Justiça do Trabalho determina que Banco do Brasil permita fiscalização pelo CEREST

A MM. Juíza do Trabalho Larissa Lizita Lobo Silveira, Juíza Titular da 2ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, acolheu pedido do Ministério Público do Trabalho, formulado em ação civil pública, para determinar que o Banco do Brasil permita a fiscalização trabalhista realizada pelo CEREST/DF.

Segundo a decisão proferida em tutela antecipada, houve prova documental de que o Banco do Brasil se recusa a aceitar a fiscalização pelo CEREST – Centro de Referência em Saúde do Distrito Federal, sob o fundamento de que o órgão não teria competência para essa fiscalização, por integrar a Administração Pública do Distrito Federal, incumbindo a fiscalização tão somente à União Federal.

A decisão apontou que a competência relativa ao cuidado com a saúde é competência comum de União, Estados, Municípios e Distrito Federal, e que ao Sistema Único de Saúde compete também, nos termos do artigo 200 da CF, a execução de ações de saúde do trabalhador. A decisão ainda destaca que a mesma Carta Constitucional destaca que o direito à saúde é direito social e dever do Estado.

Declara a decisão que os CERESTs integram o SUS por força de lei (Lei 8080/90), e que a citada legislação é explícita quanto ao fato de que o SUS atua na execução de ações de colaboração com a proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

A decisão ainda registra que portaria do próprio Ministério da Saúde, que institui a Política Nacional e Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, expressamente registra que o CEREST tem competência para atuar na “proteção, prevenção, orientação, promoção, vigilância, assistência, monitoramento e fiscalização da saúde do trabalhador”.

Entendendo que a recusa do Banco do Brasil foi injustificada e atenta contra a saúde dos sus trabalhadores, a decisão determinou que o Banco do Brasil se abstenha, direta ou indiretamente, de impedir, dificultar, obstar, bloquear, atrapalhar ou obstruir as atividades do CEREST-DF e de seus agentes em seu meio ambiente de trabalho, garantindo resposta às requisições e notificações e que permita o acesso aos elementos necessários à execução de suas atividade nas unidades do Distrito Federal, atendendo requisições escritas formuladas e viabilizando diligências in loco para coleta de elementos por meio de oitiva de trabalhadores, análise de documentos e outros que se façam necessários à finalidade de sua atuação, sob pena de multa de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais)” (Processo 0000024-86.2021.5.10.0002).

Veja a íntegra da decisão: 

 

Vistos.

Trata-se de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Trabalho em face do Banco do Brasil S/A. Relata que o réu não permite que o ambiente de trabalho seja fiscalizado pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST/DF), alegando que que cabe “somente à União legislar sobre direito do trabalho e realizar inspeções”. Aduz que nenhuma outra empresa adotou a mesma postura, ou seja, impediu a fiscalização do CEREST, o que afronta a proteção constitucional ao meio ambiente do trabalho. Sustenta que a proteção à saúde é de competência concorrente entre os entes federados.

Em face do narrado, requer a concessão de tutela de urgência/evidência, sem a oitiva da parte contrária, para que o réu seja obrigado a permitir o acesso por parte do CEREST-DF, abstendo-se, direta ou indiretamente, de impedir, dificultar, obstar, bloquear, atrapalhar ou obstruir as atividades do órgão.

Pois bem.

Nos termos do art. 300 do CPC, “A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

No caso concreto, a documentação juntada aos autos pela parte autora, notadamente os documentos de Id's 90624da e 290cd00, comprovam os fatos narrados na exordial, ou seja, o réu, de fato, está a obstar a atuação do CEREST/DF em suas unidades no Distrito Federal.

Note-se que, no documento de Id. 290cd00,  o Banco do Brasil assim se manifestou ao responder a proposição do MPT:

                                      "BANCO     DO     BRASIL     S.A.,sociedade     de      economia     mista,    CNPJ 00.000.000/0001-91, por sua advogada que ao final assina, com todo o respeito e acatamento devidos, manifesta-se nos seguintes termos, consoante prazo consignado na ata da audiência de mediação realizada em 18.12.2018. 

1.Trata-se, em suma, de Procedimento de Mediação instaurado por esse MPT a pedido do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do Distrito Federal – CEREST, por meio do qual o mencionado Centro pretende que o Banco do Brasil forneça-lhe documentos referentes à saúde dos trabalhadores, como Relatório Anual do PCMSO, CATs e Relatório do SESMT de absenteísmo.

2.Realizada audiência nesse MPT em 18.12.2018, o Banco do Brasil reafirmou o posicionamento já externado ao próprio CEREST, em âmbito administrativo, no sentido de que tal órgão não detém competência para requisitar documentos da espécie, uma vez que a Constituição Federal, em seu art. 21, inciso XXIV estabeleceu que compete à União organizar, manter e executar a inspeção do trabalho, bem como em seu art. 22, I, outorgou à União a competência para legislar sobre direito do trabalho,ao passo que o CEREST é órgão integrante da estrutura do Governo do Distrito Federal e não da União. 

