Trabalho escravo contemporâneo: a estupidez ou a lógica da riqueza material a qualquer custo
Grijalbo Fernandes Coutinho
Coordenador da Comissão Regional sobre o Trabalho Escravo (TRT 10) e Integrante dos Comitês Estaduais de Enfrentamento à Exploração do Trabalho Análogo à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas(CNJ)
Não obstante a luta de fração da sociedade civil organizada brasileira contra as diversas formas de trabalho escravo, a máquina do sistema econômico dominante tem sido mais eficiente, com os meios materiais e ideológicos sob o seu controle propagando e ampliando o labor degradante em atividades produtivas geradoras de riquezas concentradas nas mãos dos donos dos negócios.
Seria por demais ingênuo cogitar que estamos a tratar de um confronto entre seres selvagens e sujeitos civilizados.
Ao contrário, é parte da velha luta de classes que nasceu antes do sistema capitalista de produção, muito tempo antes do enfrentamento ou antagonismo entre burguesia e proletariado por aumento das taxas de mais-valor e da dignidade laboral, respectivamente.
A sociedade do capital, é verdade, exponenciou o conflito como nunca dantes visto nos modelos econômicos escravista e feudal.
Desde logo, cabe assinalar que a escravidão contemporânea não se confunde com o sistema escravagista que vigorou no Brasil por mais de três séculos, quando negros e índios foram reduzidos à condição do “nada” humano, sequestrados, traficados, escravizados, acorrentados, molestados, estuprados, chicoteados, humilhados. Em outras palavras, foram eles e elas trucidados pelo regime econômico da exploração de mão de obra, em nome da obtenção de lucro para a matriz incipientemente capitalista.
E também as versões brasileiras de trabalho forçado, de ontem e de hoje, não se confundem com o escravismo como sistema econômico dominante visto na Antiguidade.
Na Antiguidade, de fato, existiu um sistema econômico escravista, cuja base da sociedade estava amparada no trabalho forçado para a edificação de obras monumentais, o enfrentamento nas guerras de domínio territorial, o sossego das elites em nome do ócio e dos prazeres conferidos exclusivamente a uma minoria guardada pela aversão ao fenômeno labor humano.
No caso do Brasil, durante quase quatro séculos de escravidão, sem jamais relativizar a crueldade e a opressão sobre trabalhadores negros e indígenas, o modelo econômico era pré-capitalista, com o trabalho forçado gerando riquezas capazes de provocar excedentes econômicos e lucros em favor da matriz portuguesa. E perceba- se que neste caso, como o objetivo era o lucro e a concentração de riquezas materiais
para gerar outras, a dureza do trabalho era infinitamente superior àquela da escravidão grega ou romana.
Permeado por uma cultura dotada de fortes traços escravocratas nas relações de trabalho, largamente disseminada entre gerações por meio de atitudes, gestos e iniciativas, o Brasil teve, nas últimas décadas, um aumento muito significativo de denúncias e flagrantes de pessoas trabalhando em condições análogas às de escravo.
Essa introdução tem a finalidade de revelar que enquanto houver assimetrias econômicas e sociais gigantescas entre grupo de pessoas haverá, ineludivelmente, formas velhas ou novas de exploração do trabalho sob os marcos da degradação humana.
Nada mais se fez no Brasil nos últimos anos do que desqualificar o trabalho e a classe trabalhadora.
Flexibilizar, precarizar, retirar e abolir direitos sociais, incluindo “reformas” trabalhistas arrasadoras promovidas por segmentos dos três poderes da República, integram a rotina da agenda política brasileira.
Tal pauta de mão única é reiteradamente anunciada como a saída para a superação da crise econômica, quando, em última análise, a busca desenfreada dessa gente é pelo aumento das taxas de mais-valia, ainda que o trabalho escravo ou degradante passe a integrar com maior frequência algumas atividades econômicas.
Não por outra razão, na atualidade, registre-se, o trabalho escravo encontra campo fértil na cantilena neoliberal que apregoa que “qualquer trabalho é melhor que nada”, exigindo-se, contudo, atos, manobras ou golpes políticos para a sedimentação da mais absoluta precariedade laboral.
Denunciar o trabalho escravo em comissões e comitês do Estado ou da sociedade civil, frente ao aparelho apropriado por quem controla tudo na sociedade de classes, constitui-se quase em uma luta contra os moinhos de vento, considerando as reduzidas chances de vitória, sendo que aqui, ao contrário do clássico de Cervantes, os inimigos escravocratas são reais e não medem esforços para a consecução dos seus objetivos de vida.
