Justiça do Trabalho define método de testagem de profissionais de ensino da rede privada do DF

O MM. Juiz do Trabalho Antonio Umberto de Souza Junior, Juiz Titular da 6ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, proferiu sentença nos autos da ACP 601-86.2020.5.10.0006, relativa ao retorno às aulas na rede privada de ensino do Distrito Federal.

No dia  24/08/2020 foi celebrada uma conciliação entre o MPT, o SINPROEP (Sindicato Profissional dos Professores) e o SINEPE (Sindicato Patronal das Escolas), estabelecendo um calendário de retorno às aulas da rede privada do Distrito Federal, mais especificamente do ensino infantil até o ensino médio (educação básica). A conciliação tratou do calendário de retorno, mas também dos protocolos sanitários. Contudo, como havia um impasse relativo ao método de testagem a ser aplicado aos profissionais das escolas, as partes acordaram que isso seria resolvido em perícia judicial, em decisão irrecorrível. Portanto, as partes celebraram um negócio processo quanto a esse ponto específico do protocolo de retorno às aulas. A sentença do MM. Juiz Antonio Umberto tratou exatamente desse ponto: método de testagem.

O Magistrado explicou em sua decisão que a definição oriunda do negócio processual seria o método de testagem e não apenas o tipo de testagem (RT-PCR ou sorologia).

A decisão evidencia que já havia sido ajustado entre as partes que na hipótese de trabalhadores infectados ou sintomáticos para Covid 19, o empregador deveria afastar imediatamente os trabalhadores, para sua recuperação ou confirmação de diagnóstico negativo. Também evidencia que em relação aos trabalhadores do grupo de risco, por força de decreto distrital, já estava previsto que o trabalho seria apenas remoto.

Apontou a decisão, que segundo o Perito judicial, o único teste útil e eficaz para detecção ou confirmação diagnóstica é o RT-PCR, razão pela qual as escolas deveriam realizar esse teste, custeando-o, até 31/12/2020.  Aponta a decisão que o Perito esclareceu que esse teste é extremamente sensível (75%) e específico (99,5%).

No entanto, no que se refere à realização dos exames em trabalhadores assintomáticos, “informou o perito do juízo que não há na literatura científica respaldo para testagem em massa de indivíduos assintomáticos para averiguação da contaminação pelo SARS-CoV-2, seja pelo percentual mínimo de pessoas contaminadas (em torno de 1%), seja pelo incômodo físico trazido pela coleta da secreção naso-orofaringe, seja pelo impacto psicológico de falsos positivos (gerados por contaminação da amostra por alguma falha na manipulação do material pelo laboratório) e de falsos negativos (pela defasagem entre o momento do contágio e disseminabilidade do vírus e o instante de detectabilidade laboratorial do vírus)”. Registrou ainda que segundo o perito “todo teste deve ser dirigido a um indivíduo que tenha uma chance pré-teste razoável” (declaração aos 30’-31’ da audiência de perícia simplificada) e que “o teste é sempre o RT-PCR, mas a triagem de indivíduos assintomáticos que não tenham quadro clínico ou exposição documentada não tem validação na literatura”. A testagem em massa como estratégia isolada traduz-se, segundo relatou, em uso fútil do exame, sem falar na sua condição desagradável e psicologicamente desgastante e no já comentado risco de falsos resultados”, e que por isso, “a melhor estratégia é a testagem dirigida” àqueles com sintomas compatíveis com a Covid".

A decisão determinou que que os profissionais devem ser submetidos a um levantamento do perfil clínico-epidemiólogico individual de cada trabalhador, seja por auto declaração, seja por observação, de forma que aqueles que apresentarem sintomas sugestivos de contaminação, que estiveram em contato por no mínimo 15 minutos e a menos de 2 metros com pessoa infectada ou, por fim, que frequentaram aglomeração sem proteção e distanciamento recomendáveis, nos últimos 14 dias, sejam todos afastados do trabalho e submetidos ao exame RT-PCR.

A decisão determina ainda que os trabalhadores passem por exame feito por médico antes do retorno às aulas, sendo o exame também custeado pelo empregador ou cujo valor seja por ele ressarcido.

A decisão trata ainda de outras obrigações de empregados e empregadores, relacionadas ao método de testagem.

Vale a leitura! Veja a íntegra da decisão.

 

 

 

6ª Vara do Trabalho de Brasília - DF

ACPCiv 0000601-86.2020.5.10.0006

AUTOR: Ministério Público do Trabalho

RÉU: DISTRITO FEDERAL

ASSISTENTE: SINDICATO DOS PROFESSORES EM ESTABELECIMENTOS PARTICULARES DE ENSINO DO DISTRITO FEDERAL – SINPROEP-DF

AMICUS CURIAE:   SINDICATO DOS ESTABELECIMENTOS PARTICULARES DE ENSINO NO DISTRITO FEDERAL – SINEPE-DF

 

S E N T E N Ç A

Ação Civil Pública

Julgamento decorrente de negócio processual

I - RELATÓRIO

Cuidam os autos de exame de pedido concernente à definição do melhor método de testagem dos trabalhadores escolares da rede particular de ensino dentro das medidas preparatórias para seu retorno às atividades presenciais.

Após duas sessões de mediação nos dias 20 e 24 de agosto último, presididas pelo Desembargador PEDRO LUÍS VICENTÍN FOLTRAN, Relator do Mandado de Segurança nº 0000577-76.2020.5.10.0000, com a participação do prolator da presente decisão na segunda sessão, as partes e interessados chegaram a um acordo parcial celebrado nos seguintes termos (fls. 608/610):

“O Juiz Antonio Umberto propõe seja firmado acordo nas questões até aqui negociadas e incontroversas. Com relação à testagem, esclarece que nos autos da Ação Civil Pública em tramitação na 6ª Vara do Trabalho poderá designar perícia para elaboração de laudo relativo ao método de testagem mais adequado para o retorno dos profissionais, caso as partes assim acordem.

Aquiescem as partes com a proposta apresentada pelo Juiz Antonio Umberto.

