelho, cabelo ralo e encurvado, considerado o poeta repentista louco-embriagado número um da cidade, o verdadeiro Dom Quixote de Novo Oriente a enxergar terríveis inimigos em Moinhos de Vento imaginários por todos os espaços de Novo Oriente, dormia confortavelmente na calçada do comércio de Seu Saturnino. Foi ele acordado pelo barulho dos rojões de Independência. Ainda ensopado, Cuscuzeiro chega à praça com o grito de que deixassem imediatamente essa “Timborna”, magote de filhos disso e daquilo ! 

 

50. Cego do Calixto, com o seu caminhar arrastado certeiro nas andanças dentro de todo o Novo Oriente de calçadas altas, sem auxilio ou quaisquer quedas, proferia os piores palavrões no ato da balbúrdia na praça, como somente ele sabia fazê-lo aos borbotões toda vez que era incomodado pelos provocadores da cidade, sem não antes realizar esforço hercúleo para arrancar pesado paralelepípedo com a finalidade de arremessá-lo contra Independência!

 

51. Gerardin gesticulava, balançava a cabeça sem parar, dançava o seu balé munido do infalível cajado, de latas barulhentas e pedras apontadas  em direção aos forasteiros!

 

 51.1. Manoel do Curió  impressionado com a funcionalidade do telefone visto em Crateús, botava a mão no ouvido para encenar o seu alô, alô; Deodato, imitando burro bravo, relinchava e dava coices!

 

 51.2. Martin ou Martinho corria para amedrontar os assustados!

 51.3. Chico Panta, vestido de roupa nova ainda mais justa, para espantar os estrangeiros, dançava freneticamente em seu show de malabarismo invulgar, antes da existência de Michael Jackson!

 

52. Camundo, comprador e vendedor de peles de animais e de galinhas, da calçada de sua casa assistia tudo de maneira atenta naquele momento de pré-guerra na praça, embora não parassem de descer dos céus em sua direção metais preciosos e outros objetos pretensamente valiosos como mensageiros da chegada do dia do juízo final!

 

53. Seu Cassimiro, o homem mais paciente e sorridente de Novo Oriente, cuja fisionomia do sorriso estava nele impregnada o tempo todo, deixou os seus afazeres com cabras e bodes, na rua São Francisco, para ver o que se passava na praça. Mesmo diante de tanta confusão, Seu Cassimiro  mantinha-se inapelavelmente sorrindo!

 

 53.1. Seu Arthur ou Mestre Construtor Arthur, chega à praça Sargento Hermínio pronto para reconstruí-la depois da iminente destruição, pois no final, segundo dizia ele, tudo dava certo!

 

 53.2. A musical artística Família Barata, toda uniformizada da melhor versão Beatles, abandonou o movimentado cartório(domingo era o dia de maior movimento no tabelionato por conta da gente do interior na feira) para acalmar a multidão em polvorosa, tocando e contando na praça os clássicos da banda de Liverpool e, nos intervalos, contando causos inacreditáveis ou incríveis, cuja veracidade de cada prosa era descrita com riqueza de dados de forma uníssona pela família!

 

 53. 3. Enquanto isso, Catirino e Miguel batiam os seus ferros e as suas latas de guerra! 

 

54. O destemido João Sem Medo, amigo de Dom Fragoso, instalado na casa do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, do outro lado do Quadro da Igreja, com a sua espingarda de cano longo 1938, aguardava Independência passar em sua rua !

 

55. Seu Emídio, velho altivo, alto, magro, Senhor dos óculos fundo de garrafa, de voz grave inconfundível, o mais fiel comunista de Novo Oriente, também o de maior solidez teórica, foi à praça e anunciou o seu firme propósito revolucionário; “camaradas, é hora de derrotar os invasores e as oligarquias locais que infelicitam o nosso povo desde o dia no qual um certo capitão por aqui chegou; nenhum centímetro de negociação com quem nos oprime; vou reunir as ligas camponesas e as armas para o combate contra os nossos inimigos de Independência e de Novo Oriente”. Dando sonora gargalhada, vaticinou que Outubro de 1917 de Lênin era a inspiração contra a monarquia e o social-reformismo de Kerensky!