Ainda assim, não nos cabe desistir, sem relegar, porém, o complexo processo envolvido na permanente luta contra o trabalho escravo contemporâneo no Brasil. E como processo, cada qual interessado oferece a sua contribuição direcionada ao enfraquecimento da engrenagem responsável pela trituração diária de direitos humanos da classe trabalhadora.
Como registrei em outro escrito, o trabalhador em condição análoga à de escravo, na atualidade, não é fisicamente chicoteado. Entretanto, não raro, em algumas grandes fazendas, apanha, foge ou morre, não tendo a sua família sequer o direito de sepultá-lo. Na área rural, por exemplo, ele é aliciado para trabalhar em local bem distante de sua residência, com o intuito de desenvolver serviços forçados na mais absoluta precariedade, isto é, sem salários, carteira assinada, alojamentos decentes, instalações sanitárias adequadas, água potável e equipamentos de proteção para desempenhar as suas funções. Muitas vezes não tem nenhum direito trabalhista pago espontaneamente pelo empregador, nem mesmo o salário mensal; o trabalhador já chega ao local da prestação laboral devendo ao patrão, por força dos custos da viagem empreendida de sua cidade até a “senzala moderna”. A sua dívida jamais será paga, pois, para se alimentar, precisa adquirir alimentos no armazém do empregador, cujos preços são elevadíssimos no ilegal sistema de truck system implantado na fazenda. Por outro lado, a eventual ausência de coação física ou de limitação do direito de ir e vir do empregado, por si só, não desnatura o trabalho escravo contemporâneo. Desde que estejam presentes as condições degradantes (ao menos uma das figuras), haverá trabalho análogo ao de escravo, com jornadas extenuantes e intensivas, retenção de salários por descontos de dívida do trabalhador, ambiente laboral inóspito propício ao adoecimento laboral, trabalho forçado, restrição à liberdade de locomoção do empregado, etc.1
Os primeiros casos envolvendo o trabalho escravo contemporâneo no Brasil apareceram no campo, entre os anos 1960 e 1970, sem que houvesse alarde em torno do assunto por força do regime de exceção instaurado no país, com o golpe de 1964.
Uma das funções da ditadura civil-militar era proteger os latifundiários das ameaças de reforma agrária constante da plataforma política de algumas organizações e instituições, incluindo o governo Jango com as suas reformas de base, deposto por um golpe militar em 1964 também pela questão da reforma agrária. Logo, falar em trabalho escravo na área rural, naquela época, implicava desafiar a ordem vigente dos generais.
As denúncias pelos maus tratos no campo ganharam força a partir da ação mais contundente da Comissão Pastoral Terra (CPT), nos anos 1980, que clamava e ainda clama, destaque-se, por reforma agrária, tendo como resposta a represália dos ruralistas consistente no assassinato de líderes campesinos, padres, freiras, ambientalistas e outros simpatizantes da causa dos trabalhadores. Entre tantas vítimas nas últimas décadas, João Canuto, padre Josimo, Chico Mendes e irmã Dorothy Stang representam o engajamento de militantes dos direitos humanos contra a autocracia presente nas relações de trabalho rurais.
Somente a partir do “caso José Pereira”, o tema do trabalho análogo ao de escravo recebeu outra dimensão por parte do Estado. José Pereira, com 17 anos de idade, no ano de 1989, foi reduzido à condição análoga à de escravo na fazenda Espírito Santo, localizada no Estado do Pará. Privado da liberdade de ir e vir, vigiado dia e noite por homens fortemente armados, laborando em péssimas condições de trabalho – ao contrário do que prometera o “gato” no ato do aliciamento –, José Pereira decide fugir no meio da noite na companhia do colega Paraná. Depois de longa caminhada nas terras extensas da fazenda, José Pereira e Paraná são alcançados e atingidos com tiros de fuzil pelos jagunços do latifundiário. Os corpos são jogados em outra fazenda próxima à Espírito Santo. Mas José Pereira, ao contrário do que imaginavam os autores dos crimes, escapou com um olho perdido e várias lesões no corpo, conseguindo chegar à sede da outra fazenda onde fora jogado como se morto estivesse, em busca de socorro. Ao sair do hospital, denunciou o trabalho escravo existente na fazenda Espírito Santo à Polícia Federal bem como o assassinato do colega Paraná e à tentativa de assassinato que fora praticada contra ele.