Assim as partes, incluindo o SINEPE/DF e SINPROEP/DF, firmam acordo nos seguintes termos:

1) Calendário de retorno das atividades presenciais.

  • Retorno da Educação Infantil e do Ensino Fundamental 1 no dia21/9/2020, com apresentação dos professores nas escolas para treinamento nos dias 17 e 18/9/2020.
  • Retorno do Ensino Fundamental 2, dia 19/10, e do Ensino Médio,Profissionalizante e educação de jovens e adultos, dia 26/10/2020, com apresentação dos professores nas escolas para treinamento nos dias 14, 15 e 16/10/2020 e nos dias 22 e 23/10/2020, respectivamente.

O calendário da Educação Infantil se aplica também às creches particulares não conveniadas, devendo ser comunicado o Juízo da MM. 7ª Vara do

Trabalho de Brasília, onde tramita a Ação Civil Pública n.º 0000254-50.2020.5.10.0007, proposta pelo SINPROEP/DF.

Caso haja convocação dos professores para semana pedagógica ou outras atividades preparatórias, antes dos treinamentos presenciais, aludidos nesta cláusula, tais atividades serão realizadas de modo telepresencial.

Os profissionais de educação deverão comparecer ao local indicado pelas escolas para realização de testagem para Covid19, conforme comunicado a ser encaminhado a eles diretamente.

Fica estabelecido e declarado que a retomada das atividades presenciais nas escolas abrangidas neste acordo é facultativa para estas e seus alunos.

2) Medidas protetivas.

  • Fornecimento de luvas descartáveis, protetores faciais (face shields), e outros aparatos necessários para os professores, instrutores e demais profissionais que trabalhem diretamente com alunos da Educação Infantil, por estarem mais sujeitos ao contato com secreções expelidas pelas crianças e, consequentemente, mais expostos ao contágio da Covid-19;

Os gorros, jalecos e aventais serão fornecidos nas situações de alimentação e contato direto com as crianças na higienização delas.

  • Exigir o uso dos EPIs necessários aos trabalhadores (empregados diretos ou terceirizados) obrigatórios para cada tipo de atividade, principalmente para atividades de limpeza, retirada e troca do lixo, manuseio e manipulação de alimentos ou livros e aferição de temperatura;
  • Fornecimento, pelos empregadores, de máscaras aos empregados, adequadas aos graus de risco de contaminação a que o trabalhador estiver exposto e em quantitativo suficiente e que atenda à limitação do período de uso da máscara (vide itens 1.7 e 1.8 do Laudo Pericial de fls. 133/134 da petição inicial da Ação Civil Pública n.º 0000601-86.2020.5.10.0006);
  • Limitação máxima de 50% do contingente máximo de alunos por sala em aulas presenciais, prevista na cláusula 31ª da CCT 2019/2021, respeitada metade do limite máximo de ocupação do espaço de cada sala, nos termos da legislação educacional e o distanciamento de 1,5m entre os alunos;
  • Afastamento imediato de trabalhadores e alunos infectados até a plena recuperação;
  • Afastamento imediato de trabalhadores e alunos que apresentem sintomas da Covid-19, até que se submetam a exame específico que ateste ou não a contaminação.

As medidas estabelecidas nesta cláusula não excluem nem afastam a incidência das medidas gerais e específicas estabelecidas no Decreto 40.939 do governo do Distrito Federal e demais normas sanitárias vigentes, bem como se aplicará o regime sancionatório previsto no art. 10 do referido Decreto, sem prejuízo de ajuizamento de ação pelo Ministério Público do Trabalho ou pelo SINPROEP/DF, em caso de descumprimento do presente acordo por qualquer dos estabelecimentos de ensino por ele afetado, inclusive com a imposição de sanções pecuniárias por tal inadimplência, ou transação extrajudicial.

As medidas até aqui acordadas vigoram até o dia 31 de dezembro de 2020.

3) Testagem da Covid 19. Negócio Processual.

Nos termos do art. 190 do CPC, as partes, incluídos o SINEPE/DF e SINPROEP/DF, neste ato estabelecem negócio processual pelo qual aceitampreviamente, com renúncia a recursos, a sentença parcial remanescente a ser proferida com objeto exclusivo de definição do método de testagem a que deverão ser submetidos os profissionais de educação para o retorno às atividades presenciais, a ser prolatada após a realização de perícia, ficando as partes desde já intimadas para indicarem os quesitos, no prazo de 5 dias úteis, a partir da homologação do presente acordo, na Ação Civil Pública n.º 0000601-86.2020.5.10.0006.

  • Mandado de Segurança. Perda de objeto.

Com a homologação do presente acordo, o presente Mandado de Segurança perderá o objeto.

  • Homologação do acordo. Necessidade de anuência do Distrito Federal.

A homologação do presente acordo depende de anuência do Distrito Federal, que será intimado a se pronunciar, considerando a urgência da medida, em 24h, nos autos da Ação Civil Pública 0000601-86.2020.5.10.0006, presumindo-se a plena concordância em caso de silêncio.

6) Incidentes processuais. Desistência.

Com a homologação do acordo, as partes, inclusive o SINEPE/DF e SINPROEP/DF, desistem de todos os recursos, impugnações, reclamações constitucionais, conflitos de competência, correições parciais e quaisquer outros incidentes fundados em decisão proferida no Mandado de Segurança 0000577-76.2020.5.10.0000 e na Ação Civil Pública 0000601-86.2020.5.10.0006, no prazo de 24h a contar da ciência da homologação.

Os signatários do presente acordo declaram, para todos os efeitos, que o acordo não prejudica o prosseguimento da Ação Civil Pública 0000254-50.2020.5.10.0007 quanto às creches conveniadas ao GDF.

A presente ata documenta também a Ação Civil Pública 0000601-86.2020.5.10.0006, devendo ser inserida nos autos respectivos.”

O acordo parcial, após a anuência expressa do réu, foi homologado (fl. 618).