3. Ao final da audiência, após ressaltadas as atribuições incumbidas ao CEREST, a Sra. Procuradora concedeu prazo ao Banco do Brasil para que se manifestasse nos autos sobre a possibilidade de atender às demandas daquele Centro, pautadas nos arts. 2º a 6º da Lei 8080/90 (SUS).

4.Pois bem. Inobstante se reconheça como de grande valia as atividades desempenhadas pelo CEREST, o Banco do Brasil mantém firme o seu entendimento no sentido de que a fiscalização do trabalho incumbe apenas a órgão federal, conforme delimitado pela Constituição da República.

5.Ainda que se tenha conhecimento de decisões em sentido contrário no âmbito da Justiça do Trabalho, sabe-se que se trata de matéria constitucional, de forma que a última palavra acerca da controvérsia pertence ao Supremo Tribunal Federal.

6.Nesse contexto, o Banco do Brasil, com todo respeito, mantém seu posicionamento anterior, ratificando as manifestações já endereçadas ao CEREST e constante destes autos, bem como as informações prestadas por seu representante legal na audiência ocorrida em 18.12.2018."

Suplantado o aspecto fático, passemos à breve análise dos contornos jurídicos. 

No Brasil, a competência relativa ao cuidado da saúde e sua estruturação estão tratados constitucionalmente, dentre outros dispositivos, nos arts. 23, II, 24, XII e 198, verbis:

 "Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas

portadoras de deficiência;          

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;        

 Art. 30. Compete aos Municípios:

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;      

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

 Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:     

Percebe-se, pois, que as ações e serviços públicos de saúde constituem um sistema único, mas integram uma estrutura descentralizada e regionalizada, na qual compete, de forma concorrente, a todos os entes federativos o cuidado da saúde da população. Igualmente, a competência para legislar sobre o tema é concorrente, conforme recentemente decidido pelo STF.

De absoluta relevância para análise da questão colocada nos autos, o art. 200 da Constituição, que assim estabelece:

"Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

(…)

saúde do trabalhador;

(…)

VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do

trabalho".

Em um pais de dimensões continentais e estando a saúde intrinsecamente relacionada ao direito maior à vida e ao princípio fundamental da dignidade de pessoa humana (CF, art. 1º, III), todo esse arcabouço visa dar concretude ao comandos constitucionais dos arts. 6º, 196 e 225, segundo os quais:

 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.  

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

A partir do Princípio interpretativo da unidade da constituição, emerge claro que existe nítido ponto de intercessão (e não de exclusão) entre a saúde e o trabalho no que diz respeito à saúde do trabalhador. É o que emana da leitura sistemática dos artigos 21, XXIV; 22, I;  23, II; 24, XII e 200, II. 

Nesse contexto, de acordo com a Constituição Federal, o sistema de saúde deve funcionar lado a lado aos órgãos de fiscalização do trabalho no que diz respeito à vigilância e cuidado da saúde do trabalhador, eis que não se trata apenas de questão relacionada ao trabalho, mas, antes de tudo, relacionada à saúde.

Merece renovado destaque o art. 200 da Constituição Federal, que, ao tratar da competência do Sistema Único de Saúde, coloca, em seu inciso II, a saúde do trabalhador em condição de igualdade com a vigilância sanitária e epidemiológica e, em seu inciso XII, destaca a proteção ao meio ambiente do trabalho, na exata percepção da relevância do tema e de seus múltiplos impactos.

No aspecto infraconstitucional, observa-se que os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) integram a estrutura do Sistema Único de Saúde - SUS, disciplinado pela Lei 8080/90, que deixa clara a sua atuação na proteção, promoção, orientação, prevenção e vigilância à saúde do trabalhador, notadamente em seu art. 6º:

Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):

I - a execução de ações:

(…)

V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho;

(…)

Já para finalizar, não se pode deixar de destacar a Portaria do Ministério da Saúde nº. 1823/2012, que institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, deixando clara a competência dos Centros de Referência.

"Art. 14. Cabe aos CEREST, no âmbito da RENAST:

Art. 15. As equipes técnicas de saúde do trabalhador, nas três esferas de gestão, com o apoio dos CEREST, devem garantir sua capacidade de prover o apoio institucional e o apoio matricial para o desenvolvimento e incorporação das ações de saúde do trabalhador no SUS.

Parágrafo único. A execução do disposto no caput deste artigo pressupõe, no mínimo:

Assim, tem-se que como demonstrada a competência do CEREST para atuar na proteção, prevenção, orientação, promoção, vigilância, assistência, monitoramento e fiscalização da saúde do trabalhador. 

Quanto ao tema, trago à colação, porquanto extremamente clara e didática, ementa de acórdão do TST, cujo voto é da lavra do Ministro e Doutrinador Maurício Godinho Delgado:

"(…).