Passaram-se cinco anos sem que a investigação policial avançasse, esvaziando-se algumas provas importantes para a condenação dos autores dos crimes cometidos contra José Pereira, Paraná e os demais trabalhadores escravizados pelos donos da fazenda Espírito Santo. De igual modo, os processos judiciais depois ajuizados, em número de dois, tramitavam lentamente.
Demonstrada a ineficácia dos recursos internos, as organizações não governamentais Américas Watch e o Centro pela Justiça Internacional, em 16 de dezembro de 1994, denunciaram o Brasil perante a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), pela existência de trabalho escravo no campo e pela violação de direito à vida e à justiça. Em 18 de setembro de 2003, as partes apresentaram petição de acordo, reconhecendo o Brasil a sua responsabilidade, ao mesmo tempo em que assumiu inúmeros compromissos para erradicar o trabalho escravo.2 Desde então, o Brasil, além de reconhecer a existência de trabalho escravo, estabeleceu política nacional de combate a essa prática, celebrando parcerias e convênios diversos com a OIT com o mesmo propósito.
Inúmeros foram os flagrantes de trabalho análogo à de escravo no campo nos últimos anos, na maioria das vezes contando com a ativa participação do intermediário aliciador, também conhecido como “gato”, que se faz passar pela qualidade de empregador dos humildes trabalhadores rurais recrutados sob promessas jamais cumpridas.
A terceirização praticada nas fazendas serve fundamentalmente aos propósitos dos capitais investidos na área rural, no sentido de reduzir os custos com o valor trabalho, tal como ocorre nos demais segmentos econômicos. Há, entretanto, expressiva diferença em relação ao papel do “gato” rural. O escopo de proteção aos empregados no campo é bastante reduzido, diante da fragilidade sindical e dos rasgados traços escravocratas ainda presentes na relação de poder patronal despoticamente exercido contra o trabalho. Sem ressalvas, o ingresso do “gato” (da terceirização) leva consigo o trabalho degradante análogo à de escravo. É para isso que ele foi contratado, ou seja, para aliciar e escravizar trabalhadores. Quando são realizadas as inspeções trabalhistas nas fazendas, o “gato” desaparece sem que ninguém saiba o seu primeiro nome. Evade-se para evitar a prisão em flagrante pelo crime de redução do trabalhador à condição análoga à de escravo e salvar a pele do real empregador, que também desparece da fazenda até a fiscalização do trabalho se retirar do local.
Impõe-se reconhecer que a intermediação de mão de obra no campo consegue superar os níveis de opressão e exploração existentes em setores econômicos diversos os quais também adotam o modelo de terceirização, interna ou externa, em sua cadeia produtiva. Terceirização na área rural, com ou sem a figura do “gato”, corresponde a trabalho análogo à de escravo.
Engana-se quem pensa estar o trabalho em condições análogas às de escravo limitado ao campo brasileiro: essa é apenas a primeira face mais visível do início dos anos 2000 da superexploração da força de trabalho humana.
É relevante frisar que os agentes econômicos diversificaram os seus investimentos entre os inúmeros setores: muito deles no Brasil com um pé na indústria ou no mundo financeiro e o outro pé na agricultura e pecuária, na grande fazenda para a qual os homens do mercado capitalista se deslocam levemente nos dias de descanso em seus jatinhos ou helicópteros para também conferirem in loco o andamento da boiada e da terra. As grandes fazendas instaladas no Brasil, muitas vezes, pertencem a frações da burguesia industrial, financeira ou comercial. Logo, o trabalho análogo ao de escravo no campo não se restringe à ação dos “rudes” fazendeiros que vivem exclusivamente dos frutos extraídos das atividades rurícolas. Ainda cabe acentuar que inúmeros produtos extraídos do campo integram, depois, a cadeia produtiva industrial.
Outra “descoberta” mais recente dá conta da disseminação do trabalho análogo ao de escravo nos grandes centros urbanos brasileiros, com maior ênfase desse tipo de relação laboral na indústria têxtil da confecção do vestuário de grifes famosas e na área da construção civil ligada ao desenvolvimento de grandes obras públicas tocadas por empreiteiras e de prédios residenciais edificados por construtoras, sempre por intermédio da terceirização de mão de obra. Seus principais clientes são integrantes da classe média alta brasileira, o que tem demandado – conforme várias reportagens jornalísticas – intenso recrutamento de trabalhadores em localidades e países diversos para o calvário urbano da paradoxal modernidade nacional, capaz de restabelecer, vestida de outra roupagem, selvagens formas de exploração do trabalho vivo para conviver “harmonicamente” ao lado da polivalência cibernética exaltada como sinal destacado da “pós-modernidade”.