Designada perícia simplificada, em audiência de instrução, o autor, seu assistente e o amicus curiae apresentaram quesitos (fls. 642/644, 649/650 e 655/657).

Interpostos embargos declaratórios pelo DISTRITO FEDERAL à decisão  homologatória do acordo (fls. 646/647), conhecidos e desprovidos (fls. 651/653).

À audiência designada o perito respondeu oralmente aos quesitos ofertados por escrito e prestou esclarecimentos suplementares, sendo, em seguida, encerrada a instrução (ata às fls. 661/662; link de acesso ao arquivo digital da audiência indicado à fl. 663).

Laudo da assistente técnica do autor juntado às fls. 664/670.

Razões finais por memoriais apresentadas pelo autor, pelo assistente e pelo amicus  curiae (fls. 675/679, 680/684 e 685/687).

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. PRELIMINARMENTE. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE JULGAMENTO

Depois de encerrada a instrução, nova discussão surgiu nos autos: qual seria o exato objeto do julgamento remanescente após a celebração e homologação do acordo parcial celebrado.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO entende que o negócio processual (e, consequentemente, a perícia e o julgamento dele decorrentes) teria por objeto apenas a definição do “tipo de testagem” (fl. 675, item I, 1º §). Pondera que “cumpre rememorar que o negócio processual foi celebrado a partir de impasse existente entre as partes quanto ao Item B.2, ‘5’, da emenda à petição inicial, qual seja: ‘5) Garantia de testagem PCR de todos os profissionais para a efetiva retomada das atividades’ (fl. 676). Pontua que, “caso não houvesse a garantia de que a testagem seria fornecida a todos os profissionais da educação privada previamente ao retorno das aulas presenciais, o MPT não teria anuído com a celebração do acordo processual, haja vista que não haveria a garantia de adoção de qualquer medida preventiva no que se refere à detecção prévia de contaminados, para fins de isolamento e recuperação” (fl. 676).

Já o SINPROEP-DF, assistente do autor, sustenta, de certo modo fazendo coro com o que defende o Parquet, que “o negócio processual celebrado entre as partes assegurou que todos os profissionais de educação devem ser testados previamente para o retorno às atividades presenciais, ficando pendente de definição tão somente a definição do método de testagem a que deverão ser submetidos tais trabalhadores” (fl. 685). Argumenta que, “assim, é imprescindível que a testagem prévia seja garantida a TODOS os trabalhadores, nos exatos termos do acordo entabulado na audiência de conciliação realizada no dia 24 de agosto de 2020, sob pena de acarretar discriminação entre os profissionais da educação e se afastar do objetivo pretendido com a realização dos referidos testes, que é justamente garantir maior segurança para o retorno às atividades educacionais presenciais, com a interrupção precoce da transmissão no ambiente escolar” (fl. 687).

Por fim, a posição do SINEPE-DF, amicus curiae, discrepa da visão do autor e do respectivo assistente, falando em “método de testagem” não necessariamente associado à submissão de todos trabalhadores a determinado teste laboratorial.

Como este julgamento resultou de negócio processual inserido como cláusula do acordo parcial celebrado e homologado, é imprescindível a sua perfeita compreensão para, então, se delimitar o que está em julgamento.

Será ele (e não o teor da petição inicial, da emenda a esta, de documentos ou de quaisquer outras manifestações nos autos) a bússola norteadora dos parâmetros de julgamento a serem considerados.

Eis o inteiro teor da cláusula atinente ao negócio processual (fl. 609):

“3) Testagem da Covid 19. Negócio Processual.

Nos termos do art. 190 do CPC, as partes, incluídos o SINEPE/DF e o SINPROEP/DF, neste ato estabelecem negócio processual pelo qual aceitam previamente, com renúncia a recursos, a sentença parcial remanescente a ser proferida com objeto exclusivo de definição do método de testagem a que deverão ser submetidos os profissionais de educação para o retorno às atividades presenciais, a ser prolatada após a realização de perícia, ficando as partes desde já intimadas para indicarem os quesitos, no prazo de 5 dias úteis, a partir da homologação do presente acordo, na Ação Civil Pública n.º 0000601-86.2020.5.10.0006.”

Pois bem.

Em síntese, cumpre definir se o propósito do diferimento da definição do método de testagem mais adequado para a presente decisão judicial cingir-se-ia a uma questão binária singela (submissão de cada trabalhador ao teste RT-PCR versus submissão de cada trabalhador ao teste sorológico) ou se deveria envolver a descoberta da melhor estratégia para verificação de pessoas infectadas ou suspeitas de contaminação dentre aquelas prestes ao retorno ao trabalho presencial nas escolas particulares do Distrito Federal.

Há, claramente, uma imprecisão terminológica na manifestação do autor. O que se acordou não foi a definição do tipo de teste, mas o método de testagem. O tipo de teste redundaria naquilo que estou chamando de questão binária (RT-PCR ou sorologia?). Poderiam as partes ter-se limitado a tal questão, mas, na liberdade própria da construção dos consensos, preferiram ir além, aderindo à ideia mais ampla de definição do método de testagem.

A admissão patronal da testagem sorológica de todos trabalhadores fez parte dos esforços de construção do consenso, antes de a ele se chegar, mas não figurou expressamente como parte da avença, ao contrário do que supôs o sindicato obreiro assistente em suas razões finais.  

Do mesmo modo, durante os debates, o autor chegou a cogitar explicitamente, com endosso deste magistrado, diga-se de passagem, de reduzir o universo de trabalhadores para testagem pelo RT-PCR àqueles sem sorologia positiva para os anticorpos para a Covid-19, mas tal mitigação da pretensão constante de sua emenda à inicial tampouco constou dos termos do acordo parcial homologado, aí incluída a cláusula atinente ao negócio processual.

“Método” é “caminho para se atingir uma meta” (HOUAISS) ou “1º qualquer pesquisa  ou orientação de pesquisa; 2º uma técnica particular de pesquisa. No primeiro caso não se distingue de ‘investigação’ ou ‘doutrina’. O segundo significado é mais restrito e indica um procedimento de investigação organizado, repetível e autocorrigível, que garanta a obtenção de resultados válidos” (ABBAGNANO).  