 

56. Assustada, da calçada de sua casa no Quadro da Igreja, Dona Quinina rezava e se benzia sem parar !

 

57. Seu Raimundo Rosa, da porta de sua casa no Quadro da Igreja, o farmacêutico da confiança de toda a cidade, diplomata por excelência, pregava a paz contra qualquer tipo de violência, afirmando que, por ser amigo do pai do líder de independência, colocava-se à disposição para mediar o conflito, evitando o possível derramamento de sangue!

 

58. Zefa, a trabalhadora braçal de maior força física da região, estava subindo o Alto da Sétima e última Colina para entregar a determinada tomadora de seus serviços, naquele domingo, mais uma das dezenas de latas d’água carregadas sob a sua cabeça. Ao ouvir a agitação, deu metade da volta, indo imediatamente à praça Sargento Hermínio para contribuir ao menos com uma lata d’água a ser jogada no invasor, também oferecendo ao embate a sua valentia feminina descomunal!

 

59. Mundico Cabeção, guardado por chapéu de palha de longas abas, provava a título gratuito iguarias na feira. Ainda digerindo  apetitosa farinha da Malhada Grande, Mundico apressou o seu caminhar ligeiro até o local da guerra com o objetivo de assistir de camarote o espetáculo!

 

60. Jovem casal apaixonado, bem animado por chá extraído apenas de planta genuína de Novo Oriente, curtia incrível ou inusitado pôr do sol no Morro do Alceu às dez horas da manhã. Ao ouvir canhões de guerra, a dupla, extasiada por tamanha beleza da despedida do sol, desceu do morro cantando “Sociedade Alternativa” de Raul Seixas rumo ao paraíso da praça, tendo certeza de que aquele lindo dia estava finalmente acabando com grande festa de fogos na praça!

 

61. Como ocorria de tempos em tempos, estava de passagem em Novo Oriente a comunidade cigana, devidamente instalada sob lonas na área entre o cacimbão do Riacho e o cemitério municipal, este último tão artístico quanto ao da Recoleta em Buenos Aires. Na praça Sargento Hermínio, agitada por Independência,  surgiu o cigano galã Zé Maria,  ladrão raptor de corações femininos, oferecendo a todos os presentes lindo burro sem defeito para eventual troca por algum outro animal ou objeto valioso, sem nenhum receio quanto ao conflito iminente !

 

62. Chamados à guerra, também estavam na praça os parentes próximos do outrora temido Sargento Rosal, bem como a família Cambirimba e os sete cabras mais valentes de distrito formal de Independência, embora mais próximo e identificado com Novo Oriente, denominado de  “Riasêco”(Riacho Sêco), onde tudo que reluz é bala e o que sobra daí em diante é faca enferrujada!

 

62.1.  O locutor Rodrigues Vale da Rádio Educadora de Crateúes-CE, inspirado no jornalista John Reed dos “Dez dias que abalaram o mundo”, ao saber do grande jogo entre Novo Oriente e Independência, não teve dúvida ao chegar logo cedo para cobrir o conflito revolucionário. Munido do seu gravador preto de 20 quilos, o comunicador número um de Crateús registrou todos os embates, obtendo na segunda-feira seguinte, quando a reportagem completa foi apresentada com todas as sonoras possíveis, audiência recorde de 99,9% entre todos os rádios existentes nas cidades e nos interiores da região dos Inhamuns!

 

62.2. Não faltava quase ninguém na praça Sargento Hermínio. Somente estavam ausentes os famosos “cartãozeiros” de Novo Oriente, claro, ainda não havia, em meados dos anos 1970, os sedutores caixas eletrônicos, muito menos os cartões e as suas senhas captáveis com olhos de lince por especialistas em revolução da robótica! 

 

63. O histórico Quadro da Igreja estava em polvorosa. Novo Oriente era ebulição pura: urubus e gaviões, sedentos, sentido o cheiro de sangue no ar, em seus voos rasantes, sobrevoavam a área da praça Sargento Hermínio aguardando o desfecho da guerra sangrenta que se avizinhava!