Há, na verdade, a retomada de algumas das formas supostamente esclerosadas da exploração da mão de obra humana, as quais jamais despareceram completamente do mundo das relações de trabalho, seja em atitudes isoladas ou generalizadas para determinados segmentos. O ambiente econômico-político move as ações do sistema capitalista de produção. Havendo crise, de superacumulação ou sobreacumulação, caminha-se naturalmente pela via da intensificação da exploração do trabalho, cujo êxito ou recuo está diretamente relacionado ao grau do contrapoder a ser exercido pela classe trabalhadora nessa permanente disputa histórica entre explorados e exploradores.
Em outros termos, são restabelecidas formas antigas de exploração do labor humano, agora sob o manto do denominado trabalho escravo contemporâneo ou das condições análogas à de escravo, segundo operações empreendidas pelos órgãos de fiscalização, cujo número de trabalhadores libertados anualmente atesta que a escravidão obreira integra a rotina das relações de trabalho no Brasil, apesar do enfrentamento patronal insistente para apagar os vestígios dos atos criminosos, ao atacar todas e quaisquer medidas aptas a inibir a degradação laboral em seu nível mais elevado para, somente desse modo, manter a tradição escravocrata que sempre humilhou e ainda humilha os segmentos mais débeis da classe trabalhadora.
Para se ter uma ideia da disseminação do grave problema social, contabilizados apenas os casos oficialmente registrados entre 1995 e 2012, foram encontradas quase 40(quarenta) mil pessoas trabalhando em condições análogas às de escravo3.
Embora não existam elementos para estimar um número mais realista da quantidade de trabalhadores atingidos pela escravidão contemporânea no Brasil, é possível dizer, com base nos altos índices de descumprimento da legislação trabalhista, da selvageria das relações de trabalho no campo, das formas radicais de precarização laboral inseridas no cotidiano das cidades, que o número real é infinitamente superior ao constante dos dados oficiais. Saliente-se que a fiscalização do trabalho atua dentro de estreitíssimos limites materiais e estruturais e que os dados oficiais captam somente parte do quadro geral de redução de empregados à condição análoga à de escravo.
Dos casos flagrados de utilização de trabalho análogo ao de escravo – durante quatro anos (2010 a 2013) – em 90% deles havia terceirização de mão de obra (intermediário irregular e “gato” no campo). Entre os resgatados pela fiscalização do trabalho, mais de 80% desse contingente eram de trabalhadores terceirizados4. Traduzindo: o trabalho escravo contemporâneo flagrado pelo Estado brasileiro encontra-se vinculado ao modelo de relação de trabalho que prestigia a terceirização, cujos percentuais de 90% (para casos) e 80% (para trabalhadores resgatados) evidenciam a união indissolúvel firmada entre uma velha chaga da sociedade brasileira e uma prática “moderna”, quase silenciosa, de aniquilar direitos sociais da classe trabalhadora.
Levantamento oficial mais atualizado, indica que, de 1995, desde quando o Estado brasileiro reconheceu a existência da selvagem prática, até 2020, foram mais de 56 mil trabalhadores e trabalhadoras resgatadas da condição análoga ao de escravo, com mais de 112 milhões de reais pagos a tais pessoas a título de verbas salariais e rescisórias durante as operações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel(GEFM), algo que sequer restou arrefecido durante o período de isolamento social, conforme se verifica da fonte dos dados atuais citados neste parágrafo:
Em 2020, apesar das medidas de distanciamento social impostas pela pandemia da COVID-19, as ações fiscais da Inspeção do Trabalho não pararam: foram realizadas 276 ações fiscais de combate ao trabalho escravo em 20 Unidades da Federação, que resultaram no resgate de 936 trabalhadores(as) submetidos(as) a condições análogas à de escravo[…] Do total de 276 ações fiscais especificamente realizadas para o combate ao trabalho análogo ao de escravo em 2020, houve resgate em 100 ações fiscais, o que corresponde a um Npercentual de 36% das ações. Este percentual reflete um trabalho extremamente criterioso quanto à aplicação do conceito de escravidão contemporânea no Brasil e a consequente qualificação da situação encontrada como sendo de condição análoga a de escravo. Como resultado destas fiscalizações, 1.316 pessoas tiveram seus contratos formalizados e um total de R$ 3.607.952,32 foram pagos aos trabalhadores e às trabalhadoras a título de verbas salarias e rescisórias5
São números oficiais que chocam, embora se saiba que há milhares de outros Brasil afora não alcançados pela fiscalização do trabalho.