Logo, método é inconfundível com tipo ou modalidade – aquele é procedimento; estes são sinônimos de espécies. E, assim, não é possível inferir do negócio processual que o objeto remanescente do julgamento da ação civil pública fosse apenas a indicação do tipo ou modalidade de testagem mais adequada, mas a definição do método mais eficaz para a testagem dos trabalhadores para a Covid-19 do ponto de vista da prevenção da contaminação comunitária.

Registro, por oportuno, não ter havido nenhuma insurgência de qualquer das partes antes ou durante a audiência, mesmo tendo-lhes sido aberta a palavra em vários momentos, inclusive antes do encerramento do ato, quanto aos quesitos apresentados e respondidos, tendo apenas este magistrado indeferido o sétimo quesito do amicus curiae, por impertinência. Assim, não bastasse a clareza do texto da cláusula em debate (negócio processual), operou-se nitidamente a preclusão para agitar qualquer suposta irregularidade na interpretação conferida por este juízo (CLT, art. 795).

No tocante à abrangência subjetiva, não há dúvida de que todos os trabalhadores (empregados e terceirizados) devem passar por este “método de testagem”, já que as partes, como não poderia deixar de ser, explicitamente ajustaram que as medidas adicionais especificadas no acordo não excluíam a incidência inevitável do rol de medidas protetivas enumeradas nos protocolos sanitários do Decreto GDF nº 40.939/2020 e demais normas sanitárias. E, como bem lembrou o autor, em suas razões finais, a testagem dos trabalhadores para Covid-19 está contemplada em tal ato governamental (Anexo Único, item F.15), ainda que de modo inespecífico e fazendo remissão a um outro protocolo sanitário (certamente, fosse o tópico mais preciso e específico, não teria imperado o impasse que resultou no negócio processual ensejador do presente julgamento parcial remanescente e irrecorrível).

Por outro lado, do mesmo modo que o autor aponta que não teria aceito o negócio processual se o seu objeto não pressupusesse (implicitamente) a submissão de todos trabalhadores a um dos testes que nutriram a polêmica residual, é legítimo supor que o sindicato patronal talvez não aceitasse o negócio processual que se restringisse à definição da modalidade do teste laboratorial a que deveriam ser submetidos todos os trabalhadores.

Porém, mais que conjecturas, importa examinar o que foi efetiva e explicitamente ajustado. Ajustado numa paciente construção coletiva consensual não só das condições do acordo, mas também de sua redação, realizada, conferida e corrigida a várias mãos pelos participantes do encontro de mediação do dia 24 de agosto. Todos os interlocutores puderam intervir – e quase todos efetivamente intervieram – na busca do texto exato que merecesse a aceitação de todos os protagonistas envolvidos, presentes à audiência.

Acrescento que as alegações que precederam e permearam as discussões da longa sessão do dia 24 de agosto até poderiam nortear a interpretação, mas somente em caso de obscuridade ou ambiguidade dos termos da conciliação.

Neste ponto, o negócio processual é cristalino, não ensejando dúvida interpretativa.

O acordo, por este magistrado proposto, de modo transparente, como consta do parágrafo introdutório de sua sugestão que acabou redundando na conciliação, fixou como objeto remanescente para julgamento da ação civil pública o método de testagem e não o tipo de teste laboratorial.  

Afinal, estamos a tratar de uma estratégia abrangente de medidas sanitárias de prevenção e contenção da contaminação da comunidade escolar (aí todos incluídos – alunos, familiares, professores, auxiliares, terceirizados, prestadores de serviços e empresários) pelo novo coronavírus. Neste contexto, a submissão de trabalhadores a testes laboratoriais consiste apenas em uma das possíveis medidas preventivas a serem cogitadas e implementadas.

Demonstração tácita (e evidente) de que o próprio autor e seu assistente compreenderam a transcendência da questão do trato do método de testagem, a extrapolar o “binarismo” dos testes mais confiáveis disponíveis no Brasil (RT-PCR ou sorologia), foi a apresentação de quesitos acerca da periodicidade da testagem dos trabalhadores (averiguar se bastaria uma rodada de testes ou se esses testes deveriam ser repetidos com determinado lapso temporal ou dentro de certos parâmetros após o retorno dos empregados às atividades escolares presenciais) bem como a cogitação de associação de estratégias em que a testagem pelo RT-PCR fosse um dos ingredientes – e não o único.

Assim, considerando os precisos termos da avença processual, leal, transparente e objetivamente proposta por este juiz e aceita por todos os envolvidos, rejeito a questão preliminar suscitada pelo autor e pelo respectivo assistente.  

Consequentemente, não está este pronunciamento jurisdicional confinado à declaração de qual teste laboratorial seja o mais eficaz, dentre os disponíveis no Brasil, para prevenção da Covid-19 em relação aos trabalhadores nas escolas particulares em iminente retorno das atividades presenciais no Distrito Federal, mas à revelação e ao reconhecimento do melhor método de testagem para isso.

2. DEFINIÇÃO DO MELHOR MÉTODO DE TESTAGEM

Delimitado o exato objeto de julgamento, resta levantar os dados técnicos trazidos pelo perito e pelo laudo da assistente técnica do autor (durante a audiência a outra assistente técnica, indicada pelo amicus curiae, declarou expressamente sua concordância com as opiniões e informações trazidas pelo perito do juízo, por ela enaltecidas, o que parece justificar a ausência de apresentação de laudo paralelo escrito por ela dentro do prazo propiciado) e a partir daí resolver o objeto remanescente da demanda – a definição do melhor método de testagem com vistas à programação do retorno dos profissionais da educação às atividades pedagógicas, administrativas e auxiliares presenciais nos estabelecimentos particulares de ensino do Distrito Federal.