 

64. Eis que sai da casa mais famosa do Quadro da Igreja uma altiva e linda jovem Senhora, Mariquinha, ex-prefeita da cidade, viúva do lendário prefeito emedebista Chico Rufino, assassinado ele quando era  chefe do Executivo Municipal, também pelo seu desassombro(o jovem farmacêutico urbanizador de Novo Oriente, responsável pelo embelezamento e cuidado com a Lagoa do Tigre e a Construção da Praça Sargento Hermínio). Da calçada de sua casa, do alto de sua elegância, a corajosa mulher fez ecoar a sua voz no meio da multidão, com os seguintes dizeres dirigidos ao líder de Independência: “o que queres de Novo Oriente, inculto, ignóbil e rude forasteiro? Se queres paz, desças em silêncio dos arruinados caminhões para conhecer a Atenas cultural dos sertões cearenses; contudo, se guerra é o que persegues, devo avisar-lhe que estás no lugar certo para sofrer com os teus homenzinhos, pois aqui também somos Esparta de luta”!

 

65. Impactados com tamanha valentia e incomparável beleza daquela imponente alma guerreira feminina, a mais bela entre todas as belas mulheres, tão ou mais bela quanto Helena raptada por Tróia, os jogadores e a torcida de Independência desceram rapidamente dos caminhões em um silêncio sepulcral, agora cabisbaixos, profundamente respeitosos !

 

66. Era o fim da agitação que parecia ser a maior das guerras entre Novo Oriente e Independência, sem nenhum remoto arranhão, ao menos até o início do jogo de futebol! 

  

Cena 3: o baile no futebol, o tiro de Independência, a surra da Piçarra e o oferecimento do xadrez aos visitantes

  

67. Abram as cortinas: o juiz apita o início do jogo da preliminar dos juvenis!

 

68. O jogo da preliminar dos juvenis acontecia em um domingo de sol forte naqueles meados dos anos 1970!

 

69. Era o tempo do futebol de poeira, o futebol raiz do Cearà!

 

70. A preliminar do grande jogo de futebol envolvia a disputa juvenil de rapazes de até 18 anos de idade, das seleções de duas cidades da grande Região dos Inhamuns, tendo se iniciado a primeira peleja por volta das duas horas da tarde!

 

71. Levando um show de bola da dupla infernal composta por Morais e Zé Pretinho, valente e cheio de ginga ataque negro da Seleção Juvenil de Novo Oriente, com dribles desconcertantes, velocidade, habilidade e força física, a seleção de independência apelou, trocando pontapés, socos, tapas e tabefes na orelha, dentro e fora de campo, instalando-se tumulto generalizado, a ponto de alcançar rapidamente os jogadores das equipes principais ainda no aquecimento fora das quatro linhas!

 

72. Um sujeito mais afoito de Independência sacou o revólver e atirou sem parar!

 

73. Não foi Manoel Edilson!

 

74. Jogadores e torcidas se envolveram em uma briga fratricida!

 

75. O atirador teve a arma tomada e levou algumas coronhadas para depois acordar na porta do xadrez!

 

76. Mas a briga estava apenas começando com os tiros dados por Independência !

 

77. Os tiros foram desferidos com a intenção de assustar e assim afastar as duas equipes de Novo Oriente do campo e de seus arredores, de modo a consagrar Independência como vencedora dos jogos !

 

78. Independência também apelou no segundo tempo do jogo dos juvenis para não enfrentar o selecionado principal de Novo Oriente, que contava, entre outros craques, com Manhoso, Antônio do João de Deus, Chicão Sapato da Velha, Zé Hortêncio, Silvino, Valdir Nonato, Dedé Miranda, Dideus, Dudé, Zé Rodrigues, Narciso, Edmundo, Besouro, Caçote, Pelezinho e o inexpugnável centroavante Zé Orlando, o famoso “arranca perna ou pescoço”! 

 

79. Não funcionou; Novo Oriente foi para o contra ataque do confronto físico contra Independência, dentro da mata fechada, inclusive !

 

80. Não havia cristão ou pagão sem participar da briga dentro e fora de campo, nas moitas ou no mato alto!

 

81. Até os meninos jogavam pedras, terra pesada e areia nos visitantes!

 

82. Quem não estava acompanhando o jogo, avisado da ocorrência da grande confusão, saiu rapidamente do sossego, do cochilo do meio da tarde para participar da maior agitação ou diversão perigosa dos últimos anos!

 

83. O pau quebrou nas redondezas do cabaré da Ana Caé, logo na entrada da Piçarra, ao lado do cabaré mais novo, no grande estádio municipal denominado de Poeirão!