B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . MUNICÍPIO DE JUNDIAÍ. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO PELO CEREST - CENTRO DE REFERÊNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR. IMPOSIÇÃO DE MULTA. A garantia de um meio ambiente de trabalho hígido tem suporte constitucional (art. 225, caput , CF), envolvendo a dimensão da saúde e segurança no cenário e dinâmica laborativos (art. 196 e 197, CF), com atuação, responsabilidade e fiscalização das diversas entidades federadas, a saber, União, Estados, DF e Municípios (art. 198, caput , I, § 1º e § 3º, III, CF). Nesse quadro, cabe ao sistema único de saúde, em suas diversas dimensões federativas, "executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador" (art. 200, II, CF), colaborando "na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho" (art. 200, VIII, CF). Essas atribuições e competências do Poder Público, em suas distintas esferas político-administrativas, inclusive o Município, é que contribuem para dar consistência aos direitos sociais da saúde e da segurança , constitucionalmente assegurados (art. 6º, CF). Note-se que também constitui direito individual, social e coletivo trabalhista, e mesmo difuso, a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" (art. 7º, XXII, CF). Nesse quadro, o órgão denominado CEREST - Centro de Referência em Saúde do Trabalhador -, de inserção municipal, tem atribuição constitucional e legal para orientar, fiscalizar e punir empresas com respeito ao cumprimento de normas de saúde e segurança no ambiente laborativo. É o que dispõe, a propósito, os artigos 154 e 159 da CLT, com redação dada pela Lei Federal n. 6.514/1977, relativos à segurança e medicina do trabalho, além da Lei Federal n. 9.782/1999, que rege o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária - SNVS (art. 1º), envolvendo sempre todas as esferas da Administração Pública (Federal, Estadual, Distrital e Municipal). Dessa maneira, configurada infração ao art. 122, VII, do Código de Vigilância Sanitária ("manter condição de trabalho que ofereça risco à saúde do trabalhador"), além de ofensa aos artigos 30, I, 110 e 122, VII, do Código Sanitário do Estado de São Paulo, regras correlacionadas às NRs 1 e 12 do Ministério do Trabalho, incide, sim, a apenação respectiva. Recurso de revista conhecido e provido. (Processo: RR - 10721-07.2016.5.15.0002. Orgão Judicante: 3ª Turma. Relator: Mauricio Godinho Delgado. Julgamento: 29/08/2018. Publicação: 31/08/2018).

Finalmente, tenho que causa espanto a conduta do réu, instituição secular integrante da Administração Pública Indireta, que, de forma arbitrária e ignorando a presunção de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público, bem como o art. 157, IV, da CLT, obsta a atuação de órgão legalmente constituído.

Eventuais atuações do CEREST-DF, por óbvio, podem ser questionadas pelo réu administrativamente ou judicialmente, mas não cabe ao Banco decidir, ao seu arbítrio, quem tem ou não tem competência para exercer o poder de vigilância quanto à saúde de seus empregados. 

A conduta do Banco réu atenta contra  o direito de seus empregados de terem a saúde protegida por meio dos mecanismos legalmente previstos.

Presente a probabilidade do direito, emerge também evidenciado o perigo de dano, ainda mais evidente diante do momento de pandemia provocada pelo novo coronavírus. 

Assim, presentes os requisitos do art. 300 do CPC e art. 12 da Lei n. 7.347/85. defere-se a tutela de urgência, determinando-se que o réu se abstenha, direta ou indiretamente, de impedir, dificultar, obstar, bloquear, atrapalhar ou obstruir as atividades do CEREST-DF e de seus agentes em seu meio ambiente de trabalho, garantindo resposta às requisições e notificações e que permita o acesso aos elementos necessários à execução de suas atividade nas unidades do Distrito Federal, atendendo requisições escritas formuladas e viabilizando diligências in loco para coleta de elementos por meio de oitiva de trabalhadores, análise de documentos e outros que se façam necessários à finalidade de sua atuação, sob pena de multa de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais).

Considerando o momento excepcional de pandemia da COVID-19, e com fundamento no art. 6º, do Ato nº 11/Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, de 23/04/2020, DETERMINO a notificação da parte reclamada, via postal, para apresentar defesa escrita junto ao sistema do Processo Judicial Eletrônico (PJe), com prazo de 15 (quinze) dias, a iniciar do dia seguinte à notificação pessoal (CLT, art. 774), sob pena de revelia e confissão quanto à matéria fática.

Os arquivos juntados aos autos eletrônicos devem ser legíveis, com orientação visual correta e utilizar descrição que identifique, resumidamente, os documentos neles contidos, os períodos a que se referem, e, individualmente considerados, devem trazer os documentos de mesma espécie, ordenados cronologicamente (CSJT, Resolução nº 185/2017, art. 13, §1º), sob pena de não conhecimento/exclusão (idem, art. 15).

Intime-se o réu por mandado. 

Intime-se o autor pessoalmente via sistema. 

Notifique-se o réu por meio de sua procuradoria via sistema. 

Cumpra-se.

 

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