Como visto pelo inteiro teor do acordo parcial, as escolas, pela voz de seu sindicato na condição de substituto processual (CF, art. 8º, III), reiteraram o inevitável compromisso de atendimento a todos os protocolos genéricos e específicos contemplados no Decreto GDF nº 40.939/2020, além das obrigações complementares concernentes à limitação do número de alunos à metade do máximo indicado na convenção coletiva da categoria e respeitados o distanciamento entre os estudantes e os parâmetros de ocupação nas salas de aula, ao fornecimento e exigência do uso de equipamentos de proteção individual (como luvas descartáveis, máscaras, protetores faciais, gorros, jalecos e aventais) e o afastamento imediato de trabalhadores e alunos infectados até a plena recuperação e de trabalhadores e alunos com sintomas de Covid-19 até submissão a teste.

Assim, bem vistas as coisas, parte do objeto remanescente do presente julgamento já está em alguma medida contemplada no acordo parcial homologado: na hipótese de trabalhadores infectados ou sintomáticos para Covid-19, deve o empregador afastá-los imediatamente até que se recuperem ou se descarte o diagnóstico de possível contaminação.

Em relação aos trabalhadores com suspeita de contaminação, resta pontuar que, ao que indicou incisivamente o perito judicial, o único teste útil e eficaz para detecção ou confirmação diagnóstica é o RT-PCR. Não tendo o acordo tratado de modo específico do tipo de teste nem da responsabilidade pelo seu custeio, assinalo que deverão as escolas, nesta situação de suspeita de contaminação, custear o teste RT-PCR até 31 de dezembro de 2020, sem prejuízo de eventual extensão da vigência das obrigações contidas nesta decisão, em ação revisional, caso se mantenha ou se agrave a situação epidemiológica da Covid-19 nesta unidade da federação.  

Condeno as escolas a tal obrigação adicional, portanto.

Por outro lado, não se preocuparam os protagonistas desta ação civil pública, corretamente, em dirigir qualquer questionamento ao perito acerca dos trabalhadores integrantes de grupos mais vulneráveis aos efeitos mais sérios da contaminação pela Covid-19 porque os empregadores já estão proibidos de lhes exigirem o trabalho em regime presencial (Decreto GDF nº 40.939/2020, art. 5º, IV).  Logo, tais trabalhadores, com o retorno das atividades presenciais, devem prosseguir em atividades remotas de modo a poderem observar a orientação de seu rigoroso distanciamento social.

Assim, o alvo residual central do presente julgamento é a definição do método de  testagem dos empregados não infectados, assintomáticos e que não integrem os chamados grupos de risco, pois os empregados infectados ou com sintomas de Covid-19 e os empregados vulneráveis a impactos orgânicos mais perigosos no caso de contágio viral devem ser afastados ou mantidos em confinamento residencial até a plena recuperação (no caso de infectados) ou a exclusão diagnóstica (no caso de suspeita de infecção) ou de reorientação das autoridades sanitárias (quanto aos grupos de risco).

A perícia simplificada (oral) foi extremamente elucidativa. Na apresentação inicial e nas respostas aos quesitos, deixou bem claro o perito que o teste padrão-ouro para detecção de pessoas com infecção ativa pelo novo coronavírus (SARSCoV-2 ou Covid-19) é o RT-PCR (sigla em inglês para "reverse transcription polymerase chain reaction"), como sustentaram o autor e o respectivo assistente.  

Também foi contundente o expert ao assinalar a inutilidade do teste sorológico para constatação de pessoas contaminadas, enfatizando que só serviria tal exame como instrumento de inquéritos epidemiológicos para formulação ou revisão de políticas públicas na área de saúde ou para confirmação de diagnóstico de contaminação pretérita quando a pessoa, com sintomas compatíveis com a Covid-19, não tenha feito o teste ou seu PCR tenha dado negativo.

Portanto, entre os dois tipos de testes laboratoriais disponíveis no país para detecção da Covid-19, esclareceu o perito que o único indicado como medida preventiva é o RT-PCR (altamente sensível – 75% – e com 99,5% de especificidade).

Contudo, com a mesma clareza, informou o perito do juízo que não há na literatura  científica respaldo para testagem em massa de indivíduos assintomáticos para averiguação da contaminação pelo SARS-CoV-2, seja pelo percentual mínimo de pessoas contaminadas (em torno de 1%), seja pelo incômodo físico trazido pela coleta da secreção naso-orofaringe, seja pelo impacto psicológico de falsos positivos (gerados por contaminação da amostra por alguma falha na manipulação do material pelo laboratório) e de falsos negativos (pela defasagem entre o momento do contágio e disseminabilidade do vírus e o instante de detectabilidade laboratorial do vírus).

Em outras palavras, a positividade no exame pode esconder um erro laboratorial que trará enorme ansiedade e angústia a alguém sadio e a negatividade do exame não exclui que o paciente examinado não esteja infectado, com ou sem sintomas peculiares, ensejando-lhe um enganoso sossego.

Lecionou o perito que “todo teste deve ser dirigido a um indivíduo que tenha uma chance pré-teste razoável” (declaração aos 30’-31’ da audiência de perícia simplificada) e que “o teste é sempre o RT-PCR, mas a triagem de indivíduos assintomáticos que não tenham quadro clínico ou exposição documentada não tem validação na literatura”. A testagem em massa como estratégia isolada traduz-se, segundo relatou, em uso fútil do exame, sem falar na sua condição desagradável e psicologicamente desgastante e no já comentado risco de falsos resultados.

Também destacou o perito que há muitas variáveis nos efeitos do vírus sobre diferentes organismos. Assim, entre 8% e 10% dos indivíduos contaminados pelo novo coronavírus não desenvolvem anticorpos dosáveis depois de infectados, o que é mais comum em pacientes com sintomas leves (ou seja, terão teste sorológico negativo para infecção pretérita, efetivamente ocorrida). Por outro lado, normalmente, a partir do segundo ou terceiro dia após a contaminação, a pessoa já começa a excretar o vírus, o que se prolonga entre 6 e 8 dias, ou seja, após 10 dias o vírus, ainda que presente no corpo, não infecta mais as pessoas contactantes (há indivíduos que continuam com o vírus por mais tempo, ainda que em inatividade), sendo que o RT-PCR somente é capaz de detectar a infecção alguns dias após o início da contagialidade do novo coronavírus.

