Da modernização do processo - A validade da intimação via PJE para audiência de instrução e o efeito de eventual confissão ficta

Marcos Ulhoa Dani
Juiz do Trabalho do TRT da 10ª Região

 

INTRODUÇÃO

A lei 11.280/2006 já tinha acrescentado um parágrafo ao artigo 154 do então CPC de 1973, possibilitando aos tribunais disciplinar a prática e a comunicação oficial via meios eletrônicos. Todavia, a amplificação deste formato processual eletrônico, com a regulamentação de vários outros aspectos, veio no mesmo ano de 2006, com a lei 11.419/2006. Desde a sua implementação formal por este Diploma Legal, a informatização dos processos judiciais representou verdadeira revolução no processo civil e no processo do trabalho, modificando e modernizando velhas e desatualizadas práticas processuais. Novas leis e regulamentações surgiram com a instalação do PJe – Processo Judicial Eletrônico, e, seja por critérios cronológicos ou de especialidade na solução de antinomias aparentes, prevalecem sobre regras processuais pretéritas em eventual interpretação em contrário.

DA MODERNIZAÇÃO DO PROCESSO E A VALIDADE DA INTIMAÇÃO, VIA PJE, PARA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO

Na Justiça do Trabalho, sob a batuta incansável do Exmo. Ministro João Oreste Dalazen, então presidente do TST e do CSJT, o Pje foi instalado oficialmente, pela primeira vez, em 05/12/11, na Vara do Trabalho de Navegantes (SC). Este magistrado, advogado à época, se recorda da estupefação e assombro de muitos dos usuários do sistema no início da implementação. Muitos cogitavam em se aposentar para não ter que lidar com aquele modo eletrônico de se fazer as coisas, sem papel, sem carimbos, sem autos e assinaturas físicas. Muitos até o fizeram! Ocorre que o desconhecimento, a rigor, gera receio. Mas, neste caso, os anos de prática demonstraram o acerto daqueles legisladores e magistrados que ousaram quebrar paradigmas e se tornaram pioneiros de uma mudança de hábitos sem precedentes, que beneficiou todos os partícipes do processo. Por ocasião dos 10 anos da implementação do PJe na Justiça do Trabalho, o TST fez uma reportagem especial sobre a data histórica, sendo de se destacar os posicionamentos de duas autoridades diretamente ligadas às primeiras implementações, os Exmos. Magistrados do Trabalho, Drs. Fabiano Pfeilsticker e Luiz Carlos Roveda, que bem retratam a revolução de costumes que a informatização do processo trouxe:

O PJe é um sistema nacional e unificado, que aumenta a celeridade e diminui a burocracia, além de ser facilmente acessível. “Antes, todos os movimentos processuais eram feitos de forma física”, lembra o coordenador nacional do PJe-JT, juiz Fabiano Pfeilsticker. “Era preciso uma pessoa para levar as petições aos fóruns e protocolá-las. Se o juiz precisasse assinar 300 processos em um dia, um servidor precisava separá-los e colocá-los sobre a mesa. Eram armários e mais armários para estocar esses processos e um volume muito grande de documentos”. Atualmente, toda essa burocracia deixa de existir. “Juntar papel, recortar, colar, furar, etiquetar, carimbar, rotular, todas essas atividades deixam de existir”, assinala Fabiano. “Partes, advogados, servidores e magistrados podem consultar as peças a qualquer momento do dia, com uma estrutura simples - apenas um computador e conexão com a internet”. (…) O juiz titular da Vara do Trabalho de Navegantes (SC) na época, Luiz Carlos Roveda, conta que, quando optou por ocupar a vaga, não sabia que seria a primeira vara totalmente eletrônica do Brasil. “Foi um susto, de um lado, e um presente, de outro”, lembra. “Dizíamos que a experiência era como uma embarcação solta para singrar mares desconhecidos e, por coincidência do destino, estava eu como timoneiro, com uma pequena tripulação, cheios de vontade. Conforme enfatizei no dia da inauguração, éramos todos navegantes”. Segundo o magistrado, o PJe descortinou uma nova realidade no trabalho. “Mesas limpas, impressora somente para emitir mandados, advogados e partes que só compareciam à audiência”, relata. “Deixou de existir balcão de atendimento cheio, busca de autos, manuseio, distribuição, verificação, burburinho, espera. A diferença em relação às varas com processo de papel era abissal. Tudo ficou mais limpo, mais ecológico, mais econômico, com tendência a maior eficiência”. (Especial: Pje completa 10 anos de instalação – https://www.tst.jus.br/-/especial-pje-completa-10-anos-de-instala%C3%A7%C3%A3o - acesso em 31/01/23)