Aliás, a firme atuação da fiscalização do trabalho tem sido objeto de resistência sistemática manifestada por setores empresariais. Alguns, é verdade, apelam para a violência física contra os funcionários públicos auditores fiscais e, principalmente, contra as lideranças da classe trabalhadoras e apoiadores voluntários da causa, com assassinatos cujos criminosos raramente são punidos pela Justiça brasileira.
A Chacina de Unaí ocorrida em 28 de janeiro de 2004 resultou no assassinato, mediante emboscada, de três auditores fiscais do trabalho, Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, e do motorista Ailton Pereira de Oliveira, servidores públicos que fiscalizavam fazendas no interior de Minas Gerais onde o trabalho escravo havia sido constatado. E ninguém até hoje encontra-se preso cumprindo pena pelos bárbaros crimes6.
Com o intuito de homenagear os quatro trabalhadores mortos quando do exercício de suas funções, a data de 28 de janeiro de cada ano é celebrada como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, ocasião na qual são lembradas com honras as vítimas da Chacina de Unai e intensificadas as ações do Estado e da sociedade civil para banir histórica chaga social que atormenta o Brasil.
Mas é necessário usar o ano inteiro para combater o trabalho escravo, o trabalho degradante, cabendo a cada um de nós, no âmbito da Comissão Regional sobre o Trabalho Escravo do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, denunciar a existência do labor degradante, realizar eventos, promover ações diversas com o intuito de elastecer o debate com a sociedade civil organizada, revelando, por outro lado, ao nosso público, interno e externo, compreendendo servidoras, servidores, magistradas e magistrados, trabalhadoras e trabalhadores terceirizados, integrantes da advocacia e do Ministério Público do Trabalho, a gravidade das relações de trabalho no Brasil permeadas pela mais cruel exploração de seres humanos.
Como os escravocratas jamais dão trégua, a luta contra o trabalho escravo não pode cessar um dia sequer.
O dia 28 de janeiro é um dia de lembranças e não de estímulo ao descanso nos demais. E não pode ser apenas um dia de discursos. É mais um dia de luta.
No dia 28 de janeiro de 2022, Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, exaltemos, entre outros atos e feitos, os seguintes: a ação cidadã profissional dos fiscais do trabalho Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, e do motorista Ailton Pereira de Oliveira, que tiveram as suas vidas brutalmente ceifadas na denominada “Chacina de Unaí” ocorrida em 28 de janeiro de 2004; a coragem do trabalhador José Pereira, responsável pelo reconhecimento oficial da existência, pelo Estado, de trabalho escravo em terras brasileiras; a bravura de Dona Pureza, mulher de luta que buscou o filho tragado pelo trabalho escravo e denunciou ao mundo o que ocorria em grandes fazendas, conforme belíssimo filme brasileiro sob o título “Pureza” do consagrado Diretor Renato Barbieri; o destemor de João Canuto e de tantos outros líderes sindicais assassinados pela ganância rural; o amor ao próximo e sobretudo aos pobres desafortunados do campo, gesto magnificamente exteriorizado por padre Josimo, Chico Mendes e irmã Dorothy Stang, vítimas fatais dessa luta por justiça social que não acaba nunca!
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Quando geral das operações de fiscalização para erradicação do trabalho escravo (1995 a 2012). Brasília, 2012. Disponível em:<http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C812D3DCADFC3013EE7228E9E6B75/Quadro%201995%20X%202012.%20Internet.%20Atualizado%2027.05.2013.pdf>. Acesso em: 4 set. 2014.
Chacina de Unaí: 17 anos depois, executores e mandantes estão soltos. RBA. Rede Brasil Atual. Acesso em 24 de janeiro de 2022. Disponível em https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2021/01/chacina-de-unai-17-anos-depois- executores-e-mandantes-estao-soltos/.
FILGUEIRAS, Vítor Araújo. Terceirização e trabalho análogo só escravo: coincidência? [online], 2014. Disponível em: <http://indicadoresderegulacaodoemprego.blogspot.com.br/p/terceirizacao_10.html>. Acesso em: 26 jul. 2014.
Manual de combate ao trabalho em condições análogas às de escravo. Brasília: MTE, 2011. p. 12-13. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br>. Acesso em: 28 jul. 2014.
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatório n. 95/03. Caso 11.289. Solução amistosa. Brasil, 24 de outubro de 2003.