Daí a conclusão pericial de que “a melhor estratégia é a testagem dirigida”, ou seja, “o mais prudente é testar de maneira dirigida [...]. Todos indivíduos com qualquer sintoma compatível com Covid devem ser afastados e testados e retornarem só caso os sintomas não sejam típicos, com o teste negativo, ou com sintomas típicos depois de passado todo o período, independentemente do resultado do teste”.

Em contraste parcial aos esclarecimentos do perito do juízo, o laudo da assistente técnica do autor pontua que, a depender das circunstâncias específicas de cada estabelecimento, o CDC (órgão norte-americano incumbido da orientação à sociedade dos Estados Unidos quanto a questões de saúde pública, considerado referência mundial no trato das políticas públicas concernentes ao novo coronavírus, sendo a fonte principal dos subsídios trazidos pelo perito do juízo e pela assistente técnica do autor) indicaria a necessidade de testagem periódica dos professores (fl. 666). Contudo, consultando o respectivo sitio na internet, constato orientação bem diferente.

Eis o que se extrai de tal sítio, especificamente em relação ao retorno das atividades presenciais nas escolas (para mais fácil compreensão trouxe a versão em castelhano disponível ali –undefined Acesso em 12.9.2020):

“Los CDC no recomiendan la realización de pruebas en la modalidad

universal a todos los estudiantes y personal, por varios motivos:

 Las pruebas virales solo permiten saber si la persona tiene COVID-19 al momento de la prueba.

 La modalidad de pruebas universales o únicas podría no detectar casos de COVID-19 en las etapas iniciales de la infección y, por consiguiente, tampoco permitiría detectar la exposición posterior a las pruebas.

 Implementar una modalidad universal de pruebas de detección en escuelas puede presentar dificultades como la falta de la infraestructura necesaria para la realización de pruebas de rutina y su seguimiento en el entorno escolar, no saber si todos los estudiantes, padres y personal aceptarían este abordaje, la falta de recursos especializados, consideraciones prácticas relacionadas con las pruebas de detección a menores de edad y las posibles disrupciones que esto podría causar en el ámbito educativo.”

Portanto, sem desmerecer o esmero do trabalho da assistente técnica ministerial, percebe-se que, conforme a principal fonte científica por ela lembrada e inspiradora central das informações trazidas pelo perito do juízo, a testagem em massa instantânea ou periódica não traz nenhum benefício expressivo, inclusive por ocasião do retorno às atividades escolares presenciais. Afinal, o teste é, mal comparando, uma fotografia que pode distorcer a realidade viral do indivíduo testado já que, como demonstrado pelo perito judicial, há um hiato temporal entre o início da contaminação e a data de detectabilidade do vírus. Assim, um teste negativo não confere tranquilidade à pessoa, seja pelo risco futuro constante de contaminação, seja por já poder estar infectada a pessoa no momento em que se submete ao exame.

Logo, convenci-me da lucidez, precisão, atualidade e cientificidade do pronunciamento denso oral do perito do juízo, guia fundamental da presente decisão.

Assim, sopesando o conjunto de preciosas informações trazidas pelo perito, conclui-

se que o método de testagem ideal, nas condições atuais, visando a preparação dos trabalhadores da educação para o retorno às atividades presenciais, na rede particular de ensino candanga, não pode cingir-se à realização de testes de detecção instantânea, mas em procedimento preparatório que passe, em relação aos indivíduos assintomáticos não integrantes de grupos de risco (insisto que os trabalhadores infectados ou com sintomas devem ser afastados imediatamente e, no caso de retorno às atividades presenciais, devem ter a sua volta adiada até a confirmação diagnóstica e, se for o caso, tratamento e plena recuperação), por uma ou duas etapas:

1ª) o levantamento do perfil clínico-epidemiólogico individual de cada trabalhador para apurar, mediante autodeclaração ou por observação de outrem, se:

  • apresenta qualquer dos sintomas sugestivos de contaminação

pela Covid-19 (como febre, tosse, indisposição física, diarreia, coriza ou dificuldade respiratória);

  • esteve em contato domiciliar ou em qualquer lugar, por no mínimo15 minutos e a menos de 2 metros, com pessoas infectadas, nos últimos catorze dias;
  • frequentou alguma aglomeração sem proteção e distanciamento recomendáveis, nos últimos catorze dias;

2ª) apurada a ocorrência de qualquer das hipóteses acima, o empregado deve ser afastado do trabalho e submetido imediatamente ao teste RT-PCR e somente deve ser considerada descartada a infecção mediante diagnóstico combinado entre o exame clínico-epidemiológico por médico e o resultado do exame laboratorial, podendo, neste caso de exclusão diagnóstica, o trabalhador ser convocado a retornar ao trabalho;

3ª) ausente qualquer das hipóteses indicadas na primeira etapa, poderá o trabalhador voltar ao trabalho presencial.

O sindicato obreiro, em suas razões finais, sinaliza a preocupação com a subnotificação de tais situações sugestivas de possível contaminação pela Covid-19 dado o fundado temor dos professores quanto a represálias.