A informatização representa celeridade e acesso à informação em tempo real, situação impensável na época de processos físicos. Todavia, ainda hoje, mais de 10 anos após sua primeira instalação oficial na Justiça do Trabalho, a modernização do sistema ainda encontra resistências. Uma situação que retrata este novo estado de coisas é a questão da validade da intimação das partes, via PJe, para audiências de instrução e a eventual aplicação de confissões fictas às partes ausentes àqueles atos processuais. Esta realidade se tornou muito comum, especialmente com um cenário da Pandemia da COVID-19, em que, por várias ocasiões, até pelo fechamento físico e temporário dos fóruns, mediante autorização dos Conselhos Superiores, houve a necessidade de adiamento de audiências de instrução presenciais e remarcação das mesmas, seja para o formato telepresencial, ou mesmo no formato presencial, após o pico da Pandemia nesta última modalidade. Ademais, não raro, o adiamento de audiências é algo relativamente corriqueiro na Justiça do Trabalho, dada as possibilidades descritas, por exemplo, no artigo 362, II, e parágrafos do CPC.
Nestas situações, tanto a retirada de pauta da audiência de instrução anteriormente marcada, como a sua remarcação, se dão via intimação pelo sistema do Pje, seja por meio dos advogados das partes cadastrados nos autos, intimação esta que, a rigor, sai publicada no Diário de Justiça Eletrônico, seja pelas procuradorias de entes públicos e assemelhados, via sistema.
Não raro, após a marcação, ou remarcação, da audiência de instrução, e consequente intimação eletrônica, ocorrem situações em que uma das partes litigantes não comparece à audiência de instrução. Neste caso, surgiu uma discussão na jurisprudência acerca da possibilidade da aplicação da confissão ficta às partes que não compareceram na audiência marcada via intimação eletrônica, com a cominação de confissão, no caso de ausência injustificada.
O conceito de confissão ficta é esclarecido pelo Professor Gustavo Filipe Barbosa Garcia, em sua obra, Curso de Direito Processual do Trabalho, 10ª edição:

A confissão ficta, por seu turno, envolve presunção relativa de veracidade dos fatos alegados pela parte contrária. Ocorre quando a parte, embora tenha sido intimada a comparecer à audiência, para prestar depoimento pessoal, sob pena de confissão, não comparece (Súmula 74 do TST). (BARBOSA GARCIA, 2022, p. 514).

Duas correntes de pensamento surgiram. A primeira corrente entendeu pela impossibilidade de aplicação da confissão ficta na ausência injustificada na audiência de instrução, quando a intimação para a audiência de instrução se dá pela via eletrônica, mesmo que tal cominação esteja prevista no despacho pertinente. A segunda corrente, a qual nos filiamos, entende pela validade da intimação eletrônica das partes, com a cominação de confissão, para efeito de aplicação de eventual confissão ficta na ausência de uma das partes.
A primeira corrente, que entende pela inaplicabilidade da confissão ficta em caso de intimação eletrônica para a audiência de instrução, esteia sua posição pela aplicação do art. 385, §1o, do CPC, que diz:


Art. 385. Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício.
§ 1º Se a parte, pessoalmente intimada para prestar depoimento pessoal e advertida da pena de confesso, não comparecer ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz aplicar-lhe-á a pena. (grifei)

Esta corrente entende que a intimação eletrônica não se equipararia à intimação pessoal da parte para prestar depoimento pessoal.
Já a segunda corrente, a qual nos coadunamos, por a entender mais razoável e condizente com os atuais estados de informatização do processo e evolução legislativa, considera válida, para eventual aplicação de confissão ficta, em caso de ausência injustificada da parte à audiência de instrução, a intimação eletrônica via Pje que tenha previsto a referida cominação.
E a aplicação deste entendimento encontra explicação franciscana na própria lei, sem a necessidade, portanto, de se lançar mão de fontes alternativas do direito. Ocorre que a própria lei 11.419/2006 já prevê, em seu artigo 9o , §1o, in verbis:

Art. 9º No processo eletrônico, todas as citações, intimações e notificações, inclusive da Fazenda Pública, serão feitas por meio eletrônico, na forma desta Lei.
§ 1º As citações, intimações, notificações e remessas que viabilizem o acesso à íntegra do processo correspondente serão consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legais. (grifei)

Como visto, a própria lei especial, que tem preferência à lei geral, pelo critério da Especialidade na solução de antinomias aparentes, deixou claro que, no processo eletrônico, todas as intimações, inclusive da Fazenda Pública, serão feitas por meio eletrônico. As intimações por meio eletrônico, que viabilizem acesso à íntegra do processo correspondente são consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legais. A lei especial em comento foi clara quanto à sua aplicabilidade ao Processo do Trabalho. Com efeito, diz o §1o, do artigo 1o daquela lei:

Art. 1º O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei.
§ 1º Aplica-se o disposto nesta Lei, indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição. (grifei)

Conclui-se, pois, que a intimação eletrônica do PJe, mesmo para a audiência de instrução, é considerada uma intimação de vista pessoal do interessado, para todos os efeitos legais.
De se destacar que o próprio CPC, em múltiplas passagens, deu preferência à intimação via meio eletrônico, inclusive permitindo ao juiz fazer, de ofício, tais movimentações processuais, como se verifica dos seguintes artigos:

Art. 270. As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei.
Parágrafo único. Aplica-se ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Advocacia Pública o disposto no § 1º do art. 246 .
Art. 271. O juiz determinará de ofício as intimações em processos pendentes, salvo disposição em contrário.
Art. 272. Quando não realizadas por meio eletrônico, consideram-se feitas as intimações pela publicação dos atos no órgão oficial.