 

84. Até os amantes à moda antiga do meio dia do domingo depois da feira, contumazes frequentadores da grande região dos cabarés de Novo Oriente, deixaram de amar por alguns minutos, abandonando os quartos de suas companheiras para, de arma em punho, correrem rumo ao campo de futebol com a finalidade de bater nos “cabras da Independência”!

 

85. Ana Caé, destacada figura histórica que havia liderado antes a primeira greve de sexo da grande região dos Inhamuns contra a violência de machos nordestinos e os seus feminicídios, ao perceber o barulho dos tiros no “Poeirão do Rodrigo”, lançou mão da velha espingarda deixada sob a parede pelo amante inesquecível, o velho boêmio que partiu sem jamais retomar aos seus braços ao som apaixonado de Waldick Soriano, Diana, Zé Ribeiro e Cláudia Barroso. Sob a liderança de Ana Caé, desceram do Alto da Piçarra rumo à guerra figuras da expressão de Maria Doida, Maria Peidona e tantas outras mulheres de luta, com a força adicional de Margarida Bangue-bangue do Cabaré do Raimundo Guilherne!

 

86. Era necessário botar ordem e acabar a guerra demorada de quase uma hora, travada mais dentro do mato do que no campo, tendo Ana Caé elevado destemor para enfrentar quaisquer desafios na vida !

 

87. Depois de mais uma de hora de briga, quando se constatou a existência de muitos atletas e torcedores feridos, quase todos eles de Independência, incluindo o juvenil Manoel Edilson com fortes escoriações nas costas, Independência restou dominada e parou de brigar, tendo Ana Caé, com a sua espingarda e o auxílio da multidão, conduzido jogadores e torcida à Delegacia !

 

88. Chegou a hora de apurar os fatos perante à polícia de Novo Oriente na delegacia municipal!

 

89. Todas as versões davam conta da selvageria dos jogadores e da pequena torcida de Independência!

 

90. Até o chefe do Executivo de Novo Oriente foi ouvido pela polícia como testemunha insuspeita, quando declarou que a violência da Porrronca era fruto de mágoa antiga, do grande rancor com a emancipação ocorrida lá no ano de 1957!

 

91. Disse o prefeito à autoridade municipal o seguinte: “Independência nunca se conformou com a independência de Novo Oriente. E Novo Oriente se tornou independente da Independência para um dia bater na Independência, no bom sentido, claro.”

 

92. Sem outra solução para o caso, os soldados Felício e Ari botaram na pequena e fétida cadeia municipal metade do time principal de Independência !

 

93. Ao restante da delegação, com um certo ar de apreensão, a polícia recomendou a imediata retirada da cidade, pois não se responsabilizaria pelos acontecimentos a partir do anoitecer ou do escurecer !

 

94. Assim foi feito !

 

95. Independência deu no pé, deixando para trás cinco ou seis presos!

 

96. O jogo que era para selar a paz entre Novo Oriente e Independência acabou em guerra e cadeia, criando profundo incidente diplomático entre os dois municípios, fato até hoje lembrado e contado em verso e prosa por vencedores e vencidos em versões nem sempre coincidentes!

 

97. A entrada triunfal na cidade, com rojões e outras provocações, o tiro de revólver de Independência durante a partida dos juvenis, nada disso foi capaz de produzir o "Cavalo de Tróia" para assustar ou amansar Novo Oriente!.

 

98. Faltou à Independência o seu estrategista Ulisses !

 

99. Novo Oriente conseguiu ser a única Tróia vencedora na guerra futebolística contra independência, na bola, na faca e no prazer da liberdade após a vitória juvenil nos anos 1970!

 

100. Esse foi o maior jogo na vida que pude assistir ainda menino, evento grandioso que merecia reprise dos seus melhores momentos nos cinemas quando da exibição do histórico Canal 100. Somente assim o mundo conhecerIA minúscula fração das façanhas de Novo Oriente-CE, dos seus grandes personagens e de sua inexpugnável Seleção de Futebol dos anos 1960-1970,  tudo como inescusável pretexto revelador da verdadeira alma de seu povo!

 

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Uma homenagem à minha terra querida Novo Oriente, no Ceará, emancipada no dia 10 de outubro de 1957, na data do seu aniversário, repleta de contradições como é o BRrasil, e também à grande Independência de várias de minhas origens familiares. 


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