O argumento deve ser considerado, mas também não se pode desprezar que:

  • se trata de categoria não só extremamente organizada, mas consciente (até porsua profissão e formação acadêmica e cultural acima dos padrões médios nacionais) de seus direitos e deveres individuais e coletivos e da importância da sinceridade na notificação de situações sugestivas de possível contaminação pelo novo coronavírus, não só no interesse das escolas, mas no interesse seu e de sua família pela preservação de sua saúde e da saúde de seus entes queridos, dos alunos com quem convive e respectivas famílias e de toda comunidade exposta toda vez que alguém suspeito de infecção não se isola socialmente de imediato, realimentando a escalada de contágio da SARS-CoV-2 e frustrando as expectivas de normalização sanitária;
  • as escolas não devem ter nenhum interesse nessa ocultação de informações,pois qualquer episódio de infecção comunitária em seu interior pode redundar em grandes danos não só à saúde de outros profissionais, alunos e seus familiares e amigos, como também à imagem do estabelecimento, suscetível inclusive de interdição e pesadas multas administrativas segundo as regras do decreto distrital que disciplina a reabertura do comércio e das instituições de ensino; escolas, profissionais da educação, pais, alunos e comunidade devem estar no mesmo barco nesta questão da obrigatoriedade e imediatidade da notificação de suspeita ou de confirmação de diagnóstico de infecção; sem essa solidariedade e senso de responsabilidade e cooperação o retorno às aulas presenciais seria um total desastre sanitário e social;
  • a eventual dispensa imotivada em tais circunstâncias ostenta caráter indisfarçavelmente discriminatório que enseja a possibilidade de reintegração e de reparação de danos materiais e extrapatrimoniais a favor da vítima.

Enfim, como visto, hão de ser adotadas medidas preventivas de caráter universal onde a testagem pelo RT-PCR constitui providência complementar importante, mas não única nem necessariamente prioritária, suficiente ou eficaz. A universalidade das medidas preventivas concernentes à detecção da presença da Covid-19, mediante exame individual das condições clínicoepidemiológicas de cada trabalhador a retornar às atividades presenciais, integra, como não poderia deixar de ser, o conjunto de obrigações estipuladas na presente decisão como modo de máxima segurança do ambiente do trabalho e de preservação da saúde, da integridade física e psíquica e da vida não só dos trabalhadores (empregados, terceirizados e prestadores de serviços permanentes ou eventuais) nas escolas particulares do Distrito Federal, mas da comunidade acadêmica como um todo, seus familiares e toda a sociedade (CF, arts. 6º, 7º, XXII, e 196).

Por fim, nunca é demais realçar que, no âmbito das tutelas coletivas, pode o Judiciário adotar medidas específicas que atendam o relevante interesse metaindividual subjacente (aqui congregando o interesse difuso atrelado à saúde da população com o direito coletivo dos trabalhadores e alunos e ainda os direitos individuais homogêneos concernentes à prevenção dos riscos à saúde de cada empregado isoladamente considerado), assegurando o resultado prático perseguido (CDC, art. 84, caput), inclusive mediante a imposição de multa de oficio para o caso de descumprimento da ordem judicial (CDC, art. 84, § 4º).

Assim, a partir das condições do acordo parcial homologado e dos subsídios da prova técnica produzida em audiência, concluo que todos trabalhadores (empregados, inclusive terceirizados) devem ser avaliados individualmente para verificação da possibilidade ou não de seu imediato retorno às atividades presenciais, pelo que os estabelecimentos particulares de ensino abrangidos pela presente ação civil publica ficam obrigados a observar o seguinte:

  • os trabalhadores já em gozo de licença remunerada ou previdenciária porinfecção confirmada pelo novo coronavírus permanecerão afastados do trabalho até a plena recuperação (isolamento), atestada por perito do INSS, médico do trabalho da empresa ou médico por ela custeado;
  • os trabalhadores comprovadamente infectados ou com sintomas compatíveis coma Covid-19 não poderão retornar (quarentena), devendo ser submetidos ao teste RTPCR, se ainda não o fizeram, às expensas do empregador, e, após avaliação clínica por médico, serão mantidos afastados até a plena recuperação ou liberados para o trabalho, sendo a contaminação descartada pelo médico do trabalho da empresa ou médico por ela custeado;
  • os trabalhadores que estiveram nos últimos 14 dias, contados da data de suaavaliação médica, com pessoas infectadas, seja em sua própria casa, seja em qualquer espaço onde a pessoa contaminada estivesse a menos de dois metros e um deles ou ambos sem as proteções sanitárias recomendáveis, devem ser imediatamente afastados (quarentena), devendo ser submetidos ao teste RT-PCR às expensas do empregador e, após avaliação clínica por médico, serão mantidos afastados até a plena recuperação ou liberados para o trabalho, sendo a contaminação descartada pelo médico do trabalho da empresa ou médico por esta custeado;
  • os trabalhadores que estiveram, sem o distanciamento ou a proteção sanitáriarecomendável, em aglomeração nos últimos 14 dias contados de sua avaliação médica, devem ser imediatamente afastados, devendo ser submetidos ao teste RTPCR às expensas do empregador e, após avaliação clínica, serão mantidos afastados até a plena recuperação ou, sendo a contaminação descartada pelo médico do trabalho da empresa ou médico por esta custeado, liberados para o trabalho;
  • os trabalhadores não infectados e assintomáticos só poderão retornar àsatividades presenciais após a avaliação prévia individual favorável das condições clínico-epidemiológicas especificadas nesta decisão, mediante exame médico e, enquadrados em qualquer das hipóteses de possibilidade de infecção, após a conclusão do teste RT-PCR, correndo às expensas exclusivamente das escolas as consultas médicas e os testes laboratoriais, se não tiverem serviço próprio ou convênio gratuito para os trabalhadores; as escolas deverão comunicar previamente aos trabalhadores se oferecerão diretamente o serviço de atendimento médico e laboratorial, indicando a data, hora e local para tanto, ou se poderão os trabalhadores buscar tal atendimento mediante reembolso imediato integral das despesas com consulta e exame específico;
  • constatado por médico que o trabalhador integra qualquer dos grupos derisco mais vulneráveis aos efeitos da Covid-19, deverá ser solicitado ao médico atendente atestado, relatório ou declaração de tal circunstância, que deverá ser imediatamente entregue ao empregador, hipótese em que o trabalhador não retornará às atividades presenciais enquanto perdurar a orientação de distanciamento social das pessoas em tal condição pelas autoridades sanitárias;
  • os estabelecimentos particulares de ensino do Distrito Federal deverão realizardiariamente, nos dias em que haja o comparecimento de trabalhadores na instituição, a atualização das condições clínico-epidemiológicas de cada trabalhador, mediante formulário simplificado objetivo ou enquete para averiguação permanente da existência de qualquer das situações indicativas da possibilidade de contaminação pelo novo coronavírus, a ser respondido por cada trabalhador por escrito ou em sistema eletrônico, antes do inicio de suas atividades laborais, devendo tais empregados ser afastados imediatamente caso informem qualquer de tais situações até a confirmação diagnóstica e, se for o caso, tratamento e recuperação;
  • sentindo o trabalhador, fora do horário de trabalho ou após a resposta aoformulário ou enquete clínico-epidemiológica, qualquer sintoma sugestivo de infecção pelo SARS-CoV-2 ou tendo ciência da infecção pelo novo coronavírus de pessoa com quem conviva sob o mesmo teto ou com quem tenha tido contato por mais de 15 minutos e sem observar a distância mínima de dois metros nos catorze dias imediatamente anteriores, deverá comunicar imediatamente tal fato ao empregador que deverá afastá-lo imediatamente e encaminhá-lo para médico do trabalho da empresa ou médico por esta custeado ou conveniado, sem ônus para o trabalhador, e, se houver prescrição médica, para laboratório para testagem pelo RT-PCR, sempre às expensas do empregador; a comunicação poderá ser feita ao empregador por qualquer parente do trabalhador ou pelo sindicato profissional, caso esteja impossibilitado de fazê-lo;
  • havendo indicação de necessidade do exame RT-PCR por médico procurado por