A possibilidade do meio eletrônico para a realização dos atos processuais foi claramente estabelecida pelo artigo 193 do mesmo CPC:

Art. 193. Os atos processuais podem ser total ou parcialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico, na forma da lei. (grifei)

Mas, não é só. A rigor, as intimações, no PJe, são publicadas no DeJT (Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho), cumprindo, também, as diretrizes do CSJT e do TST.

RESOLUÇÃO CSJT Nº 185, DE 24 DE MARÇO DE 2017.
(...)
Art. 17. No processo eletrônico, as citações, intimações e notificações, inclusive as destinadas à União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público, serão feitas por meio eletrônico, sem prejuízo da publicação no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho (DEJT) nas hipóteses previstas em lei. (https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/102716/2017_res0185_csjt_rep05.pdf?sequence=22&isAllowed=y – acesso em 31/01/23) - (grifei)

O C. TST também editou resolução no mesmo sentido:

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA Nº 1589, DE 4 DE FEVEREIRO DE 2013
(…)
Art. 18. No processo eletrônico, todas as citações, intimações e notificações, inclusive da Fazenda Pública, far-se-ão por meio eletrônico, preferencialmente mediante publicação no Portal do PJE, sem prejuízo da publicação no Diário de Justiça Eletrônico, quando necessário. § 1º As citações, intimações, notificações e remessas que viabilizem o acesso à íntegra do processo correspondente serão consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legais. (…) (https://hdl.handle.net/20.500.12178/28798 – acesso em 31/01/23)" .

Percebe-se que até mesmo a Fazenda Pública, que detém prerrogativas diferenciadas de outros litigantes comuns, é submetida às intimações por meio eletrônico, com ainda mais razão se deve direcionar a jurisprudência, com relação aos demais litigantes.
Destaca-se que, mesmo que a intimação eletrônica se desse sem a publicação no órgão oficial, ainda assim poderia ser válida para as partes que estão cadastradas no sistema. Diz o art. 5o, §6o, da lei 11.419/2006, confirmando, novamente, que a intimação eletrônica é considerada pessoal, para todos os efeitos legais:

Art. 5º As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico.
(...)
§ 6º As intimações feitas na forma deste artigo, inclusive da Fazenda Pública, serão consideradas pessoais para todos os efeitos legais. (grifei)

No mesmo sentido, a Resolução 185/2013 do CNJ:

Art. 19. No processo eletrônico, todas as citações, intimações e notificações, inclusive da Fazenda Pública, far-se-ão por meio eletrônico, nos termos da Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006.
§ 1º As citações, intimações, notificações e remessas que viabilizem o acesso à íntegra do processo correspondente serão consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legais, nos termos do § 1º do art. 9º da Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006. (grifei) (https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/1933 – acesso em 31/01/23)

Com este mesmo entendimento já decidiu o C. TST, por sua 6a turma, em acórdão na lavra autorizada da Exma. Desembargadora convocada, CILENE FERREIRA AMARO SANTOS, no AIRR-1000645-94.2013.5.02.0317.

CONCLUSÃO

A modernização e informatização do processo são fatos inarredáveis. O processo eletrônico já é uma realidade consolidada no Processo do Trabalho há mais de 10 anos. O acesso à informação processual foi democratizado pelo processo eletrônico, sendo que a legislação e as regulamentações oriundas dos Tribunais e Conselhos Superiores acompanharam tais modernizações. Não mais se justificam exigências pretéritas para que as partes sejam “artesanalmente” contatadas, por exemplo, por oficial de justiça, se já se encontram representadas e/ou cadastradas em autos eletrônicos, podendo, pela via eletrônica, serem cientificadas dos andamentos processuais, como, aliás, prevê a lei. Nesta esteira, não resta dúvida que a intimação das partes para audiências de instrução, via meio eletrônico, com cominação de confissão quanto à matéria fática na eventual ausência injustificada dos litigantes, é válida, eis que amparada por previsão legal e regulamentar que a equipara a intimação pessoal.

REFERÊNCIAS

BARBOSA GARCIA, Gustavo Filipe. Curso de Direito Processual do Trabalho, 10ª Edição, São Paulo: Saraiva Jur, 2022.


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