iniciativa do trabalhador, o empregador custeará integralmente o valor do teste, podendo este indicar o laboratório onde deva comparecer o empregado; caso o empregado faça o teste em outro estabelecimento, o empregador reembolsará as despesas incorridas, até o limite do valor do mesmo exame no laboratório por ele indicado, até o pagamento do salário do mês subsequente ao da apresentação da nota fiscal;

  • a inobservância das determinações contidas nesta decisão, inclusive quanto ao custeio das despesas médicas e laboratoriais e ao monitoramento diário das condições clínico-epidemiológicas dos trabalhadores, constitui falta grave do empregador ensejadora da rescisão indireta do contrato de trabalho e de reparações por danos materiais, morais e existenciais (CLT, arts. 157 e 483, a, c e d), dentre outras consequências;
  • a falsidade ou ocultação de informações clínico-epidemiológicas relevantes ou anegligência na atenção às medidas de proteção estabelecidas nesta decisão constitui falta grave do empregado (CLT, arts. 158, parágrafo único, e 482, b, e e h);
  • será considerada presumidamente discriminatória a dispensa sem justa causa deempregados afastados por infecção ou suspeita de contaminação pelo novo coronavírus ou que tenham notificado tais fatos, pessoalmente, por algum parente ou pelo sindicato profissional ou ainda caso tenham os trabalhadores anotado qualquer situação sugestiva de contaminação no formulário epidemiológico diário aplicado pelo empregador, cabendo a este a prova em contrário do caráter discriminatório da despedida;
  • a gratuidade das consultas médicas e dos testes de RT-PCR a que tiverem deser submetidos os trabalhadores, nos termos desta decisão, será assegurada ate 31 de dezembro de 2020, sem prejuízo de eventual extensão da vigência das obrigações contidas nesta decisão, em ação revisional, caso se mantenha ou se agrave a situação epidemiológica da Covid-19 nesta unidade da federação, correndo por conta exclusiva do empregador as respectivas despesas;
  • sem prejuízo de outras sanções e consequências trabalhistas, previdenciárias,administrativas, cíveis e criminais, incorrerá o empregador que descumprir qualquer das obrigações estipuladas nesta decisão em multa entre R$ 1.000,00 e R$ 100.000,00, por infração e por trabalhador prejudicado, a ser arbitrada judicialmente em execução individual contra o respectivo estabelecimento infrator, conforme a gravidade, extensão e reincidência da desobediência aos termos desta sentença, cabendo ao autor da ação de execução indicar a destinação dos recursos, preferencialmente para ações de controle e prevenção da Covid-19, enquanto vigorar o estado de calamidade pública pelo reconhecimento de emergência de saúde pública de importância internacional.

Julgo procedente em parte o pedido remanescente pendente de apreciação,

condenando os estabelecimentos particulares de ensino do Distrito Federal a cumprirem as obrigações estabelecidas no corpo desta decisão.

3. HONORÁRIOS PERICIAIS

Considerando o valor proposto pelo profissional e o nível de excelência do trabalho técnico desempenhado, acolho sua sugestão para arbitrar os honorários periciais em R$ 2.000,00.

Como apenas o autor, o respectivo assistente e o amicus curiae celebraram o negócio processual que resultou neste julgamento e o pedido inicial residual foi acolhido, ainda que parcialmente, condeno o SINEPE-DF a pagar a verba honorária pericial à vista de sua sucumbência na pretensão objeto da perícia.

 

Dispositivo

ISTO POSTO, julgo PROCEDENTE EM PARTE o pedido remanescente da ação civil pública, nos termos da fundamentação que integra o presente dispositivo para todos os efeitos e fins.

Honorários periciais, no importe de R$ 2.000,00, pelo SINEPE-DF.

Custas, pelo SINEPE-DF, no importe de R$ 200,00, calculadas sobre R$ 10.000,00, valor arbitrado à condenação, a serem recolhidas em cinco dias.

Sentença irrecorrível por deliberação consensual das partes, não sendo suscetível de embargos de declaração, recurso que são (CPC, art. 994, IV).

Em nome da total transparência e clareza dos atos jurisdicionais, em caso de necessidade será aceito pedido de esclarecimentos sem efeito infringente, suspensivo nem interruptivo, a ser apresentado no prazo preclusivo de cinco dias.

Publique-se para ciência do assistente do autor e do amicus curiae.

Intimem-se o autor e o réu via sistema.

BRASILIA/DF, 13 de setembro de 2020.

ANTONIO UMBERTO DE SOUZA JUNIOR

Juiz do Trabalho Titular


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